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O ChatGpt e a área da Comunicação em polvorosa. Será o fim da carreira?


“O ChatGpt não é nada mais, nada menos do que o taylorismo aplicado às práticas intelectuais”.

 


Desde o primeiro momento do lançamento do ChatGpt as reações dos professores doutores pesquisadores das universidades têm sido diversas, entretanto, podem ser divididas em três posicionamentos básicos 1. Negação 2. Tergiversação 3. Entrega. Não me predisporei a explicar a obviedade destes posicionamentos, é desnecessário. Não estava desejoso de tocar neste assunto novamente uma vez que o fiz no ultimo texto aqui publicado. E
ntretanto, instado por conhecidos, decidi esmiuçar a questão um pouco mais.

            Observemos inicialmente pelo aspecto funcional. O chatGpt é uma ferramenta, e sua finalidade é processar e produzir textos. Em realidade, processa e organiza de forma inteligível informações de todos os tipos e “induz” o seu manipulador a determinadas leituras destas mesmas informações e dados.

Como ferramenta, existe algo que não precisa ser questionado, ela será usada. Então é inútil publicar textículos no Facebook ou no Instagram com a relevância desta bobagem. Quem o publica neste momento deseja apenas notabilizar-se por sua produtividade dinâmica nas redes sociais. E nem se dá conta que deixa clara a sua ingenuidade diante do fenômeno. Todavia, a ingenuidade não está na atitude, pois esta visa manter seu emprego e status, mas se encontra no fato de não perceber que esta ferramenta erodirá rapidamente o que ele acha que é a sua prática acadêmica: a geração de conhecimento (não confundamos produção de conhecimento com produção de conteúdo). Sim, as pessoas que produzem pesquisa no país utilizarão essa ferramenta. Irão descobrir muitas formas de fazê-lo. E quanto a isso não há novidade e nem necessidade de discussão. É uma espécie de novo entretenimento laboral que não durará mais que umas semanas até a novidade se consolidar como realidade amarga.

            Li comentários no facebook a respeito da sua utilização para realizar fichamentos de livros, resumos, resenhas, normalização de textos em conformidade com os padrões técnicos exigidos pelas revistas “Qualis” (aqui entre aspas, pois a qualidade disto está em discussão), tradução de artigos para o inglês (traduções melhoradas), levantamento de informações, dados e estatísticas, para serem alinhavados como pesquisa, etc, etc, etc. Tudo isso percebido como óbvias vantagens; tendo em vista o contexto de alta produtividade que a Capes vem exigindo dos pesquisadores de Comunicação (e das humanidades) nos últimos vinte anos. Neste caso uma ferramenta bem vinda. Afinal, diminuirá o esforço continuo de professores doutores das pós-graduações, cada vez mais estafados com inúmeras atividades. Que fique claro que estas atividades excessivas não deveriam estar sendo realizadas tão somente por eles e que em sua maior parte deveriam estar à frente de uma equipe pequena de pesquisa (equipe esta que não existe por causa dos custos e da falta de investimentos).

Após assumida essa ferramenta, e se ela funcionar, isso não diminuirá a atividade dos pesquisadores, apenas a otimizará para que sejam assoberbados por outras atividades desimportantes. Em outras palavras aumentará a extração de “mais-valia acadêmica”, notem que eu não disse “intelectual”.

Quando o pesquisador é um sênior de alto nível, todos estes trabalhos são realizados por secretárias, estudantes de Iniciação Científica, mestrandos e doutorandos (cada um realizando funções de acordo com seu nível) e eram coordenados e organizados pelo pesquisador chefe. – É importante notar que alguns casos são de emprego e outros de formação profissional e humana. Em caso de emprego resulta salário, em caso de estudo resulta em bolsa (salário), formação profissional e formação humana (tendo em vista as relações pessoais com o orientador e demais colegas de trabalho). Quesitos minimamente necessário à formação de um pesquisador.

Ao se saudar a nova ferramenta é preciso que se note que um pesquisador iniciante tem de realizar todo o trabalho que ele deseja jogar para o ChatGpt, - gostando ou não. Se ele o utilizar estará perdendo a chance de amadurecimento de conhecimentos, refinamento, seleção e consolidação do saber. Isto é algo que demanda tempo. Fichamentos, resumos e resenhas, não são trabalhos mecânicos, são trabalhos intelectuais, melhor dizendo: são práticas intelectuais. Tornam mais “inteligentes” e preparados os que as realizam. Entrementes, a ferramenta de I.A. não torna o seu usuário mais preparado para o resultado específico desta função, a construção de conhecimento de qualidade. Aqueles que desejam olhar para estas técnicas de trabalho como desnecessárias ou irrelevantes o fazem porque são pressionados a dinamizarem o seu cotidiano em nome do aumento de produtividade.

