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O Natal de Brad Pitt



O futuro da nossa personagem - Brad Pitt


Brad Pitt, seu nome era Brad Pitt. Menino de cabelos loiros espetados, parecendo de palha. Escutou no corredor a conversa da irmã Das Dores com a irmã Dirce. O Natal deste ano seria diferente. Irmã Dirce, por detrás dos seus grossos óculos de aros pretos, sugerira que o Papai Noel viesse de madrugada ao orfanato Santa Luzia. Assim as crianças seriam surpreendidas, como quando ela fora uma menininha. A idéia foi aceita, estranhamente sem nenhuma discussão. Sem que notassem, o menino magrinho, branco de olhos imensos e azuis, catou a frase no ar e sem demora foi avisar aos outros. Do alto dos seus oito anos, Brad Pitt era um dos mais ativos dali. Colaram-lhe alguns rótulos típicos, hiperativo, déficit de atenção, endiabrado, etc. Já haviam concordado entre si que na vida ele só seria loiro. Fôra irmã Assunção, uma amante de Cinema, quem lhe dera o apelido. Assim como aos outros meninos. “É para eles se sentirem importantes!” Dizia.

Ele atravessou os diversos corredores, extasiado com a novidade.  Foi correndo contar pro Cadelão, esta era a corruptela de Alain Delon. As crianças rapidinho mudaram o nome que ele havia ganhado. Cadelão já tinha treze anos. Era branco, moreno, magro, de cabelos lisos e penteados de forma parecida à do astro francês, com quem realmente guardava alguma semelhança. Entretanto, diferentemente deste, tinha olhos negros, raros olhos negros. Um rapazinho bonito, com o semblante marcado pelo traço da revolta. Encontrou-o no dormitório, sentado num beliche. Junto dele um menino muito franzino, cabelos castanhos encaracolados, olhos vivos e lábios muito vermelhos, o Pipoca.

Ele já tinha uns onze anos, a irmã o havia chamado inicialmente de Klint Eastwood, como ela sempre encontrava alguém “comendo” ele em algum canto, chamou-o de Pipoca, pois no cinema todo mundo gosta de comer pipoca. O pipoquinha era meio dado também, talvez por carência, ou tristeza, estava sempre se abraçando em algum menino. Ninguém sabia quem o vitimara primeiro, mas se notou que a luta era insana, só o transferindo de orfanato para melhorar. E não sabiam se isso iria ajudar. Então, Pipoca dava seus pulos. Tanto colaram os apelidos que quase ninguém se lembrava dos seus nomes. Talvez estivessem escritos numa ficha trancada dentro de um armário de aço no escritório. Talvez, fossem assim desde sempre, astros que brilhavam sozinhos no céu do orfanato.

“Papai Noel vai vim de madrugada!” resfolegava Brad Pitt quase sem conseguir falar depois da correria. “Calma!” pediu Cadelão, “explica direito!” Enquanto ouviam atentos, McGiver, o sardentinho ruivo, se aproximava para saber o que havia. Sim, nem só o cinema era ocupação de irmã Assunção. E o nosso McGiver era um pouco parecido com aquele. Aos treze anos já conhecia umas coisas de eletricidade, encanamento e marcenaria. Um faz tudo vocacionado.

“Manêro!” comentou Cadelão, fingindo gostar da novidade. Ele até mesmo sorriu, coisa difícil naquele rosto. Já tinha idade suficiente para saber algumas coisas, inclusive sobre a existência do Papai Noel. Mas não tirava a alegria dos outros meninos, pois tinham muito pouco para festejar e sorrir. “O que será que ele vai trazer desta vez?!”

- Eu pedi um celular! – tascou Brad

- E eu pedi um vídeo game! – foi logo afirmando o Pipoca.

- Mas qual – achegou-se McGiver -, será tudo carrinho, bola de plástico e boneca! – afirmou azedo.

- Não será, não! – retrucou Cadelão. Desta vez o Papai Noel trará tudo o que vocês pediram!

- Para que mentir pra eles?! – questionou o ruivinho.

- Fica quieto, McGiver! – mandou. Não tá feliz não estraga o prazer dos outros!

