Da Natureza da coisa...
James Dean |
Este
texto começa com o título de “A natureza da coisa...” Quase chegou ao fim e eu não
disse muito sobre o cerne da questão. Logo no inicio dos anos 90 busquei muitos
livros para me informar. Uma boa parte deles era bibliografia muito recente, e
os encontrei porque estava na Unicamp. Então, de memória lembro de ter lido
Ronaldo Vainfas, Luiz Mott, Michel Foucault, Geerz e outros tantos. Lembro que
tinha uma bibliografia de doze livros, foi tudo o que consegui. Não era apenas
o desejo de saber, havia a curiosidade quase médica, cientifica de entender a
mim mesmo e a todos os demais. E fazer o correto. Ah, a ciência é legal, mas em
nome dela fizeram muita bobagem. Até os anos 70, esse desejo dos homens era
conhecido pela religião e parte do povo por ser uma perversão. Em outras
palavras, safadeza. Mas safadeza pode ser divertida, pode ser má, pode ser
castigada, pode ser repetida, ela não é natureza biológica e nem escolha de
vida.
A idéia de que era uma
doença veio da ciência do século XIX (que parecia mais um
alfarrábio folclórico do que ciência) e adentrou o XX. Não era uma coisa muito divulgada ou sabida no interior do país. E
“doença” é algo muito mais grave do que safadeza. É um termo carregado demais.
O doente não sabe o que faz, o doente não tem culpa da sua doença... Entretanto,
ele não se pertence mais, pertence ao médico que o desautoriza. Pertence ao
médico que classifica de doentios os seus desejos, e busca formas cientificas -
ou pseudocientíficas - para curá-los. Só
uma doença para explicar o desejo de um homem ficar de quatro para outro homem
enfiar o pinto no seu cu. Ou só uma
doença para explicar o desejo de um homem de chupar o pinto de outro homem
(tudo isso era visto como nojento, e só prostitutas podiam fazer isso sem
perder sua dignidade). Choques elétricos, castração, castração química e sei lá
quantas outras formas de cura foram tentadas. E muitos foram simplesmente
internados em sanatórios até que todos os esquecessem. Esse foi o primeiro
serviço da ciência para os homens que se sentiam atraídos por outros homens.
Quando
éramos considerados pervertidos safados, ainda éramos donos de nossas vontades
e dos nossos corpos. Quando passamos a ser considerados doentes pela ciência
médica fomos desumanizados. Isto é uma coisa que as religiões nunca fizeram,
podemos ser endemoninhados, mas nunca desumanizados. Quando a ciência erra a
primeira coisa que faz é tirar a nossa dignidade de humanos. E novamente, nos
anos 80 a ciência, com seus inúmeros acertos, terminará por incentivar o apartheid
dos homens. Homens não, zebras! E não esqueçamos da pequena quantidade de
zebras pinks.
Apenas
no final dos anos 80 a OMS (organização Mundial da Saúde), tirou a
homossexualidade do hall de doenças e condenou o seu suposto tratamento, pois passou
a ser considerada orientação sexual e não doença. A OMS também não era
conhecida por quase ninguém nos interiores. E se essa atitude da OMS salvou
milhares de homossexuais de serem mortos em países menos esclarecidos e
permitiu a busca por um lugar na sociedade, ela também teve o seu reverso
negativo: gays não poderiam mudar de ideia. É como se diz, não tem cura, porque
não é doença, e ninguém deixa de ser gay. Essa conclusão - de imediato - foi
muito importante pois evitou que se forçasse psiquicamente ou através de
drogas, ou medicamentos mirabolantes, uma “normalidade”.
James Dean, Assim caminha a humanidade |
Mas
as décadas se passaram, e aqueles jovens que aceitaram e absorveram essa nova
cultura, também tinham perguntas sem respostas e vontades que não sabiam se
podiam ou não realizar. E também conheceram a frustração das escolhas que lhes
foram dadas a fazer. E a pergunta é: se alguém quisesse deixar de ser gay, quem
iria permitir? Quem iria acreditar? Quem iria aceitar a ideia? E novamente, nós
homens tivemos nosso direito de escolha tolhido. Você pode ser o cover da Carmen Miranda, poderá ser o que quiser, mas
nunca mais poderá simplesmente pegar a mão de uma mulher e beijá-la como se
nada tivesse acontecido. Por que chamo atenção para estes fatos? Para que
você saiba que não é doença?! Não, para que você saiba que homens que preferem
homens passaram a ser objeto da ciência, objeto de estudo, objetos. Como ratos
de laboratório.
