(inicio incluindo algo que faltou no texto anterior)
Da Natureza da Coisa
Nas pesquisas científicas sobre o
porquê da homossexualidade se elencaram causas genéticas e sociais. Muita
pesquisa foi feita, as mais conclusivas foram os estudos em gêmeos. Irmãos
gêmeos separados no nascimento e criados distantes, quando um era gay em 99%
dos casos o outro também. Isso significa uma predisposição (?), ou melhor uma
determinação genética, para a homossexualidade. Entretanto, a genética nem
sempre é responsável pelos casos, às vezes é um mecanismo de regulação natural
de populações densas. Os cientistas descobriram que Mantendo uma população de
galinhas numa área bastante circunscrita e sem galos, depois de passado algum
tempo algumas delas passaram efetivamente a se comportarem e a desenvolverem
características de galos. Numa grande
quantidade de gansos de ambos os sexos posta numa situação de confinamento
estrito se observou que com o passar do tempo 30% dos gansos se tornava
homossexual.
O comportamento homo afetivo
(companheirismo entre o mesmo sexo) também foi observado na natureza em todo o
reino animal. Então, o comportamento estritamente homossexual tem características
genéticas, sociais e é encontrado na natureza. Não é uma doença, apesar de nas
suas causas ele poder ter variações. Se observou também que a taxa de
homossexualidade por população é extremamente baixa em ambientes rurais, mas
cresce muito, exponencialmente, em ambientes urbanos e nas grandes metrópoles.
Isso reforçou a percepção de que parte da população humana se transforma em
homossexual quando o ajuntamento de pessoas no entorno é grande. Os
homossexuais seriam como um regulador da procriação excessiva, por isso até
alguns movimentos americanos anunciavam que “Os homossexuais são os
anticoncepcionais de Deus”.
Essa é a “natureza da coisa”: o
comportamento bissexual masculino é o mais normal possível, o comportamento estrito
tanto hetero quanto homo é mais radical e estatisticamente de menor número. A
bissexualidade masculina só não é mais pública tendo em vista razões culturais
e a repressão. E, talvez essa bissexualidade (devido a facilidade de engravidar
multidões de mulheres) ela sim poderia ser o anticoncepcional de Deus. Mas,
infelizmente, tendo em vista a forma como a “cultura Gay” foi imposta de cima
pra baixo, até os gays debocham de bissexuais dizendo que são viados mal
assumidos. Ironicamente, na natureza do homem os bissexuais são os que têm mais
direito a reclamar seu status de normalidade, por serem maioria. Estas coisas
estudei e aprendi em torno de 1995.
Retomando... A Estruturação do
Curral das Zebras.
Os anos 90 foram muito ricos no que
tange às novidades para a população gay. Na formosa cidade de Campinas,
conhecida nacionalmente por ser a cidade dos viados eu e um namoradinho (durou duas semanas), nos
sentíamos incentivados pelos novos tempos e decidimos criar um Grupo Gay, foi o
primeiro da cidade, o Grupo Expressão. Não o fizemos sozinhos, nos juntamos a
cinco outros rapazes que já se reuniam periodicamente num “puxadinho” da
prefeitura de orientação para portadores de HIV. Meus pais morreram sem saber
que eu e ele tivemos foto e matéria de página inteira no caderno da Folha de São
Paulo para o interior; com direito a nome e sobrenome escrito na legenda da
foto e do texto, mais assumidos do que isso impossível.
A minha participação no Grupo não durou mais
de dois meses, o motivo foi que discordei da prática política que iria ser
adotada. Eles desejavam se orientar à maneira como os americanos faziam “inclusão
pela diferença”, a doutrina que ainda hoje é implementada. A minha idéia era
completamente inversa, “inclusão pela semelhança”. Nós não tínhamos nenhuma
diferença em relação a pessoas heterossexuais, dar o cu era a única. Não queríamos
roupas diferentes, nem saltos altos, nem desmunhecar, nem perucas coloridas.
Éramos rapazes absolutamente normais e a sociedade precisaria compreender a
nossa normalidade. É muito mais fácil aceitar pessoas “cys gênero” como iguais
do que pessoas “diferentes”. A política teria sido simples, uniforme calça e
camiseta do grupo, e faríamos visitas a orfanatos, escolas, passeatas, e contribuiríamos
com movimentos culturais na cidade. Era
só isso.