E de longe, do fim do grande quarto que abrigava uns vinte beliches, veio caminhando todo seguro, como se já fosse um adulto, Will Smith. De cima dos seus onze anos de idade, sorriu como se soubesse de tudo e foi logo segredando: “Eu pedi um pai e uma mãe! – e antes que alguém dissesse algo, completou: “Eles me darão tudo o que eu quiser!”. “Você é muito ‘espertão’, Will!” ironizou McGiver; “Pai e mãe não tem na promoção! Vai ter de que se contentar com um casal gay!” E Will, sem se deixar abater, respondeu: “Não tem problema! Além de me dar tudo o que quero, ainda vão me dar de marca!! Só grife!!” E deu uma gostosa gargalhada.

“Eu só quero beijo e abraço...” Pipoca murmurou tímido, se alguém o ouviu ignorou.

- Precisa avisar o Stallone depois que ele acordar! – comentou Cadelão. Se não pode dar merda esse negócio!

- Xiii! É verdade! – concordou Brad Pitt, e emendou: Deixa comigo!

- Brad, não vai esquecer! – recomendou McGiver. Se ele encontra um Papai Noel no corredor a noite, ai, ai, ai...

A preocupação era justa, nem as irmãs haviam se lembrado disso. Stallone já tinha dezesseis anos e era o maior deles. O corpo era bem avantajado, mas havia ficado com alguma lesão na cabeça depois que caíra da sacada do segundo andar. Às vezes não entendia bem o que estava acontecendo. Parecia que ficara violento na mesma proporção em que ficara “lerdo”. E por uma estranha razão, não tinha muito sono a noite. Ficava caminhando pelos corredores de madrugada, parecendo um vigia, ou uma assombração. Já pusera um ladrão pra correr uma vez. Ainda assim, não era um herói, pois as crianças tinham medo dele, era muito instável. Para bater em alguém bastava se sentir posto de lado.

Ainda faltava avisar os trigêmeos Tom Cruise, Tom Hanks e Tom Hardy, tinham testas e caras de carneiro e corriam feito o diabo pelo lugar todo. E sempre estavam pensando em uma arte diferente. A irmã Assunção pensou em chamá-los Demian 1, 2 e 3, por causa do filme A Profecia, dos anos 80. Entretanto, se conteve em nome da bondade cristã. Ainda que tivessem apenas doze anos eles estavam convencidos que não seriam adotados jamais. Adotar um é difícil, mas três?! Era o que achavam. Então, aquele prédio secular, com cara de mosteiro passou a ser não o seu lar, mas uma plataforma de testes para malvadezas. A Madre Teresa, superiora do lugar, não gostava muito que se apelidasse as crianças, mas fez uma exceção para estes. Chamava-os às escondidas de “três tons de cinza”, perverso, cruel e malvado. Não se deixem enganar, elas eram só amor com as crianças. Estavam sempre procurando a melhor forma de fazê-las felizes, e ainda como tantas boas mães o fazem, perdiam a paciência e a santidade diante de uma rotina cheia de aventuras.


            ***

            Faltavam ainda dois dias para o Natal. Evandro, contente, desligou o telefone. Enfim, fora contratado. Parecia que os investimentos valeram a pena. Quase doze meses deixando a barba crescer e cultivando-a carinhosamente. Desde o último ano decidira trabalhar como Papai Noel. Chegara mesmo a fazer um curso. Aos sessenta e dois anos sua barba ainda não estava branca de verdade, resolveria o problema com talco. De onde estava já foi gritando para a mulher: “Graça, me contrataram!”

            - Não acredito! Sério mesmo?! – retrucou.

            - Eu te disse que era um bom momento! – afirmou Evandro, esperançoso. Enquanto sua esposa, já cinquentona, recheada de formosura, e sobrecarregada pelas faxinas, não conseguia ser muito positiva:

            - Lindão, faltam dois dias para o Natal, talvez menos, e só um lugar te chamou até agora!

            - Mas, chamarão! Chamarão! Pode acreditar! – e otimista, completou: O mundo está mudando! E você não sabe da melhor parte: eu vou chegar a tempo pra almoçar com a família!

            - Esta notícia é realmente boa. Não gosto da família separada. Se bem que aqui sobrou só nós dois, mas a Berenice, a Rita e a Cleusa virão. E trarão as crianças! – e sorrindo cheia de bonomia completou: Será um dia infernal! Saudade dos meus netos!