Então, atualmente,
depois de muitas mudanças e transformações, ainda que a ciência tenha feito
muita coisa em benefício da causa
homossexual, acho que ela o fez a partir de uma percepção preconceituosa da
sexualidade masculina. Até finais dos anos 90, isso mesmo
anos 90, era muito comum a idéia de que viado era aquele que dava o cú. Quem
“comia o cú” era o homem, né?! Não havia nenhuma, absolutamente nenhuma
recriminação para o “comedor”, muito pelo contrário. Então, “comer um cú” -
parte que as mulheres se negavam a ceder fosse para quem fosse - era parte
integrante da masculinidade, da virilidade do homem brasileiro. Nunca foi
questionado, e é difícil que houvesse um homem que não o tenha feito, ou não
guarde essa vontade dentro de si (porque eu não sei, cada um com suas taras). E
quem não o fez ainda quer fazer. Pobres mulheres que nas últimas décadas
passaram a se sujeitar a umas coisas que até então era um filme de horrores.
Sim, agora elas têm de descobrir como ter orgasmo anal, só para aumentar a
exploração sobre seu corpo.
Nos
livros sobre sexualidade humana (história, sociologia), com ênfase na masculina,
descobri categorizações e mais categorizações, classificações científicas de como
eram os gays. Primeiramente, o nome da coisa não era gays. Essa é a forma
americana de dizer viado, e inicialmente tinha conotação negativa. Homens que
preferiam os homens eram considerados homossexuais, ou seja homo (igual), sexo
com pessoas do mesmo sexo. Mulheres também são homossexuais, mas preferimos
chamar de lésbicas, é mais fofo. O Relatório Kinsey da sexualidade masculina,
realizado nos Estados Unidos, nos anos 50, foi uma pesquisa profunda na qual se
demonstrava que havia gradações de
desejo do masculino pelo masculino. Nestas
gradações chegava-se até à exclusiva prática de sexo entre iguais. A margem
populacional da homossexualidade estrita era relativamente pequena, 6% da
população. Quando li eu achei imediatamente um número muito modesto. Atualmente
tendo a concordar, sinto que os que, por natureza, são exclusivamente homossexuais
são minoria entre os homens (essa já não é mais uma discussão atual, hoje
falamos de gêneros e outras escolhas).
Marlon Brando |
Vi
outros estudos que questionavam a taxa de homossexualidade por população de
Kinsey, e ela era sempre puxada para cima, chegando a quase 30% na Alemanha. Se
estava assim na Alemanha, imagina no Brasil? Qual era a regra para saber se havia homossexualidade nos indivíduos?
Se havia tido uma relação - de qualquer tipo - e nela tivesse tido prazer e se
ela havia se repetido. Diferentemente do que eu disse logo acima, a questão não
era de papel sexual, mas de prazer obtido com ele. Sim, a questão toda é o
prazer, sempre foi o prazer. “Gostou? Então é culpado!” Como se o corpo humano
e o desejo humano pudessem ser simplesmente assim qualificados. Existem pessoas
que sofreram violência sexual e se culpam por ter sentido prazer; e elas são
inocentes.
Nestes
estudos também se categorizava a posição no ato sexual. Lembro-me de ter achado
algo completamente abusivo e sem propósito, este é o tipo de coisa que se faz
com animais. Por que não fariam conosco, não é mesmo?! - Lembro-me de não ter visto estudos sobre
homens e mulheres tão invasivos. Definindo.
Vamos lá, são homossexuais. Que tipo de homossexuais: Ativo/Ativo - é o
penetrador na relação e a dirige o tempo todo; Ativo/Passivo: o penetrador não
faz esforço, alguém “senta nele”; Passivo: o penetrado e que é dirigido durante
a relação; Passivo/Ativo: aquele que tem a atitude na relação, o que senta em
cima; e também havia os que faziam ambos os papéis: Ativo/Ativo, Ativo/Passivo,
Passivo/Ativo - e já deu pra entender que o nome que estes últimos obtiveram na
cultura gay foi “versáteis”. Neste processo ficou oficializado a existência dos
Bissexuais, e eles por sua vez também obedeciam às categorias acima.
Naquela
época (anos 90) não encontrei nenhum estudo dizendo qual era a posição do homem
ou da mulher com seus parceiros. “Afinal, isso era da conta deles, eram homem e
mulher, né?!” É deste olhar da ciência que falo. É desta transformação do desejo
dos homens em algo categorizável cientificamente. Ainda que não seja doença, é
como se eu pudesse falar disso clinicamente. Essa ciência se arroga o direito
de lhe dizer o que você é, como é, e o que deve ser e sentir. E toda essa
sensação de higienizável, clinicável, cientificista ficou muito pior por causa
dos cuidados com a transmissão do HIV. Se chegou ao absurdo de haver “camisinha
para dedo”, dedeira. Pois até para enfiar o dedo no cu de alguém havia
“proteção”. Chupar um pinto agora tinha nome oficial, pois “chupar” é muito
vulgar, sexo oral. E ninguém mais deu o cú, agora era sexo anal. Sexo oral, só
com camisinha! Punheta?! Meu Deus, a pobre punheta virou: masturbação! Nem
direi o nome de todo o resto.