Entretanto, se decidiu pela inclusão pela
diferença e se buscou se afirmar socialmente e criar uma identidade que prezava
em dar ênfase às diferenças - mesmo quando essas diferenças eram produzidas,
adotadas dos movimentos americanos. Neste contexto - de coisas que não nos
pertenciam - o Grupo Expressão, através do Jornal O Babado, que teve circulação
nacional e para o qual escrevi também, foi um dos responsáveis por trazer ao
conhecimento do público campineiro o “Pajubá”, as palavras de origem africana
usadas no metiê: Acué, acuendar, bofe, mixê, neca, dum dum, etc. Nós nunca havíamos
falado essas coisas e nem conseguiríamos imagina-las. Esse vocabulário foi a
única coisa adotada da “cultura homossexual brasileira”, o pouco de cultura
gerada por aqui vinha dos lugares efetivamente marginais. De fora veio também o
hino “I Will Survive” cantado por Glória Gayno (prefiro com o Cake), mas
honestamente, os homossexuais do Brasil deveriam cantar “Telma, eu não sou gay”
do Ney Matogrosso, seria mais de acordo.
A adoção de comportamentos, modas e
ditames americanos não passavam pelo menor crivo. Simplesmente chegavam via
televisão ou através dos bares e boites gays. Em meados dos anos 90 se abriu
uma casa noturna em Campinas, chamada Fama, que desbancou a outra, a Sintonia.
Esta era um pouco mais aburguesada, inclusive em termos de localização, ficava
no nobre bairro do Cambuí. Tinha até mesa de sinuca, muito lindo o lugar. E a
moçada ia bonita e bem arrumada frequentar.
Um belo dia, chegamos eu e meus
amigos ao local e ao invés da recepcionista (sim, não era hostess), damos de
cara com um homem vestido de mulher, mas de forma bastante extravagante. E perguntamos
ingenuamente para o gerente que estava do lado apresentando a novidade “Que
porra é essa?!” “É uma Drag Queen!” disse ele sorrindo por causa do efeito. Mas
o que é uma dragqueen? É um gay? É travesti? É homem vestido de mulher? Bem,
gastou um tempão para explicar o inexplicável. Era mais uma novidade chegada do
exterior, mas que aportou antes em São Paulo. Parece louco, mas não sabíamos o
que era uma drag, e o conceito não foi fácil de absorver. E a razão é simples,
parecia um travesti e gays e travestis não se misturavam, e não se misturam.
Detalhe, não sei se era oficial na
casa, mas travestis eram proibidos de entrarem e se entrava um era por ter prometido
se comportar. Ainda assim, a presença de um travesti causava bastante mal estar
nos frequentadores. Nós estávamos buscando ser aceitos, buscando nosso caminho
na sociedade, mas estranhamente o travesti não fazia parte da mesma jornada,
segundo nossos critérios. E isso também precisa ficar entendido pelos leitores:
a marginalização de viados classe-média é diferente da marginalização sofrida
por travestis pobres que se prostituíam e tinham vindo das camadas mais sofridas
da sociedade. Ainda que não maltratássemos, não os acolhíamos de forma alguma,
muito pelo contrário. É importante não confundir travesti com o atual conceito
de transexuais. Daquilo que se sabia sobre eles a maior parte não queria trocar
de sexo, e cheguei a conhecer um que gostava de mulher e era casado. Claro,
questão de gênero era assunto tão inexistente quanto drag queen.
Isabelita dos Patins, famosa perfomer, cuja carreira coincide com essa história.
A cidade é muito menor que Sã Paulo,
como não sou campineiro, não sei como esta diferenciação ocorreu. No lugar já
existia antes da Sintonia e da Fama, a boate Double Face, ali era o espaço dos
travestis e dos mixês. Eu aprendi, indo ao local, que não existiam rapazes para
eu paquerar ali, pois todos pertenciam aos
travestis. Se eu me engraçasse com um deles, apanharia ou levaria uma “giletada”.
A Gilete era a famosa arma utilizada por eles contra homens violentos,
fregueses que não pagavam e policiais sem bom senso. E, sim, eles realmente
precisavam da gilete para se proteger, pois eram mortos com muita frequência.