            - Ainda não dará para comprar um peru... – lamentou-se

            - E desde quando nós comemos peru?! – Fez-se de rogada.

            - Há uma primeira vez para tudo!

            Eram negros, e sua casinha simples, de fundos, alugada, escondia muita dor e pobreza. Isso não impedia que dali brotasse emoções sinceras e verdadeiras. Criaram as três filhas entre muitas dificuldades. Nenhuma era médica, nem advogada, nem empresária, mas todas eram amadas. Quase quarenta anos de união e o casal ainda mantinha sua promessa nupcial “vai faltar tudo, menos amor!”

            Na noite combinada, 24 de dezembro, Evandro saiu à rua vestido de Papai Noel. Odiava dar o braço a torcer para a mulher, porém Graça estava certa, só aquele trabalho apareceu. Levava um saco vermelho nas costas com um monte de pequenos presentes, que lhe haviam sido entregues no dia anterior. Tomou um ônibus e enquanto ouvia as conversas ruidosas, e a queima de fogos que espocavam pelas ruas, percebia alguns olhares de esguelha para si. Fez o que costumava fazer quando se sentia constrangido, olhou para o chão e manteve-se digno, ainda que se sentindo um pouco diminuído em sua posição, um tanto quanto vexatória, de Papai Noel. Quase duas horas depois de ônibus, metrô e uma breve caminhada, chegou ao seu destino.

            No alto do portal uma placa de madeira antiga, pendurada por correntes informava: Orfanato Santa Luzia. E, na lateral do grande muro, vinham os dizeres: Instituto Assistencial Santa Luzia. Reeducação e abrigo de menores. A rua era mal iluminada. O prédio, com um recuo grande do passeio público, parecia um mosteiro do século XVIII. Uma luzinha aqui e outra acolá impediam aquele lugar de mergulhar em trevas. O barulho dos fogos distantes reverberava, mas já havia passado em muito a meia-noite. Cumprimentou o guarda, numa guarita na entrada, e logo lhe entregou a carta de informação que a empresa dera. O sujeito olhou-o de alto a baixo desconfiado e comentou entredentes: “É cada idéia de jerico...” E foi informando, a contragosto: “Tá vendo aquela escada lá? Você vai subir por ela e entrar na Janela do segundo andar!”

            Evandro estranhou, ao que o guarda explicou: “Você vai entrar de mansinho, sem fazer barulho. Senão acorda as crianças e estraga a surpresa! Depois de entrar desce as escadas até o primeiro andar e lá põe os presentes embaixo da árvore de Natal. Então, você dá um jeito de fazer barulho e quando as crianças acordarem finge que é o papai Noel e foi pego de surpresa! Aí é só fazer a festa com a criançada. Depois você coloca todo mundo na cama!”

            - Obrigado! – agradeceu Evandro – Nem precisava explicar a irmã Dirce me ligou e explicou tudo direitinho!

            - Por que não falou logo, “Mané!” – azedou o guarda. “Vai lá!”

            Até aquele momento Evandro estava de bom espírito, porém caminhando devagar em direção ao prédio escuro e triste, o coração lhe pesou. Nenhuma luz, nenhum som, só o silêncio enquanto o resto da cidade celebrava o Natal “Que tristeza, meu Deus” murmurou.


***

            - Ele morreu! Ele morreu! – Brad Pitt tentava cochichar e gritar ao mesmo tempo. Numa disparada tinha ido ao dormitório e já voltava seguido de perto pelos outros meninos. “Ele quem morreu?!” Perguntava Alain Delon, agora com todos ali, via o Papai Noel estatelado no chão em meio à escuridão. Densa penumbra caía por todo lado. Por um segundo houve silêncio entre eles. Ouvia-se apenas a quase asmática respiração ofegante de Brad Pitt. “Como foi isso?”

            - Não sei! – foi respondendo. Eu estava sentado lá no alto, no terceiro degrau da escada. – disse apontando -, e de repente senti um ventinho passando e ele rolou a escada! Bateu nuns três lugares diferentes! Vocês não escutaram o barulho?!

            - Não escutamos nada! – falou McGiver, concluindo: então ele tropeçou em você e caiu...