Ora, o conhecimento é lento, e precisa de lentidão. A lentidão dele é que inibe grandes erros e percalços do caminho. A reflexão exige tempo. Pensemos o conhecimento como um fruto, para chegarmos a ele foi preciso preparar a terra, plantar a árvore, cuidar dela, vê-la crescer e aguardar e quando os frutos vierem não devemos colhê-los prematuramente, pois se não concluiremos que não valem a pena, pois a coloração não é boa, o sabor não é muito bom, e que é azedo ou amargo; a passagem do tempo lhe agregaria outros valores, propiciados apenas pelo tempo, cor, sabor e doçura, além de boas sementes para o replantio.

Neste processo de “dinamização da produção” as universidades privadas tendem a ganhar relevo sobre as públicas. Pesquisadores contratados pelo estado têm uma carga de trabalho relativamente menor (nem sempre), e uma estabilidade de emprego incrivelmente maior (com tendência atual de desaparecimento). Esta estabilidade lhes dá algum poder para fazer resistência a transformações demandadas por uma ótica mercadológica, que não funciona adequadamente na Comunicação e nas humanidades (as outras áreas que se defendam). Sim, existe uma diferença de status entre os pesquisadores que estão nas universidades públicas e os que estão nas privadas (claro, ninguém quer falar deste assunto). Diferença de status não significa diferença de competência acadêmica. Entretanto, não pode passar despercebido que as universidades privadas têm o lucro como primeira e última finalidade (os seus pesquisadores negarão, pois não são bestas de criarem provas contra si, mas seus patrões são bem claros). Até pouco tempo atrás isso era mais ou menos disfarçado, atualmente caíram os disfarces.

Enquanto os pesquisadores das privadas se esforçam por se adequar infinitamente às práticas contemporâneas, sejam elas quais forem, pois são obrigados a isso – ou perderão seus empregos – os das universidades públicas, em sua maioria agem como se isso “não lhes dissesse respeito”. Então, apesar de estarem na invejável condição de estabilidade concursada, na qual podem ser honestamente pesquisadores, o que não gostam de perceber é que o que ocorre na iniciativa privada irá alcançá-los cedo ou tarde. Atualmente cedo, afinal, tudo é rápido. Basta nos lembrarmos que o surgimento do EAD foi celebrado pelas universidades privadas, e estigmatizado pelos intelectuais das públicas. E hoje, todas as universidades, sem exceção, dão cursos online à distância. E a qualidade é a sofrível de sempre. Claro, as públicas têm uma qualidade melhor (espera-se).

Tenho certeza que não há um único professor sério e bem formado no país que tenha achado qualquer coisa de bom ou legítimo no EAD. Não sou contra essa prática em regiões pouco povoadas do país e sem estradas e acessos. Mas sou obviamente contra em todas as outras circunstâncias. O EAD, que parecia, coisa desprezível das “gentinhas das universidades privadas” muito rapidamente decolou e acabou por implodir o pouco que restava da formação no país.

O que quero dizer é que, não obstante a estabilidade dos pesquisadores públicos, a pesquisa sofre forte pressão externa, e não tem condições reais de resistir-lhe. Então, quando alguém das privadas começa a correr para utilizar a ferramenta do ChatGpt visando a otimização do trabalho, saibam que toda a cadeia hierárquica produtiva do saber nas universidades está desmoronando. Você não convencerá um estudante de Iniciação Científica a fazer fichamento de um livro – sim, ele é necessário para se apreender, aprender, e refletir sobre o conteúdo. Você não convencerá alguém a ler e fazer um resumo interpretativo e dirigido de um livro (quanto mais de vários). E a I.C. é a porta primeira da nossa carreira, e ela começa por tudo aquilo que um idiota está dizendo que o ChatGpt irá fazer por ele.

A discussão relativa ao ChatGpt traz embutida muito mais que a “modernidade das práticas”, no caso deste texto de hoje, o que está sendo colocado em questão é a carreira acadêmica, de que forma ela virá a existir?! Continuará existindo, a pergunta é se ela existirá como nós desejaríamos que fosse. O ChatGpt não é nada mais, nada menos do que o taylorismo aplicado às práticas intelectuais. Quando alguém no meio acadêmico começa a vociferar o seu uso como uma coisa útil e razoavelmente inofensiva, é de se questionar sua competência intelectiva.

Quanto às questões mais sérias relativas a esta nova ferramenta, estou meditando...

 #chatgpt


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