A Double Face era o único espaço de
acolhimento para eles, e adoravam o lugar. Ali podiam fazer os shows, da mesma
forma como acontecia em São Paulo. Dublavam, faziam variedades, e existia a “traveca
Cômica” que falava textos engraçados. Na Double Face vi os primeiros rapazes
sem camisa em lugar público. E lá minha mãe pediu para ir embora quando num show
de “Stand up” o traveco fez piada com o Chico Xavier.
Naquele período uma balada gay não
tinha diferença nenhuma de casas heterossexuais. Por duas vezes levei minha mãe
para estes locais para que conhecesse meus amigos e onde eu ia com frequência,
para que não se preocupasse comigo. Claro, tínhamos de disfarça-la em lésbica
para que a moçadinha não se assustasse. Uma mãe numa boate gay era bem mais
desconfortável do que um travesti. Quando descobriam que era uma ali estava uns
saíam de perto constrangidos e outros vinham cumprimenta-la pela coragem; e
dizer que tinham inveja, pois as suas mães não compreendiam sua sexualidade.
Eram outros tempos.
Tempos que logo se transformariam.
Surgiram as grandes e imensas boites, até então eram espaços acanhados. Vinham
imitando o Clube das Mulheres americano, com homens dançando seminus. E às
vezes um momento de show com um strip-tease incompleto. Aos poucos os espaços
gays tornaram impossível levar uma mãe de adolescente para que se sentisse
tranquila. Pode parecer piada, mas houve um momento nessa história que gays
eram “rapazes de família” e assim se comportavam.
Enquanto isso, a meca - São Paulo - copiava descaradamente tudo o que Nova York fazia e na televisão - as nossas TVs pensam que só existem as cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro - ditavam as tendências, mostrando que “esculachar” era a regra, quanto pior melhor. E eis que no começo dos anos 2000 surgiu o Dark Room, era um quarto completamente escuro com uma cortina à guisa de porta e os e rapazes entravam e se “pegavam” no dizer de hoje. Ali acontecia de tudo, mas tudo mesmo.
Dark Roon, esse está bem iluminado |
Não foi de imediato, mas posso dizer com segurança que este cubículo detonou a paquera e o flerte nas boites. Pois, você já não tinha de conhecer e nem conquistar ninguém. Entrava no lugar e fazia o que bem entendia. Era comum que alguns rapazes ficassem próximos à porta do Dark Room esperando um bonitão entrar, aí o seguiam, para desespero dele. Dependendo da quantidade de gente dentro o lugar ficava morno, úmido e fedia. Sim, fedia. Os Dark Roons existem ainda hoje nas baladas gays, e particularmente, acho que seriam motivo pra vigilância sanitária fazer custosas autuações.
A instituição que demorou um pouco pra chegar no interior, pois tínhamos a versão não gay, foi a sauna. A sauna gay, para quem não conhece é uma espécie de Dark Roon com ducha e sauna seca e a vapor, e às vezes um bar. Quando estive na Suécia em 2008 fui informado por um amigo que os liberalíssimos suecos haviam fechado essas empresas todas. E as razões foram sanitárias. Já fui às saunas e irei novamente, mas precisamos concordar com uma coisa Dark Room e Sauna de pegação não deviam ser considerados “cultura Gay” e são sim casos para a vigilância sanitária. Pessoas ajoelhadas e fazendo sexo oral em dois ou três. Esperma caindo por ali mesmo, outro sendo sexualmente passivo a outro dali, outro pegando dois ao mesmo tempo, e tudo no escuro... É um lugar fantástico para toda sorte de doenças.
ilustração de sauna gay, até onde podemos mostrar |
Nem puteiro hetero é tão terrível
quanto uma sauna gay. Inclusive, conheci um “puteiro” gay em São Paulo, no qual
encontrei Karl Lagerfeld, que era fantástico. Mas são estabelecimentos
diferentes. A prostituição masculina carrega menos estigma do que a feminina. E
“puteiros” são limpos e organizados.