            - Não! – defendeu-se – Não tropeçou em mim! Foi como eu disse. Tava sentado lá em cima, e só senti quando ele caiu!

            - Tropeçou, sim! – reafirmou o outro.

            - Não! Não! – se desesperou o menino, com medo de que o culpassem de alguma coisa.

            - Cala a boca, McGiver! – mandou Cadelão. E abaixou-se para ver se o homem ainda respirava: “Está vivo!” Passou a mão pelos cabelos, num gesto muito característico seu, como se estivesse pensando em que fazer, e comentou: “Deve ser o Papai Noel que as irmãs disseram que vinha... Brad, você avisou o Stalone?”

            Ele deu uma coçada vigorosa nos cabelos cor de palha bagunçando-os ainda mais, e gaguejou:

- Não, eu esqueci...

- Então foi ele! – acusou novamente McGiver.

- Não foi! – defendeu-o.

- Claro que foi! Você disse que não viu! – esbravejou e lhe deu um tapinha na cabeça.

- Eu não vi, você também não viu! Nem estava aqui! – gritou Brad.

Os três Tons chegaram junto deles iluminando a cena com uma lanterna. O papai Noel de bruços no chão e o saco de presente próximo ao corpo, mais adiante a árvore de Natal escondia-se na penumbra. Ao mesmo tempo em que iluminavam tudo à sua volta ficava ainda mais escuro. Os rostos dos meninos mal podiam ser vistos:

- Ninguém viu o Stalone? – questionou Tom Hanks, entendendo tudo o que acontecera apenas numa olhada. A pergunta ficou sem resposta, apenas um aceno negativo que não poderia ser visto. “Vamos virar esse cara!”, mandou. Os dois Tons abaixaram-se, e se esforçaram, mas não tinham força suficiente e Cadelão os ajudou. Assim que conseguiram o feito, um assombro se abateu sobre os menores: “Ele é preto!”

- Esse cara não é o Papai Noel! - afirmou Will Smith, cheio de certeza.

- Claro que é?! Como não?! – admirou-se o Pipoca. Tá vestido igualzinho ele!

E munido da sua triste verdade cotidiana, Will reafirmou: “Não existe Papai Noel preto!”

- Existe Papai Noel de todas as cores! – discordou pipoquinha, cheio de esperança.

- Não existe! – esclareceu Wil Smith. Eu vi na TV que o Papai Noel se chama Santa Klaus, e nasceu bem no norte onde só tem loiro que nem o Brad Pitt.

- Não é verdade! – Pipoca recusou-se a acreditar.

Sem saber bem o que fazer, Cadelão teve uma idéia: “Isso é fácil de descobrir. Vamos olhar o saco, se ele trouxe os nossos presentes é o Papai Noe1! Caso contrário é um ladrão!”

Tom Hanks abriu o saco e foi jogando pra fora um por um dos presentes, enquanto iluminava com a lanterna: “Bola, carrinho, jogo de xadrez, boneca, cachorrinho de pelúcia, outra bola...” “Então” fez Cadelão, “foi como eu disse, é o Papai Noel!”. McGiver sorriu e comentou venenosamente: “Não é não! Os nossos presentes eram outros. Cadê os celulares? Os vídeo–games?” Alain Delon, fuzilou-o com o olhar, de nada adiantou.

Em instantes, Tom Cruise, sem que ninguém lhe pedisse voltou à cena com um lençol. Ainda mais rápido do que o buscara fizeram-no em tiras. Enquanto Cadelão pego de surpresa perguntava: “O que vão fazer?” “Ué, - respondeu Tom Hardy – estamos amarrando ele. Não sabemos quem é!” “Parem de loucura! – pediu o outro – É claro que sabemos quem é. As irmãs o mandaram vir aqui e fingir que era Papai Noel!”

- Não, você pensa que sabe! Nós não estávamos sabendo de nada. Vocês estão contando a estória que o ‘Brad Pitt disse’ que viria um Papai Noel. Mas as irmãs não avisaram nada. O Brad também não sabe o que aconteceu com o cara! – e completou com um estranho bom senso: Vocês acham que as freiras iriam contratar um homem adulto pra entrar de madrugada num orfanato onde só tem criança?! Tá na cara que era lorota do Brad Pitt!

