“O
ChatGpt não é nada mais, nada menos do que o taylorismo aplicado às práticas
intelectuais”.
ntretanto, instado por conhecidos, decidi esmiuçar a questão um pouco mais.
Observemos inicialmente pelo aspecto
funcional. O chatGpt é uma ferramenta, e sua finalidade é processar e produzir
textos. Em realidade, processa e organiza de forma inteligível informações de
todos os tipos e “induz” o seu manipulador a determinadas leituras destas
mesmas informações e dados.
Como
ferramenta, existe algo que não precisa ser questionado, ela será usada. Então
é inútil publicar textículos no Facebook ou no Instagram com a relevância desta
bobagem. Quem o publica neste momento deseja apenas notabilizar-se por sua
produtividade dinâmica nas redes sociais. E nem se dá conta que deixa clara a
sua ingenuidade diante do fenômeno. Todavia, a ingenuidade não está na atitude,
pois esta visa manter seu emprego e status, mas se encontra no fato de não
perceber que esta ferramenta erodirá rapidamente o que ele acha que é a sua prática
acadêmica: a geração de conhecimento (não confundamos produção de conhecimento
com produção de conteúdo). Sim, as pessoas que produzem pesquisa no país
utilizarão essa ferramenta. Irão descobrir muitas formas de fazê-lo. E quanto a
isso não há novidade e nem necessidade de discussão. É uma espécie de novo
entretenimento laboral que não durará mais que umas semanas até a novidade se consolidar
como realidade amarga.
Li comentários no facebook a
respeito da sua utilização para realizar fichamentos de livros, resumos,
resenhas, normalização de textos em conformidade com os padrões técnicos
exigidos pelas revistas “Qualis” (aqui entre aspas, pois a qualidade disto está
em discussão), tradução de artigos para o inglês (traduções melhoradas),
levantamento de informações, dados e estatísticas, para serem alinhavados como
pesquisa, etc, etc, etc. Tudo isso percebido como óbvias vantagens; tendo em
vista o contexto de alta produtividade que a Capes vem exigindo dos
pesquisadores de Comunicação (e das humanidades) nos últimos vinte anos. Neste
caso uma ferramenta bem vinda. Afinal, diminuirá o esforço continuo de
professores doutores das pós-graduações, cada vez mais estafados com inúmeras
atividades. Que fique claro que estas atividades excessivas não deveriam estar
sendo realizadas tão somente por eles e que em sua maior parte deveriam estar à
frente de uma equipe pequena de pesquisa (equipe esta que não existe por causa
dos custos e da falta de investimentos).
Após
assumida essa ferramenta, e se ela funcionar, isso não diminuirá a atividade
dos pesquisadores, apenas a otimizará para que sejam assoberbados por outras
atividades desimportantes. Em outras palavras aumentará a extração de “mais-valia
acadêmica”, notem que eu não disse “intelectual”.
Quando
o pesquisador é um sênior de alto nível, todos estes trabalhos são realizados
por secretárias, estudantes de Iniciação Científica, mestrandos e doutorandos
(cada um realizando funções de acordo com seu nível) e eram coordenados e
organizados pelo pesquisador chefe. – É importante notar que alguns casos são
de emprego e outros de formação profissional e humana. Em caso de emprego
resulta salário, em caso de estudo resulta em bolsa (salário), formação
profissional e formação humana (tendo em vista as relações pessoais com o
orientador e demais colegas de trabalho). Quesitos minimamente necessário à
formação de um pesquisador.
Ao
se saudar a nova ferramenta é preciso que se note que um pesquisador iniciante
tem de realizar todo o trabalho que ele deseja jogar para o ChatGpt, - gostando
ou não. Se ele o utilizar estará perdendo a chance de amadurecimento de
conhecimentos, refinamento, seleção e consolidação do saber. Isto é algo que
demanda tempo. Fichamentos, resumos e resenhas, não são trabalhos mecânicos,
são trabalhos intelectuais, melhor dizendo: são práticas intelectuais. Tornam
mais “inteligentes” e preparados os que as realizam. Entrementes, a ferramenta
de I.A. não torna o seu usuário mais preparado para o resultado específico
desta função, a construção de conhecimento de qualidade. Aqueles que desejam
olhar para estas técnicas de trabalho como desnecessárias ou irrelevantes o
fazem porque são pressionados a dinamizarem o seu cotidiano em nome do aumento
de produtividade.
