Pular para o conteúdo principal

O objeto livro, amigo de todas as horas


Não sou um saudosista, e sempre fui dos que saudaram a literatura virtual e digital, no entanto, jamais fui pelo fim do objeto livro. Quem lê sabe que há muita coisa boa e interessante neste amigo que nos acompanha ao longo dos anos. Quem nunca cheirou um livro? Quem nunca apertou contra o peito aquele livro de poesia que nos enchia de sentimentos novos ou que traduzia à perfeição aquilo que não diríamos a nós mesmos por falta de força na expressão?

Sou muito tátil e muito sensorial, então, ainda me lembro do cheiro dos gibis dos anos setenta, cheiro ácido e áspero, e também do catálogo da Avon, cujo cheirinho fazia a minha delícia infantil. Ainda bem que os livros melhoraram de qualidade e há muitos hoje que cheiram catálogo da Avon, rs. Mas quem não sabe o que é o delicioso cheirinho de um livro antigo? Aquele de onde a acidez da tinta nova já desnaturou e sobrou apenas um delicado perfume adocicado? É, o livro tem muito mais coisas do que informação... Agora tentem cheirar um Tablet... rs, mudarem o conteúdo à vontade... é cheirinho de plástico mesmo rs.

Para além do cheiro, os livros sempre possuíram texturas. Há os que possuem páginas lisas, um papel meio pegajoso para quem tem mãos úmidas, rs. Há os que têm páginas ásperas, e os que são ricos com papel vergé. E, mesmo os que são mistos com papel branco impresso por ricas ilustrações e papel amarelado de qualidade diferente para os textos e que não resistiu ao tempo e amareleceu... Há aqueles que têm papel suave ao toque, folhas finas, como a Bíblia, transparentes e de letras muito pequenas, e aqueles que possuem folhas grossas, e que quando envelhecem muito, se quebram e esfarelam... Ah... quanta possibilidade num livro.

E quem nunca morreu de inveja ao pegar aquele livro que dizia “desta tiragem foram retirados 50 exemplares, impressos em papel vergé, numerados e autografados pelo autor...” E, claro o seu não era um deles. E aqueles outros caríssimos, cujas ilustrações eram tão preciosas que vinham recobertas por uma página de papel de seda? Passaram-se anos e as cores pareciam manterem-se a toda prova... Quanta sacralidade num único objeto.

Havia também os livros detentores de segredos... Estes apareciam nos filmes, tinham cadeados presos às capas, e os "Manuais Secretos" publicados pela Abril, que os imitavam. Quando crianças achávamos o máximo, pois guardávamos estes livros como se ninguém os pudesse ler (como se alguém quisesse hehehehe). Cada vez que olho para um livro, ainda o vejo como um detentor de segredos, e cada vez que um me interessa, sinto-me como alguém completamente feliz que pode usufruir de um imenso prazer. O livro sempre foi para mim um Oásis diante do deserto cultural no qual fui criado. Cresci entre fronteiras, a de São Paulo e a do Mato Grosso do Sul, onde o melhor que se lia era o catálogo da Avon, e o melhor que se ouvia eram Guaranias paraguaias (das quais sinto saudades).

Além disso, há os livros que detém significado especial, pois ganhamos de alguém. Ás vezes nem sempre alguém especial, mas um livro que adquire significado, inclusive ressignificando quem o presenteou. Tenho comigo um “Novo Testamento e Salmos” dado de presente por um desconhecido – ou quase – quando eu tinha doze anos, até hoje me acompanha. Conheço seu cheiro e ele conhece o meu. E, estamos amarelando junto com o tempo, mas não amarelando de medo rs. Cada um sabe o porquê de se apegar ao objeto livro. Não ignoremos a sua importância em nossa vida. Quero muito sentar-me e deitar-me com um bom livro, e dele, e com ele, fazer coisas além da imaginação.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os homens, afetos e desejo - A história não contada. Contexto e lugar de partida - I

O inferno angustiante do desejo Hoje quero refletir sobre um assunto do qual eu deveria saber muito, mas confesso que quanto mais aprendo, menos sei e muito menos acredito. E infelizmente não estou sendo modesto e nem socrático. Quero abordar o tema a partir do ponto de vista de alguém que viveu em outra época e que nela tinha medos, necessidades e expectativas e principalmente, tinha um futuro pela frente com o qual sonhava, mas não sabia o que seria deste tempo. Assim que eu disser a palavra, as pessoas irão abandonar a leitura, imaginando que “lá vem mais um falar do mesmo...” Confie em mim e apenas continue lendo, hoje irei falar sobre as necessidades, emoções, expectativas, vitorias e frustrações dos homens que gostam de homens.   Se não usei o termo socialmente aceito é porque de alguma forma ele está carregado de ideias e informações nem sempre corretas ou interessantes. Pode ser que eu o use mais tarde, mas por ora não.             Acredito que neste texto falo, sobretudo,