- E como você explica esse homem, aí? – perguntou McGiver.

- É uma coincidência. Esse cara deve ser um ladrão ou coisa pior...

- Um petrófilo! – afirmou o pipoquinha, cheio de assombro.

- Petrófilo não! Seu burro! – corrigiu Will Smith: “Pedófilo!”

“E o que é isso, Pipoca?”, questionou o ruivo.  E, entre revoltado e assustado, ele respondeu: “É um homem que enfia um pinto bem grande no seu cú! E você pede pra ele parar e não pára! E diz que vai te bater! E ele te machuca e ninguém liga!”

Pesado silêncio caiu sobre eles. O que inicialmente parecia certo, agora era uma incerteza. Apesar do carinho e esforço das freiras, viviam entre incertezas, ameaças e medos quer fossem imaginados ou não. Ali, sozinhos no escuro, nenhum deles teve a idéia de chamar o guarda ou ir até a casa das freiras pedir ajuda ou informar o que estava acontecendo. Era o medo. O medo de cada um se entrelaçando ao medo de todos os outros e formando uma teia que aos poucos os ia envolvendo.

Colocaram-no sentado no segundo degrau da escada com muito esforço, e o amarraram fortemente. E amordaçaram para que não gritasse. Brad Pitty, ainda assustado, aproximou-se e segurou a barba com as duas mãos “Parece de verdade..” cheirou as mãos e concluiu: “cheiro de talco... essa barba é falsa!” e aí a puxou sem dó e nem piedade, tentando arrancá-la. Nisso, o homem recobrou-se e gritou de dor, a mordaça abafava o som. Brad Pitt recuou assustado, em seguida sorriu como quem estivesse feliz com o que havia feito. Enquanto um desfile de frases cujos donos se revezavam em meio às sombras se emaranhava pelo ar: “A barba é de verdade...” “... ele é Papai Noel...” “Não sei, só perguntando pra ele...” “Uia, Papai Noel é preto!” “Bobagem, não existe!”

Cadelão aproximou-se, baixou a mordaça, e perguntou logo: “Quem é você?” Evandro estava confuso sem saber o que ocorria. Via apenas crianças à volta. Tinha uma missão a cumprir, era seu novo emprego. Esperara doze meses por isso. Não importava que a coisa parecia ter dado errado. Não queria desiludi-los, e esforçando-se, com uma voz rouca e mansa, afirmou sem muita convicção: “Eu sou o Papai Noel!” E forçou uma risada natalina: “Ho! Ho! Ho!” Cadelão balançou a cabeça desanimado, sentindo que tudo estava para sair do controle. Buscou esclarecer a situação e disse em tom de ameaça: “Moço, fala sério. Quem é você?” E obteve novamente a mesma resposta, seguida da gargalhada. Era de enregelar a alma. O sincero esforço do contratado parecia-lhes uma risada macabra. “Cuidado, Cadelão, ele está mentindo!” alertou McGiver. “É claro que está mentindo!” gritou. “Não estou mentindo – afirmou Evandro – eu sou o Papai Noel!”

- Ah, é?! – ironizou Tom Hardy – Então, me explica, por que você só leva presente bom pras crianças ricas? Cansei de pedir um patinete e você nunca trouxe!

- E eu pedi pra ser adotado sozinho... – afirmou Tom Cruise. E os outros dois o olharam espantados.

- Cadê os pais que eu pedi?! – emendou afobado Will Smith.

- Minha caixa de ferramentas também não apareceu, Sr. Noel! – comentou azedo McGiver.

E antes que todos colocassem suas queixas, Evandro tentou explicar o inexplicável:

- Vocês precisam entender, eu não consigo dar presentes bons pra todo mundo...

- E então só dá para os ricos! Você faz questão de agradar os ricos! Mas pra gente, não dá nada e nem aparece! – esbravejou Pipoca.

- Me desamarrem – pediu Evandro -, já dou pra vocês os presentes que eu trouxe!

Tentando retomar o controle da situação, Alain Delon informou o homem: “Já vimos os presentes! Um monte de porcaria!”

Ainda sem se dar conta da situação, Evandro sorriu e foi afiançando:

- Os presentes estão ainda no meu trenó. Deixei estacionado no telhado! Me soltem, irei lá buscá-los!