James Dean |
Enfim, chegamos a um
ponto importante nos anos 90, quando a coisa toda estava filtrada pelo saber
científico, passamos oficialmente a ser “outra coisa”. Já não éramos homens que
gostavam de homens, éramos homossexuais, fazíamos sexo anal, oral, e éramos
ativos, passivos e versáteis. E já desde os anos 80
éramos tratados como “grupo de risco” por causa do HIV, e nós mesmos aceitamos
essa definição. E chegamos a chamar alguns possíveis parceiros sexuais de
“duplo grupo de risco”, pois também usavam drogas injetáveis. Pois o olhar
“nada preconceituoso” dos cientistas, achava que a promiscuidade sexual era
coisa de prostitutas e homossexuais. Como se bastasse a homens e mulheres se
casarem para que não fizessem sexo com mais ninguém.
E,
no contexto dos anos 80 e espichando até os anos 90, surgiu o personagem
macabro “o portador”, que é o homem que porta o vírus, e ele sempre é o que tem
uma vida dupla “não assumida”, tem uma esposa, mas sai com homens e mulheres na
surdina. O portador foi o espectro que assombrou as mulheres, e se elas já
tinham aversão a homens que também preferiam homens, este medo chegou ao
paroxismo. Pois poderiam ser contaminadas no recôndito do seu lar, na sua cama
imaculada. E estavam numa posição delicada, mesmo que aconselhadas a usarem
camisinha (que mundo!).
E
a sociedade quis ignorar o fato de que as mulheres também podem ser promiscuas.
Ainda que sejam desincentivadas. A sociedade quis esquecer o melhor amigo do
marido, o chefe gostosão, o encanador, o marceneiro, o vizinho, etc. Como se as
mulheres fossem aleijadas do prazer sexual, como se não tivessem desejo e não o
realizassem quando pudessem. Agiam como se todas, absolutamente todas, tivessem
desc2oberto a existência do orgasmo na TV Mulher. Ora, provavelmente parte da
classe média televisiva acreditava nisso. E ainda que muitas mulheres fossem
vítimas de companheiros promíscuos, outro tanto de maridos também foi
contaminado por suas esposas. Claro, sobre isso, impera certo silêncio
constrangedor. Não que eu esteja desmentindo o fato de que as mulheres foram
vítimas em sua grande maioria. É que aqui preciso separar os carneiros dos
cabritos. E ainda que não haja inimizade entre gays e mulheres, a busca destas
por acertar no parceiro para casar e ter filhos as levou a serem bastante
incentivadoras do “assuma a sua homossexualidade”. E aí surgiu outro nome
típico ainda usado, o “enrustido”.
O enrustido é o homem
que supostamente também prefere relações sexuais com outros homens, mas
escolheu levar uma vida social considerada dentro dos padrões normativos e
conservadores tradicionais. Uma vidinha papai e mamãe, nada
errado com ela. Qualquer frase levemente jocosa ou preconceituosa é tida como
dita por “enrustidos”. E isso me diverte, pois as mesmas pessoas liberais,
livres e libertadoras do meu Facebook que se jactam de serem ótimas pessoas,
não têm o menor pudor em acusar seus adversários ou desafetos de “enrustidos”,
ou seja, os estão chamando de “viados”. Estabelecendo a “obrigação moral,
social e sexual” de que o desejo de um homem por outros homens seja
publicamente declarado.
O que as pessoas que
gritam em coro enrustido, e mandam que assumam, esquecem é que estes homens
podem simplesmente não quererem a “cultura Gay”, que vem imposta e embutida no
pacote “assuma”. Não existe na sexualidade masculina um lugar de radicalização
absoluta daquilo que se é ou se deixa de ser. E, mesmo que a pessoa se declare
homossexual, isto não significa que ela gostaria de participar de uma cultura
da qual não se sente pertencendo. Entretanto, mesmo que
a pessoa escolha “não participar da cultura gay”, ela será empurrada para ela.
O “enrustido” pode estar muito bem resolvido em sua sexualidade e em seu nicho
social. E talvez, muitos dos que assumiram precocemente sua homossexualidade,
hoje fariam o caminho de volta para o armário. Em outras palavras, mesmo as
pessoas mais educadas, continuam praticando violência e preconceito contra
homens que gostam de homens. Ditam para eles como deve ser o seu comportamento
e sua sexualidade e com quem devem andar.
Bem,
por hoje, chegamos até aqui. Mas este texto não acabou, pois
caso contrário eu poderei ser linchado. Lembrando que estas reflexões vêm de um
viés de quem viveu essas coisas no interior do país e que viu as “respostas”
chegarem de outro lugar que não a sua família e a comunidade local. E estou sugerindo, após décadas, que estas
respostas poderiam ser um tanto quanto inadequadas para as nossas realidades e suas conseqüências estão sendo bem desagradáveis.
Marlon Brando e James Dean, dominador e escravo?! |
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