Nem posso mais dizer a minha idade
pois estou ficando datado. Depois de algumas décadas de existência, talvez por
experiência, estou ficando um pouco retrógrado. Nos anos 80 enquanto o poeta Vinícius
de Moraes e Toquinho tocavam violão em algum especial da Globo, a professora de
Literatura nos levava a ler um poema do mesmo autor que se tornara muito
popular naquele período “Soneto da Fidelidade” um belo texto. Ao final afirmava
relativamente ao amor “Que seja infinito enquanto dure”. De tal forma essa frase
se popularizou, atendendo a imperativos sociais, que acabou se transformando em
“que seja eterno enquanto dure”, bastante popular no que tange a relacionamentos
amorosos (e atualmente também quanto a empregos).
Nos início dos anos 80 um movimento
que vinha subterrâneo ao longo dos anos acabou por emergir, era, sobretudo, uma
necessidade social: o questionamento do casamento enquanto instituição - e principalmente,
o papel da mulher no mesmo. Na época o seriado Malu Mulher, protagonizado pela
atriz Regina Duarte e pelo então bonitão Regis Carvalho, trazia à tona estes
assuntos. Malu se tornava a mulher divorciada. O divórcio, na legislação, fazia
sua grande estreia nas praias brasileiras. Ainda não havia tido a redemocratização
e o Catolicismo era a religião oficial. Logo, o casamento era indissolúvel,
para o bem e para o mal. Os dois atores viviam os problemas de uma crise
conjugal, ou melhor, de uma crise relativa ao necessário divórcio. No que
respeita às relações afetivas quarenta anos depois estamos melhores em alguns
quesitos, mas grande parte disso não foi resolvido.
A questão social naquele instante
estava bem refletida no poema de Vinícius e na atuação do casal Regina e Régis.
No caso de Vinícius, olhar a relação como algo que fosse duradouro, mas que
durasse enquanto valesse a pena. No caso do seriado, pôr um limite na relação
quando não valeu a pena. Muito facilmente podemos notar que o sentimento
prevalente naquele período era o do “romântico”, “não deu certo” o
relacionamento poderia ser um desencontro amoroso. Ambos não eram príncipes e princesas como
achavam. A realidade distante das novelas é que o divórcio era necessário devido
se fazia a violência doméstica, o alcoolismo e a exploração das mulheres. Era
um período difícil no qual eu mesmo vi o último julgamento, o de Lindomar
Castilho, no qual se levantava a tese de “legítima defesa da honra”, pois ele
matara a mulher e o amante. Neste caso sempre é preferível o divórcio.
Já fui muito romântico. Passei anos
achando que iria achar a tampa da panela, a metade da laranja, etc. O resultado
é que descobri que não sei cozinhar e que não sou laranja, logo, continuo
sozinho. Não encontrei um casamento, mas formado nos anos 80, desde sempre
achei que as relações fossem fluídas e que logo ali na frente haveria outra
pessoa com quem estabelecer um relacionamento. De tanto ver relações acabarem,
e novas começarem, minhas e de outras pessoas, aos poucos mudei de idéia.
Primeiro não quero mais ninguém, segundo, agora acredito que se um jovem deseja
um relacionamento, um casamento, que seja “para sempre”. Entretanto, sou
favorável ao casamento duradouro e que termine na morte. É esse sentimento de eternidade
que deve prevalecer. E este fato surpreendeu um amigo numa conversa recente,
onde ele - empolgado com um novo relacionamento, foi logo tascando: “Que seja
eterno enquanto dure...”
Eu o questionei. Afinal, por que
devemos começar um relacionamento achando que ele irá terminar? Isto não é
plantar a semente do fim desde o primeiro momento? Quando lemos o poema do
Vinícius de Moraes, não é um jovem escrevendo sobre o futuro, trata-se de um
adulto já na terceira idade que se não chega a lamentar o passado, sabe que as
coisas não rolam como achamos que rolarão no que respeita aos relacionamentos.
Então, por que usar este tipo de argumento para matar o relacionamento logo no
início?
Talvez, (senta, que lá vem a
estória) o problema esteja no pressuposto do que deve ser um casamento. Talvez
as dificuldades estejam na grande pressão romântica que se faz em torno disso.