Tomado pela fúria, McGiver lhe deu um tapa na cara: “Pára de contar mentira!”

- Pelo amor de Deus, menino! Eu não estou mentindo! – implorou Evandro.

- Tem um jeito de ele contar a verdade! – falou Tom Cruise. Fez sinal para os dois tons e McGiver seguirem-no no corredor escuro. Deixou a lanterna ali para que Cadelão controlasse a situação.

Evandro, sentindo que estava mais seguro, pediu: “Por favor, me desamarre para eu poder ir embora!” Ao que Cadelão questionou novamente: “Então você não é o Papai Noel?!” Evandro, sabendo que era um rapazote, redarguiu: “O que você acha?!” “Eu estou começando a achar que os outros têm razão! Até agora para mim você é um mentiroso!” “Menino, não é nada disso! Estou aqui trabalhando! Não sei quem me derrubou da escada!” E completou: “Nada disso teria acontecido se eu não tivesse caído! Vá chamar as freiras!” “Eu vou chamar a polícia, isso sim!” – ameaçou Alain Delon. “Por favor, a polícia não.” Pediu Evandro, imaginando o que ocorria quando papais noéis negros são pegos num ‘suposto flagrante’ fazendo um serviço em meio à madrugada: “Menino, eu tenho família! Preciso voltar pra casa...”

Entretanto, parecia que Evandro havia errado as palavras chave que o libertariam e só conseguiu liberar a raiva e mágoa de Cadelão que até aquele momento ele tentava controlar:

- É sempre assim! Pessoas como você que têm família, casa e tudo do bom e melhor, acham que podem vir aqui brincar com a vida da gente! – e com voz firme, já puxando os cabelos do homem e chacoalhando-o, praticamente gritou: “Não pode, ouviu?! Você está ouvindo?! Não pode!”

- Por favor, me solte! Senão “vai dar ruim...”

- Solta ele, Cadelão... – pediu súplice o Pipoca, deixando uma lagrimazinha escorrer. Alain abraçou com carinho o pequeno, como se fosse um irmão, e argumentou: Quando te pegam, metem em você, te machucam e você pede pra te soltarem, eles te soltam?!

- Não... – murmurou como se fosse sumir.

- Então, aqui é a mesma coisa... A diferença é que ele merece sofrer...

Ouvindo isso, Evandro se apavorou: “Não mereço sofrer, não! Sou inocente! Nunca fiz nada de errado! Me solta moleque dos infernos!”

- Ouviu a verdade, Pipoca?! – e repetiu entredentes: “moleque dos infernos...”

O menino se calou, murchou e se agachou num cantinho, entre assustado, decepcionado e aturdido. Ficou pensando como poderia ajudar, ao mesmo tempo não reconhecia o amigo de quem tanto gostava.

Do corredor escuro os quatro voltaram brotando das sombras. Tom Hanks, num sorriso maligno foi mostrando o que traziam: “Olha só, o que temos! Álcool, ácido muriático para limpeza, pregos e martelo, fósforos e até veneno de rato!”

-Não, não! – gritou Evandro – Você ficou louco moleque! Pelo amor de Deus, não faça nada comigo!

- Eu não vou fazer nada – respondeu Tom Hanks – sou bom moço, mas o Tom Hardy fará!

Nem foi preciso que alguém pedisse, Cadelão prontamente voltou a amordaçá-lo, impedindo os gritos. A questão não parecia mais ser quem ele era, ou o que viera fazer ali. Agora eles pareciam estar com raiva, muita raiva, um sentimento acumulado ao longo de dias e anos. Brad Pitt subiu uns oito degraus da escadaria e lá de cima conseguiu uma vista privilegiada. McGiver e Tom Cruise se revezaram dando socos e pontapés no homem, que soltava gemidos surdos. Enquanto Alain Delon e Tom Hardy abriam os produtos químicos, Tom Hanks mandava cheio de fúria: “Vamos, confessa que é ladrão! Confessa!” “Confessa que é ladrão!” e o coro foi engrossado por outras crianças vindas dos outros quartos, e que mergulhadas nas trevas do lugar, soavam como almas satânicas, ecoando a palavra ladrão enquanto ritmavam batendo palmas e os pés no chão de madeira.