Deus - I O Devorador

  Deus me seduzindo            Esse não é um texto para relembrar o passado, mas uma tentativa de descrever o que não pode ser descrito.  Vou meter-me a falar do que não sei. Talvez seja exatamente assim, conhecemos muito e desconhecemos muito mais aquilo que realmente é importante. É como mãe, amamos muito mas às vezes nos damos conta do quão pouco a conhecemos. Entretanto, Deus, como o conheço, foi definido magistralmente pelo poeta indiano Rabindranath Tagore: “Sou um poeta e meu Deus só pode ser um Deus de poetas”. Então, só quem vive profundamente o ser poeta consegue traduzir em si o que isto significa.             Por aproximação tentarei dizer um pouco sobre isso. Uma definição destas não aparece em nosso coração na infância ou na puberdade, surge apenas quando ocorre um amadurecimento íntimo, que não tem idade para ocorrer. Podemos ter uma epifania em algum momento, mas ela só se consolida ao longo do tempo através de outros momentos assim. É como um “dejavu” não tem importâ

Deus III - A sustentação essencial. O que é real? O que é realidade?

  Não dá para ilustrar este texto de forma adequada                 Há muito tempo atrás se alguém discutisse a realidade concreta das coisas e do cotidiano eu mandaria a pessoa “catar coquinhos”. Entretanto as experiências existenciais nos ensinam se permitimos. O tempo passou e tive vários aprendizados que considero importantes. Eles ajudaram a definir minha relação com o mundo e as pessoas. Nestas experiências, e vivências, passei a lidar com um real que é tênue. Perigosamente tênue. O risco de lidar com uma compreensão expandida do real e da realidade é perder o vínculo que torna as coisas entre nós inteligíveis e aceitáveis. Entretanto, não há nenhum caminho, místico ou não, que não passe pela discussão daquilo que nos parece óbvio, e obviamente verdadeiro, irretocável e irrevogável. Então, hoje vou refletir sobre a realidade física e social, vamos desmaterializá-la para só então, falarmos de imaginação. Mas usaremos a imaginação o tempo todo como método para essa discussão.  

Deus II - A dança: Som e fúria

O sagrado pode se manifestar no cotidiano              De todas as coisas sensórias que me envolveram desde sempre o som é uma das mais fascinantes. Trago grudado ao espírito o canto da pomba “fogo apagou” envolto pelo silêncio da fazenda, ambientando a solitude do jovenzinho que sentava-se na improvisada jardineira da avó e olhava longamente para o campo. De um lado o pasto a perder de vista e de outro o cafezal assentado no morro. De um pouco mais distante vinha o som do vento assoprando forte nos eucaliptos, só quem ouviu esta melodia que rasteja pelos ouvidos e dá profunda paz sabe como é a música e o perfume que juntos vem e quando junto deles estamos ainda toma nossa pele a sombra fresca do “calipial”.             Trago no espírito meu pai assoviando. Era um tempo onde os homens assoviavam, e fazer disso uma arte também era parte do seu quinhão. Só com o tempo eu saberia que o som nos afeta fisicamente antes de nos afetar o espírito. O som toca o nosso ouvido, toca fisicament

Os homens, a história não contada. A pornografia e as transformações sociais da AIDS - II

  (Continuo aqui o texto anterior. Passaremos incialmente pelos anos setenta, a televisão e suas influências e chegaremos aos poucos até os anos 90 e as profundas transformações sociais e sexuais que ocorreram na sociedade). Começavam os anos 70 e éramos apenas amigos! Uma das coisas que me passavam pela cabeça quando era menino (05/07 anos) é que eu deveria ter nascido mulher. Mas isso ocorria não porque eu desejasse os homens, mas porque eu era, desde aquela época, bastante caseiro e não queria sair de casa e nem ver pessoas. Depois aprendi a ler e tudo o que eu queria era mais silêncio e menos pessoas. Depois veio a música e aí eu queria ainda mais silêncio e nenhuma pessoa. Mas para um homem essas coisas não eram possíveis. Homens deveriam ficar o dia todo fora de casa trabalhando e fazendo coisas que não gostavam, pois era necessário para sustentar a casa. Então, o Luizinho queria ter nascido mulher para ser “sustentado” e ficar em casa. E eu não achava a vida doméstica tão terrív