Assim recebi o incidente envolvendo um público grande, uma criança - provavelmente acompanhada pelos pais - e o Dalai Lama. “Chupa a minha língua!” Dizem que foi o que o venerável falou para uma criancinha, e deve ter posto a língua para fora. Usando de cinismo, posso dizer: A criança não chupou, então ele obedeceu a regra de que “não é não!”, devia estar tudo certo, não é mesmo?!
Dalai Lama sendo atacado pela pomba da paz |
Minha primeira
reação foi rir, e o fiz com naturalidade. Pois para mim não deve ter passado de
um gesto bem humorado de um avozinho para uma criança, que não significa que é
para chupar-lhe a língua de fato, mas para que a criança diga algo como: “que
nojo!” e o avozinho riria. Pena que O Dalai Lama não é avô de ninguém e não
notou que o ocidente mudou muito e rapidamente. Insinuar que este homem fez um
gesto pedófilo só me faz imaginar que tipo de pessoa é capaz de pensar este
tipo de coisa e divulgar idéias tão estúpidas quanto estas. Vi até mesmo um
colega que estuda religião e comunicação postando umas bobagens que não fica
bem para quem faz o mesmo trabalho que eu. De ignorantes o mundo já está cheio
e não precisamos incentivá-los, não é mesmo?! Enfim, essa foi a minha primeira reação,
a de um homem ocidental com mais de cinquenta anos de idade e que sabe que
focinho de porco não é tomada. Entretanto, existem outras possibilidades.
Este
Senhor não é apenas o representante de uma nação pacífica, - invadida e massacrada
culturalmente pela China - e que tem hábitos estranhos. Sim, hábitos estranhos.
Lembro-me quando eu era adolescente de ler uma história sobre um monge tibetano
que convidou um ocidental para comer. E este lhe ofereceu um prato que estava
sujo. O ocidental ficou constrangido e informou ao anfitrião que era preciso
lavar o prato. O anfitrião estranhou o pedido, mas, atendeu-o. Pegou o prato e
lambeu-o todo, e devolveu para o hospede com um sorriso, imaginando que tinha
feito exatamente o que ele havia pedido. É deste lugar que o Dalai Lama veio. E
ainda que faça muitas palestras por aí, ele é um chefe de estado e deve viver numa
“bolha” tibetana na maior parte do tempo. Outra coisa extremamente importante,
ele não é apenas tibetano. Ele é um monge, um Monge Zen Budista.
O Zen tem suas
particularidades, além de dar uma boa tabuada nas costas dos monges que não
mantém a coluna ereta ou adormecem na meditação, ele possui um método sapiencial
bastante único, os Koans.
Os
Koans geralmente são frases que parecem envoltas de mistério e são ditas de um
mestre para um discípulo, lembro-me de um exemplo fraco, mas que serve agora.
Um neófito disse: Mestre, esta libélula é como uma pimenta vermelha! E o mestre
corrigiu-o: “Não, esta pimenta vermelha é como uma libélula!” Através do uso
dos Koans, que são frases non sense,
- apesar de ser inútil procurar o seu sentido a sério- deve-se procurar o seu sentido,
pois o que se deseja é uma ruptura do senso comum para estabelecer um estado de
reflexão que possa levar o discípulo a uma forma de transcendência. O gesto do
Dalai Lama, ainda que não seja uma frase escrita ou dita, é também uma forma de
koan, ele fez o que dele se espera. Ele é Zen budista, ele é desta tradição. E
os que correm atrás de beijar as barras da túnica deste mestre deviam saber o
tipo de risco que correm.
O
Dalai Lama conseguiu com seu gesto Koan o que desejava, rompeu com o senso
comum através de um gesto non sense.
Desde o primeiro momento essa deveria ter sido minha leitura, pois sou formado
e muito bem formado para de imediato saber do que se trata, mas como viram,
apenas usei o bom senso num primeiro momento. As outras possibilidades que
estão borbulhando, mesmo nos lábios mais sapientes, são na verdade fruto da
repetição de preconceitos e de tentativas de explicar o inexplicável. Um Koan
não se explica, ponto.
Mas vamos
botar “pimenta na libélula”, estão insinuando que o bondoso Dalai Lama está “caduco”
e usam palavras médicas para tanto, senil, ou com algum problema devido à idade
avançada. Bem, saímos do gesto pedófilo para um “pobre velho dementado”.
Honestamente, nunca sei o que é pior, se as pessoas impiedosas ou as piedosas
demais.
Se
há uma coisa que a idade faz com homens e mulheres é dar-lhes o poder de se
passarem por loucos enquanto, na realidade, estão encharcados de lucidez. A
lucidez é um mal que abate uma minúscula parcela da vida sobre a terra e causa
um sofrimento enorme à quem carrega essa condição. O que me levou a escrever
foi o fato de ver pessoas bem esclarecidas engrossando o coro de sandices reverberadas
por aí. Também quis vir em socorro dos que têm bom senso e resolveram ficar
calados, pois que em boca fechada não entra mosca, e “nem línguas tibetanas”.
Boa terça-feira para vocês. Por favor, façam melhor do que isso, a maior parte
tem doutorado e pesquisas sérias, o resto do mundo não merece ouvir
preconceitos e mediocridades vindos de vocês.
“Ah,
Vadico e se você estiver errado?” Se eu estiver errado, errei sendo generoso.
Mas com certeza, não há dolo e nem erro em mim.
Ah!
Já ia me esquecendo. Recado urgente de Jesus Cristo que ressuscitou antes de
ontem: “Raça de víboras!”
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