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Se não têm arroz que comam macarrão! EPTV 1

Parodiando Maria Antonieta, “Se não têm arroz que comam macarrão!”



Sei que nem todos lembram logo de manhã de uma Rainha guilhotinada ao final do século XVIII. Entretanto, é difícil não tê-la em frente aos olhos, completamente fora da realidade, quando escutando o rugido das multidões fora do palácio, perguntou aos serviçais: “Por que gritam tanto? O que quer o povo?” E um deles de boa mente respondeu, parecendo-lhe uma obviedade: “Majestade, o povo não tem pão!” Ao que – reza a lenda – ela respondeu prontamente, não como desaforo, mas com ingênua displicência: “Ora, que comam Brioches então!”

Pela terceira vez, em menos de dois meses assisti nos telejornais um arremedo de mau gosto desse conhecido caso. A Rainha era rainha, intocável e praticamente intocada. Fôra criada num mundo completamente à parte da população. Era mais uma avis rara do que uma pessoa. Por isso podemos desculpar a sua alocução ignorante. Todavia, ouvir o eco da sua burrice na atualidade, vindo de profissionais que lidam com informação e a sua divulgação é um assinte, é pouco caso, é desaforo!

O que dizer de um repórter, ou de uma equipe inteira de jornalistas, que faz uma matéria que debocha da pobreza alheia? E olha que em sua maioria são todos uns mortos de fome; o que limita qualquer justificativa.

Vamos ao assunto que me “deixou nos cascos”.

            Logo de manhã eu me arrasto para frente da TV e início o ritual ridículo, mas necessário, de acordar tomando muito café. Nesse processo descobri que não gosto nada do apresentador do SPTV 1 Rodrigo Bocardi. De apresentador legalzinho que era - faz muito tempo -, subiu num picadeiro no qual a comédia nunca tem fim. Bem, mas isto é lá com ele. O EPTV 1 (Campinas e região) não é tão difícil de se ver quanto o SPTV, entretanto, da mesma forma que o outro, tem pouco ou quase nenhum critério para passar seus conteúdos. Poderia apodrecer aqui relatando os vários “causos” estúpidos, porém se eles não parecem ofensivos são só “vergonha alheia”.

            A matéria em questão versava sobre o aumento do preço do arroz. Como todos sabem, junto do feijão, é o alimento básico da população. Em final de dezembro e também em meados de janeiro eu já havia assistido outras reportagens em tudo idênticas, e o sentimento de mal-estar já havia me contaminado. Afinal, uma vez... O repórter foi infeliz, segunda vez... A equipe estava cansada e dormindo. A terceira vez é deboche! Se ao fazer uma afirmação absurda a Maria Antonieta deixou claro o motivo pelo qual perdeu a cabeça, como desculpar a afirmação repetida três vezes?!

            A informação era: o preço do arroz aumentou novamente. Ok, informação dada. Em outros tempos isto bastaria. Passemos para a próxima. “Não!” diz alguém na equipe de jornalismo “temos de dar opções ao povo! Arroz é carboidrato, verifiquemos que carboidratos podem entrar no seu lugar!” Aí, a equipe toda balançou a cabeça positivamente e fizeram a matéria. Ao final alguém deve ter percebido a estupidez – espero. Entretanto, o tempo havia acabado, e o chefe mandou botar no ar desse jeito mesmo. Então... A mesma estupidez três vezes?!

            “Com o preço do arroz nas alturas a solução é encontrar produtos substitutos, como o macarrão. O povo não pode ficar passando sufoco, precisa fazer substituições enquanto o preço não abaixa”.

            Você que me lê agora já deve estar rindo. Qualquer pessoa, mas qualquer pessoa mesmo, que tenha ido uma única vez ao supermercado na vida sabe a diferença entre arroz e macarrão. Geralmente compram-se pacotes de arroz de 5 kgs. E os pacotes de macarrão geralmente possuem 500 gr. ou 0,5 kgs. Numa pesquisa rápida – peguei preço de um atacadista bem conhecido (Tenda Atacado), pois os atacistas são mais baratos.  Descobri os valores, e a coisa ficou mais ou menos assim:

·         Arroz 5 kg.  Branco tipo 1. Camil                   21,90

·         Macarrão Don Benta – Ninho – 500 gr.            3,29

Fazendo a proporção 5,0 kg de arroz divididos por 0,5 kg de macarrão = 10; seriam necessários dez pacotes de macarrão para fazer frente a 01 de arroz. Matemática SIMPLES  5 kgs de macarrão custarão 32,90 contra os 21,90 do preço do arroz – uma diferença de 50% para o preço do arroz. Falamos somente de quilos e não do rendimento em porções. É sabido que o arroz “cresce” e rende muito mais porções do que o macarrão. Além disso, a massa exige molho, complementos, às vezes carne moída, molho de tomate, salsicha, sardinha, e até alho e óleo! (não esqueçamos que o óleo aqui é azeite, caro portanto). Diferentemente do arroz que pode ser apenas cozido com duas colheres de óleo de soja e um pouco de sal (fica bom). Qualquer “besta” sabe disso tudo, menos as equipes de telejornal da Eptv e da Globo.

Logo de manhã, um monte de pé-rapado da TV vem e me diz: “Se não têm arroz que comam macarrão!” Se eu ouvisse tal despautério de uma rainha, vá lá. Tá fora da realidade, “é louca de usar peruca”, acabei de inventar a expressão. Convenhamos realizar uma matéria onde o desdobramento de preço alto do arroz é sugerir o consumo do macarrão por este ser mais barato é chamar a população de ignorante. E também dar mostras eloquentes de ignorância do tipo cavalgadura sem arreios. Na França a Rainha perdeu a cabeça, era Rainha entretanto. Agora, nada vai acontecer, pois a única coisa que esses repórteres tinham para perder nem adquiriram, a inteligência.

É este tipo de merda que dá a falta de preparo de jornalistas e seres humanos. Faltou cuidado, faltou respeito para com as pessoas. É desnecessário sugerir troca de produtos, se isso for possível as pessoas o farão. No entanto, ninguém troca o ARROZ, PORRA! Se não for para sugerir que o governo crie estoques reguladores como foi feito em priscas eras com os alimentos básicos, é favor passar logo para a próxima matéria.

Parando por aqui. Você que me lê não merece que eu perca a classe por tão pouco. Fiquemos atentos. O macarrão é mais caro. Substituir arroz por macarrão é Fake News ou melhor Donkey News rs.

* Donkey: burro, jumento em inglês.

P.S. 1. A anedota que abre este texto é tradicional e o acontecido foi creditado à Rainha Maria Antonieta; entretanto há suspeitas de que nunca aconteceu. Isso não deixa de ter valor, uma vez que a anedota serviu para mostrar a distância que existia entre os nobres e o povo da França do sec. XVIII, por essa razão se continua a repetir esta estória. Por outro lado, a Rainha estava longe der uma jovem ingênua, e apesar de ser inocente, foi condenada por espionagem, na Revolução Francesa. As causas da sua condenação são bastante complexas e entre elas não se deve listar o caso aqui citado. Ela foi uma mulher pertencente à nobreza que não tinha grande condição de escolher seu destino. Ainda assim, tinha cultura considerável e era capaz de participar ativamente do jogo político doméstico de Versalhes.

P.S. 2. Mantenho a estupidez da equipe.


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