Ora,
o conhecimento é lento, e precisa de lentidão. A lentidão dele é que inibe
grandes erros e percalços do caminho. A reflexão exige tempo. Pensemos o
conhecimento como um fruto, para chegarmos a ele foi preciso preparar a terra,
plantar a árvore, cuidar dela, vê-la crescer e aguardar e quando os frutos
vierem não devemos colhê-los prematuramente, pois se não concluiremos que não
valem a pena, pois a coloração não é boa, o sabor não é muito bom, e que é
azedo ou amargo; a passagem do tempo lhe agregaria outros valores, propiciados
apenas pelo tempo, cor, sabor e doçura, além de boas sementes para o replantio.
Neste
processo de “dinamização da produção” as universidades privadas tendem a ganhar
relevo sobre as públicas. Pesquisadores contratados pelo estado têm uma carga
de trabalho relativamente menor (nem sempre), e uma estabilidade de emprego
incrivelmente maior (com tendência atual de desaparecimento). Esta estabilidade
lhes dá algum poder para fazer resistência a transformações demandadas por uma
ótica mercadológica, que não funciona adequadamente na Comunicação e nas humanidades
(as outras áreas que se defendam). Sim, existe uma diferença de status entre os
pesquisadores que estão nas universidades públicas e os que estão nas privadas
(claro, ninguém quer falar deste assunto). Diferença de status não significa
diferença de competência acadêmica. Entretanto, não pode passar despercebido
que as universidades privadas têm o lucro como primeira e última finalidade (os
seus pesquisadores negarão, pois não são bestas de criarem provas contra si, mas
seus patrões são bem claros). Até pouco tempo atrás isso era mais ou menos
disfarçado, atualmente caíram os disfarces.
Enquanto
os pesquisadores das privadas se esforçam por se adequar infinitamente às
práticas contemporâneas, sejam elas quais forem, pois são obrigados a isso – ou
perderão seus empregos – os das universidades públicas, em sua maioria agem
como se isso “não lhes dissesse respeito”. Então, apesar de estarem na
invejável condição de estabilidade concursada, na qual podem ser honestamente
pesquisadores, o que não gostam de perceber é que o que ocorre na iniciativa
privada irá alcançá-los cedo ou tarde. Atualmente cedo, afinal, tudo é rápido.
Basta nos lembrarmos que o surgimento do EAD foi celebrado pelas universidades privadas,
e estigmatizado pelos intelectuais das públicas. E hoje, todas as
universidades, sem exceção, dão cursos online à distância. E a qualidade é a
sofrível de sempre. Claro, as públicas têm uma qualidade melhor (espera-se).
Tenho
certeza que não há um único professor sério e bem formado no país que tenha
achado qualquer coisa de bom ou legítimo no EAD. Não sou contra essa prática em
regiões pouco povoadas do país e sem estradas e acessos. Mas sou obviamente
contra em todas as outras circunstâncias. O EAD, que parecia, coisa desprezível
das “gentinhas das universidades privadas” muito rapidamente decolou e acabou
por implodir o pouco que restava da formação no país.
O
que quero dizer é que, não obstante a estabilidade dos pesquisadores públicos,
a pesquisa sofre forte pressão externa, e não tem condições reais de
resistir-lhe. Então, quando alguém das privadas começa a correr para utilizar a
ferramenta do ChatGpt visando a otimização do trabalho, saibam que toda a
cadeia hierárquica produtiva do saber nas universidades está desmoronando. Você
não convencerá um estudante de Iniciação Científica a fazer fichamento de um
livro – sim, ele é necessário para se apreender, aprender, e refletir sobre o
conteúdo. Você não convencerá alguém a ler e fazer um resumo interpretativo e
dirigido de um livro (quanto mais de vários). E a I.C. é a porta primeira da
nossa carreira, e ela começa por tudo aquilo que um idiota está dizendo que o
ChatGpt irá fazer por ele.
A
discussão relativa ao ChatGpt traz embutida muito mais que a “modernidade das
práticas”, no caso deste texto de hoje, o que está sendo colocado em questão é
a carreira acadêmica, de que forma ela virá a existir?! Continuará existindo, a
pergunta é se ela existirá como nós desejaríamos que fosse. O ChatGpt não é
nada mais, nada menos do que o taylorismo aplicado às práticas intelectuais. Quando
alguém no meio acadêmico começa a vociferar o seu uso como uma coisa útil e
razoavelmente inofensiva, é de se questionar sua competência intelectiva.
Quanto
às questões mais sérias relativas a esta nova ferramenta, estou meditando...
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