Numa tarde calorenta, em 1980, na sala de casa, uma mãe zelosa esforçava-se por fazer seu papel. A cena estava posta da seguinte forma, os três passando pela sala como quem fosse para outro lugar, a menina mais velha de 16 anos, o menino de 12 e a Mãe com 34. Formavam um triângulo. “Luiz, a mãe quer falar com você!” disse ela chamando-lhe, e cada um parou exatamente onde se encontrava. A irmã já ria meio constrangida. Na verdade, segurava o riso para não gargalhar. A mulher, assumindo ares importantes, foi dizendo: “Bem, eu tenho de te explicar um negócio. É obrigação do teu pai, mas não dá para esperar por ele...” O garoto respirou fundo, ao ouvir a referência ao pai, sem saber ao certo o que viria, e concordou, “tá...”
A mulher buscou agir com normalidade, fingindo não estar constrangida,
continuou: “Você já está numa idade em que começa a virar homem...”
Instintivamente ele se preparou para o pior. “Na televisão diz que a gente deve
ensinar essas coisas... Mas eu não sei bem como falar...” “Ahann...” fez o
menino. A irmã estampava a superioridade no rosto, pois sabia o que iria ser
dito. As duas sempre conversavam “coisas de mulheres”.
“Então...” prosseguiu “Você vai notar que às vezes do seu pinto pode sair
um leitinho...” Menino congelado, pálido, branco, “tudo culpa do calor”
poderia-se dizer. Tudo ficou muito tenso. Ele mal aguentava esperar a mãe dizer
o que tinha a dizer; quando ela fazia seu maior esforço explicando “Tem de
tirar esse leitinho prá fora de vez em quando porque fica acumulado, e aí pra
tirar você...” “Eu já sei, mãe!” a interrompeu com alarde, aborrecido e
envergonhado.
“Já sabe?!” Retrucou a mulher, esquecendo o constrangimento, e esbravejou:
“Então não limpa na cueca!”
Enquanto a filha caiu na risada, ela saiu da sala para a cozinha sem
conseguir disfarçar o fato de que ria também. “Eu não precisava passar por
isso!” pensava o menino que não sabia onde se enfiar naquele momento.
Não parecia, mas aquele era um gesto
muito mais importante do que não deixar a cueca suja para ela lavar. Dizer isso
era só um jeito dela justificar o que parecia de outra forma injustificável. O
tempo passa e passa rápido. E vocês não imaginam como é libertador bater
punheta com recomendação materna.
Quarenta e um anos depois, estávamos novamente os três passando por uma
sala, agora a carraspana foi na menina mais velha, que antes sabia tudo. Do
alto dos setenta e cinco anos, minha mãe - ah, sim era minha mãe -, gritou: “Eu
não sei por que você tem medo de ficar sozinha! Abre as pernas e esfrega seu
braço com força lá - gesticulando - e não precisa mais de porcaria de homem
nenhum!” E saiu da sala completamente indignada, como se não tivéssemos
aprendido o óbvio.
Bem, desta vez eu sorri e minha irmã mais velha, pega de surpresa, ficou
constrangida, ou como se diria nos anos oitenta com “cara de veado que viu caxinguelê”. Entretanto, não dá para
dramatizar a forma como ela o disse, o tom de voz, os gestos. Parecia carregada
de uma longa indignação existencial. Para minha irmã a orientação era
desnecessária, pois deve tê-la recebido bem cedo em casa; mas nos admiramos da
maneira forte que veio. E hoje, lembrando-me do que dizer sobre a minha mãe no
seu aniversário, recordei que a cena que me marcou no começo da juventude se repetiu
com a minha irmã no fim da vida minha mãe; duas semanas depois - não mais que
isso - ela estava morta.
Todo mundo dirá: “Este tipo de
coisa não se fala da própria mãe”. Não, da sua não. Mas minha mãe era uma mulher
muito complexa. Tinha uma vontade enorme de acertar na educação dos filhos,
fazer as coisas corretas, e dobrar a vida ao seu desejo. Todo mundo pode dizer
coisas fofas da sua mãe, eu também poderia dizer coisas fofas da minha. Mas,
entenda, quando se tem uma mãe assim, temos a obrigação, o dever de fazer com
que sua memória e exemplo permaneçam. Precisamos ser melhores, pois nossa mãe
suplantou a si mesma, e a sua época, para ser maior.
Nunca escrevi nada sobre minha mãe na internet, nem um necrológio decente
eu fiz, porque a complexidade dela não permitia que simplesmente eu dissesse
“minha mãe nos amava muito e era como todas as mães...” ou alguma afirmação
besta do tipo: “Mãe só muda de endereço...” Só posso dizer que no seu endereço
a minha mãe não mora, e se morasse não sei se você saberia o que fazer com
isso. Ela era ariana, abridora de caminhos, verdadeira, direta, emocional,
lutadora e briguenta. Feliz aniversário mãe, onde você estiver. Sei que diria
sorrindo e meio constrangida: “Essas coisas não se fala...” e sendo modesta
completaria meio vermelha, “Ai, que vergonha você me fez passar...” Pois é, Mãezinha,
somos livres e libertadores! Fomos educados para ser assim.
Feliz Aniversário, Vitória Lúcia Buzon Vadico! Pois pessoas únicas
precisam ser chamadas pelo nome. Não importa que você tenha morrido, você nasce
sempre em nossas ações.
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