Brad Pitt subiu ainda mais, até o alto da escadaria. E quase dependurado sobre a balaustrada, olhava atento e ansioso o que ocorria. A lanterna jogava apenas um círculo de luz sobre o Papai Noel e as vozes, gritos, e assovios, subiam em ondas agourentas até ele. De repente tinha medo, queria fugir, ao mesmo tempo, desejava ver. Alain Delon retirou a mordaça do homem, que agora gritava a plenos pulmões o que parecia ser a sua chance de liberdade: “Eu sou ladrão! Eu sou ladrão!” “Me soltem! Eu sou ladrão! Chamem a polícia!” Evandro não conseguia mais raciocinar diante daquele circo do horror. Tom Hardy deliberou: “Nós mesmos vamos te dar um jeito! Não precisa de polícia!” E, prontamente foi amordaçado novamente.

            Tom Hanks pegou o ácido muriático, abriu-o lentamente, enquanto o coro de “ladrão” começou novamente a ser entoado. E estampando no rosto um riso de prazer, ameaçou: “O castigo é igual ao de Santa Luzia...” Ao ouvir isso o pequeno Pipoca se levantou. E valentemente tentou defender Evandro se colocando à sua frente e tentando empurrar os outros: “Não, isso não! É maldade!” Não adiantou. Tom Hardy com um único empurrão o jogou pra longe. E Brad Pitt assistiu lá de cima derramarem ácido nos olhos dele. Seus gritos semiabafados pela mordaça eram pouco ouvidos enquanto o coro, as palmas, os assovios, subiam e desciam, como uma sinfonia de morte. Do lado de fora, bem distante dali, os únicos ruídos que o guarda da guarita ouvia eram as palmas e os assovios. Como só cuidava mesmo de fumar seu cigarrinho, enquanto via vídeos no celular, não percebeu o que estava acontecendo. Achou que as crianças estavam se divertindo.

            Quando por fim Cadelão derramou dois litros de álcool no velho, e se preparava para atear-lhe fogo, ignorando suas dores atrozes. Por um instante pararam tudo, pois não encontravam os fósforos. Tempo suficiente para num supetão Tom Hanks ter a lanterna arrancada da sua mão. E a luz se voltou para o rosto do agressor, e todos mudos, deixaram o nome apenas em seus pensamentos “Stallone!” Lá do alto, Brad Pitt o via, a luz o fazia imenso, principalmente se comparado aos outros. Ele não falou nenhuma palavra. O coro se dissipou, e os meninos todos foram voltando para seus quartos correndo, como se tivessem sido surpreendidos pela polícia. Ficou ali em pé, iluminando o próprio rosto. Tom Hanks fez sinal para os irmãos e saíram de mansinho, se esgueirando pelo mesmo corredor escuro de onde tinham vindo. Cadelão com o mesmo bom senso de antes, pegou o Pipoca pela mão, chamou McGiver e saíram dali. Eram como almas penadas se dispersando entre as sombras e a escuridão. Apenas Brad continuava firme no seu posto de observação.

            - O senhor, está bem?! – perguntou Stallone, com sua voz lenta e arrastada, enquanto soltava as tiras de lençol que prendiam o pobre Evandro.

            - Graças a Deus! Graças a Deus! Você me salvou! – falava aturdido e cego de dor. “Meus olhos, meu filho, me tira daqui! Preciso salvar meus olhos!”

            - Tenha calma! O senhor consegue andar?! – perguntou.

            E Evandro sem conseguir acreditar que o pior havia sido evitado, respondeu: “Sim! Mas preciso que me ajude, estou cego!”

            O jovem coloca a lanterna no chão, baixando a luz, para apoiá-lo, enquanto lhe pede que se acalme e que tudo ficará bem. E segurando-o fortemente, recomenda: “O senhor precisa se acalmar agora, e preste muita atenção, pois vamos descer a escada para o térreo! – e como se fosse um enfermeiro carinhoso, colocou a mão do velho na balaustrada para se apoiar. Deixou-o um instante em pé, sozinho, para ele se situar. Brad Pitt se debruçou ainda mais para acompanhar o que ocorria, e ao mesmo tempo em que ouvia o velho agradecer, mais calmo, também via Stallone se afastar um pouco. Ele apagou a lanterna. Então tudo ficou escuro. E só se escutou uns gritos abafados enquanto Evandro rolava escada abaixo. O loirinho se esgueirou pela escada, passou por Stallone que ficara ali em pé próximo, olhou-o cheio de confiança e foi dormir uma noite tranquila de sono.