Aos poucos deixávamos de ser os heroicos
garotos da mamãe que estavam se assumindo e se encontrando, para sermos homens
adultos se enroscando numa cultura importada e malsã. Quando ajudei fundar o
Grupo Expressão eu achava que essas expressões de cultura marginal iriam
desaparecer quando fossemos melhor compreendidos e aceitos. Pois foi na
marginalidade e por causa dela que essa cultura nasceu, em não estando mais na
marginalidade eu não via razão para que isso fosse chamado de cultura. Nada
contra quem seguiu a inclusão pela diferença e acha que dark room, saunas, banheiro de rodoviária e parques públicos são “cultura
gay”. Sou um democrata, mas não apenas eu, mas muitos gay discordam da
manutenção da existência destas coisas. Poderiam dizer, “é só não frequentar!”,
então, um dia você namora alguém que frequenta e se expôs a toda sorte de
comportamentos tóxicos e abusivos, e doenças contagiosas. A promiscuidade é sim
um problema para o desenvolvimento de relações afetivas sadias e que permitam o
maior amadurecimento do homem. É contra a promiscuidade que estou falando desde
o começo deste texto.
Espero que estejam notando que aos
poucos o Curral das Zebras foi se formando e a revelia dos seus próprios
participantes. O Movimento Gay incentivou essas práticas, como sendo Cultura
Gay. Mas dá pra chamar de movimento, é tão pequeno e desconhecido por seu
próprio público - e distante do mesmo -, que ele se representa a si mesmo. A
única coisa que parte dele fez foi se apropriar de mais uma coisa americana, a
Parada Gay. Visando dar visibilidade. Deu certo, e virou um sucesso econômico
fenomenal, mas não um sucesso por direitos. A Parada era minha ultima esperança
de ocupar um espaço decente na sociedade, mas quando fui na minha primeira em
2007, desisti. A daquele ano foi a maior de todos os tempos, foram 4,6 milhões
de pessoas passando pela avenida Paulista.
Nem dá para descrever o que foi
aquilo. Como historiador eu só ficava espantado, pois não havia uma única faixa
pedindo direitos, pedindo casamento, pedindo saúde, pedindo creche pros
cachorros, não havia nada. Pior, não havia uma palavra de ordem sendo cantada.
E Foi uma grande decepção, pois se fossem 4,6 milhões de Sem Terra gastando 24
horas para passar pela Paulista, o governo caía. E nós estávamos ocupados
demais em nos fantasiar de Carmem Miranda para fazermos política de verdade. A Parada Gay de 2007
Sem desfazer da luta dos que engrossaram o Movimento Gay, pois lutaram muito - o problema é que eram a minoria da minoria -, quem realmente fez a inclusão dos gays no Brasil foi o Capitalismo. E nisso juntamos a Parada Gay. As empresas descobriram no final dos anos 80 o tamanho deste mercado, e começaram a abrir negócios destinados a seu público. Ainda estávamos distantes do gayfriendly, mas bem próximos do incentivo à liberdade de expressão sexual desejada por nós, e cooptada pelas empresas. As baladas se tornariam ainda mais os templos exclusivos para onde milhões de gays acorrem todo final de semana; praticamente o único playground de entretenimento. E depois do sábado nas baladas descansam nas saunas no domingo, saunas estas cada vez mais sofisticadas naquilo que têm a oferecer (garanto que não é limpeza).
Na cidade de São Paulo existiram e
existem locais que abrigam entre seis e dez mil pessoas. E é claro, são
dedicados à “Vida loca”. Parece que nós gays fomos destinados a viver uma
eterna adolescência, ela nunca termina. Enquanto qualquer pessoa tem direito a
descansar se casando e tendo filhos e fica só uns cinco ou dez anos nessa vida
de baladas, nós gays morremos nela.
The Week conhecida balada gay de São Paulo, fechou na pandeia pra ressurgir em seguida
Vocês imaginam o que é ter 60 anos e
precisar ter força e ânimo para ir ver os amigos na boite?! Não, né?! Com 60,
heteros, estão de chinelo e lendo um livro e felizes por que o pau não sobe
mais. O que ocorre é que nós gays terminamos por reunir as características masculinas
mais dispensáveis, hedonistas, viciados em sexo e machistas. Não é uma boa
conclusão afetiva. O ser humano precisa ter horizontes bem mais amplos e
diversos do que este. E se você for gay e estiver me criticando deve se
perguntar quanto dinheiro tem no bolso, pois os pobres - que são a maioria - só
têm isso para fazer. E sabemos que este país é o país das exceções para quem
tem dinheiro - e nem precisa ser muito.
Tem mais? Tem mais textos ainda, só
paro quando acabar.
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