Nós conseguimos nos livrar da pressão Católica para que ficássemos casados -
doesse a quem doesse - até a morte, mas não conseguimos escapar do romantismo
do século XIX. Nele, encontrávamos o grande amor que realizaria todas as nossas
taras e morreria ao nosso lado, ou o mataríamos por isso. Será que o amor
(sempre posto como paixão) é um bom motivo para as pessoas se casarem? E, como
bem previu o poeta, se o amor (atração) não é eterno, como este pode ser usado
para dar “cola” num relacionamento?
Sou um cara esquisito, gosto de
olhar os relacionamentos do fim para o começo. Quanto mais eu vejo um casamento
duradouro, menos encontro nele os requisitos exigidos nos anos 80 para que ele
desse certo. Os casais que pareciam ter algum juízo não se separaram por “dá cá
aquela palha”; afinal, o divórcio leva a uma debacle econômica. Tanto homem,
como mulher têm suas vidas emocionais e profissionais arrasadas quando o
matrimônio acaba. Também não vi nestes casais as peripécias sexuais que tanto
se apregoavam - e apregoam ainda hoje. Também não vi relações violentas entre
eles. O que não quer dizer que não houvesse discordâncias e problemas. O que
mais vi nestes casais duradouros é que havia uma decisão inicial - e que se
reafirmou ao longo dos anos -, será eterno. Não irei deixa-lo, não irei deixa-la.
Uma decisão compartilhada. Um sóbrio companheirismo de quem compreende uma
sociedade, econômica, emocional e espiritual. Ou como diriam alguns pecadores,
um consórcio.
Claro está, que não foi apenas uma
questão de sorte a durabilidade destes relacionamentos. Havia muita consciência
envolvida na hora de escolher um parceiro ou parceira para a vida inteira - e
sobretudo, a disposição de não ir embora quando os problemas aparecessem. Havia
entre os dois uma busca pela maturidade, por se tornarem adultos e se tratarem
como adultos e se manterem como adultos. Havia uma busca por algo inefável que
só quem está de fora vê, a maturidade.
A
maturidade é uma conquista. Ás vezes me questiono por não ter tido filhos, pois
imagino que um homem completo se torna melhor quando tem a possibilidade de
amadurecer emocionalmente dando experiência e afeto gratuitos e se vendo
crescer nos filhos. Tudo bem, alguém deveria ser um mártir solitário da
literatura e aqui estou eu fazendo este papel, mais ou menos ridículo. Também
me questiono à respeito da maturidade humana que eu poderia ter alcançado se
tivesse conseguido estabelecer um laço profundo com outro ser humano. Mas meus
questionamentos não devem te deixar triste pois tem gente que casa e tem uma penca
de filhos e não serve pra nada, então, estamos quites. Voltando à “vaca fria”.
O que enrolei até aqui para dizer é que relacionamentos (casamentos) são uma
questão de investimento.
Pensa em um grande e altíssimo valor
que você conseguiu juntar e colocar a juros e correção monetária. Colocou a
prazo fixo no banco e só retira os dividendos (ou nem isso), isto é um bom
casamento. Você pode xingar a vontade o gerente,
implorar pelo dinheiro, dizer que ele é seu, que não é do banco, e ele te
informa - frio como uma laje de cemitério - que só pode sacar o dinheiro quando
o prazo esgotar. Aí você vai pra casa tem uma crise e dá um jeito de resolver os
problemas sem sacar o dinheiro. Quando chega à época de sacá-lo, os problemas
já se resolveram, e o casal decide colocar novamente a prazo fixo, pois é o
melhor investimento. De forma muito grosseira e resumida, assim é o bom
casamento. Os dois olham o lucro à distância e suportam pequenas e grandes
dificuldades até que este lucro chegue. Ora, o maior lucro de um casamento
duradouro é o companheirismo, a história que se construiu juntos, o afeto
acumulado, as lembranças, as conquistas e os fracassos. Tudo fica mais ameno e
abrandado quando você tiver o velhinho do seu lado ou a velhinha.