***

            - Que desgraça, meu Deus! Que desgraça!- gritava a Madre Tereza, cercada pelas irmãs Dirce, Das Dores, Assunção, Encarnação e Aviatta. No chão, estatelado, o corpo de Evandro. Após as explicações das mesmas para o ocorrido, ela não conseguia manter o equilíbrio diante da situação:

            - Que faremos?! Podem me dizer o que faremos?! Contratam um Papai Noel negro e pedem para que ele invada o orfanato de madrugada!! Que idéia!!

            - Nós não sabíamos que ele era negro, Madre! – se defendeu irmã Dirce.

            - Não sabiam?! E o que vocês sabem então?! Não bastasse a irmã Assunção começar esse deboche de apelidar as crianças, agora vocês me aparecem com essa!

            - Podemos chamar a polícia agora? – perguntou irmã Aviatta.

            Cheia de fúria, praticamente enlouquecida, Madre Tereza pegou-a pelos ombros e a chacoalhou: Você ficou louca?! Está louca?! É isso?! Quer fechar o orfanato?! Quem vai adotar essas crianças se essa estória sair daqui?!

            - Mas, Madre, elas cometeram um crime... – tentou ponderar Irmã Das Dores.

            - Crime cometeu o mundo quando as deixou sem pai nem mãe! – afirmou Tereza. Crime cometeram vocês ao descuidarem delas e contratarem um absurdo destes sem nem ao menos me avisarem! – e honestamente enlouquecida, continuava sua arenga: “Que faremos?! Que faremos?!” neste instante foi interrompida, por um cochichar por detrás das grossas cortinas da janela do hall. Foi até lá e as puxou com violência, e diante do que viu, exausta, gritou: “Pipoca!! Pelo amor de Deus moleque! Pára de dar o cú! Pára de dar o cú!” E tentou inutilmente dar uns tapas nos dois meninos, que escapuliram dali. “Não aguento mais esse, menino!”

            E, continuou, gesticulando e desenhando no espaço as suas palavras:

            - Já vejo as manchetes dos jornais: Papai Noel Negro é morto por crianças de orfanato Católico! Que desgraça! Que desgraça!

            Diante do silêncio de todas, que contritas esperavam Tereza retomar a compostura, o pequeno Brad saiu detrás de outra cortina, e sugeriu, quase cochichando: “Enterra ele debaixo do palco do Cinema!”

            - Vai embora, loiro do diabo! – gritou Tereza. E lá se foi o pequeno Brad Pitt sumindo corredores afora.

            - Sabe, Madre – comentou irmã Assunção -, a idéia não é má!

            - Esse homem tem uma família! Tinha uma vida! Merece um enterro decente! – contra argumentou a Madre Superiora.

            - Então, Madre – opinou irmã Dirce, apoiada por Das Dores – ele tinha! Não tem mais! Vamos fazer como irmã Assunção sugeriu...

            - Mas e quando a polícia chegar e vier investigar o sumiço do homem? – questionou

            - Diremos a verdade – disse Irmã Dirce – Ele veio, fez a festa e foi embora!

            - Quem irá desconfiar de nós e das crianças?! – completou Assunção.

            Madre Tereza a contragosto se deu por vencida. E assim fizeram. Naquele inesquecível dia de Natal não houve a missa matinal. Foram até o cinema do orfanato e cavaram ali um túmulo seguro para o pobre Evandro. E na parte da tarde, para lembrar as crianças dos castigos divinos que esperavam os moleques arteiros, passaram o filme “Marcelino, pão e vinho”. Enquanto o loiro, lerdo, disléxico, senhor déficit de atenção, hiperativo, Brad Pitt, observava com satisfação o seu sucesso. Fôra o seu melhor Natal, jamais se divertira tanto, era a primeira vez que dirigira um verdadeiro filme. Naquela noite todos haviam sido estrelas. E dali por diante a sua obra teria público para sempre.

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