Outro dia um conhecido, que deu pitáco
na minha conversa com “Lady Crawley” minha sempre querida amiga do Chá, disse
que isto não era motivo para as pessoas ficarem juntas. Disse um tanto quanto
contrariado, e eu, meio que o sentenciando à vida, fui logo dizendo, você não
será jovem para sempre (ele já não é jovem rs). Logo não terá disposição e força
para sair a noite em busca de alguém. Não terá também atrativos reais para
conquistar outra pessoa. E a solidão na velhice é bastante difícil. Ainda mais
se os filhos forem ingratos, se você for pobre. Mas não é apenas uma questão
utilitária - ela é muito importante sim -, é uma questão afetiva. Quando você
olhar para quem esteve do seu lado a vida inteira, você saberá sobre a vida
tudo o que tem a saber. Saberá que você é alguém, que foi importante para um
alguém. Isto hoje não lhe parece algo importante, mas virá um dia - e virá
depressa -, onde você se questionará
sobre o que fez da sua vida. Olhará para trás e verá um colar despedaçado, um
monte de contas soltas, relacionamentos nos quais entrou para sair. Um colar
que não se fechou, todo arrebentado e do qual sobrou apenas você. Seus amigos
foram embora - quando você mesmo não foi - e não sobrou quase ninguém. Você
olhará à sua volta e não reconhecerá mais o mundo em que vive, nem as pessoas,
e nem o que elas são ou fazem, e terá sorte de ser aposentado pelo INSS e não
passar fome. Sim, a vida pode ser bastante amarga, mas será muito menos se você
tiver conquistado a maturidade e ter estado ao lado de alguém durante um logo
tempo.
Fechar os olhos desta pessoa na hora
da morte poderá ser a maior dor de toda a sua existência, pois ela levará para
o túmulo todos os seus investimentos. O consolo é que você terá as lembranças,
os afetos e as conquistas e a certeza de que você foi uma pessoa digna e que -
ao menos - conseguiu amar alguém. Amar não é um monte de palavras fáceis que
vêm à boca. Amar é o grão de areia de todos os dias, é lutar contra o vento que
deseja leva-los embora, e chegar a uma montanha de altura bastante boa no cimo
da qual você poderá dizer que vê o mundo melhor. Claro está que, em dois terços
do tempo decorrido de união, vocês não transaram mais. E que talvez ambos
tenham se divertido um pouco às escondidas, ou que não se incomodaram com este
assunto. Claro está que nem todos os dias tinham algo para conversar. Mas aqui,
chegamos a outra frase que acabou por se tornar mais constante na minha vida do
que aquele verso do poema de Vinícius de Moraes, “na hora de casar escolha alguém
com quem você goste de conversar, pois é o que você mais fará na vida!”
Acho essa frase bárbara, pois não
diz “escolha quem tem assunto...” não, diz “Escolha alguém com quem você goste
de conversar...” Tem gente com quem não temos nenhum assunto importante, mas
com quem conversamos horas e horas, e a sua simples presença nos faz bem. Essa cumplicidade
de quem dialoga e ouve, e ouve, e ouve e fala, e fala, e ouve de novo, que faz
o tempo passar sem que percebamos realmente. Mas para isso também é preciso que
você esteja preocupado em ter paz interna, e dar paz para seu companheiro ou
companheira, e estar em paz. E que para tanto, resolva as coisas com suavidade
e constância. Paz e paciência. Ter uma boa companhia ao longo da vida e na
velhice não é sorte, é conquista. É uma conquista diária. Mas ela não começa se
de imediato dizemos “Que seja eterno enquanto dure...” Não, isso decreta o fim.
Por que nos armamos de Vinicius ao
iniciarmos um relacionamento? Ele já estava lidando com as suas próprias frustrações
quando o escreveu. Mas só pôde escrevê-lo porque acreditou na eternidade do
amor. Ora, porque temos medo. Medo de nos frustrarmos, medo de sermos
abandonados - o que é fatal na atualidade. Entretanto, nada mais infantil do
que este medo. Ninguém quer se frustrar e nem causar frustração quando deseja
um amor, então as relações precisam ser melhor pensadas.
O casamento não precisa ser eterno,
mas tem de ser assumido como se fosse.
Eu sei, você está dizendo
entredentes, “muita cara de pau desse viado mal amado e solteiro, vir aqui nos
dizer o que é casamento e como ficar casados...” É, eu sei, muita cara de pau.
Mas diz aí. Como você acha que deve ser? Claro, com a exigência de explicar como
ter afeto ao longo da vida.
P.S. Vivo só, gosto de estar só e
sou insuportável kkkkkkkkk.
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