Pular para o conteúdo principal

A Cavalera e Eu - Como começou minha Coleção Cavalera (e V-Rom).

              Este texto é para matar uma curiosidade que muitos têm. Sempre alguém me pergunta: “Você é garoto propaganda da Cavalera?” “A Cavalera te patrocina?” “Por que você lançou livro na Cavalera?” Bem... aí vai.

                Quando se conhece o meu trabalho e currículo parece ser improvável que eu me envolva com moda ou que faça uma coleção de peças da Cavalera. Sou escritor e historiador, e fiz mestrado e doutorado em Multimeios na àrea de Cinema (Unicamp). Minha formação teve ênfase em História das Religiões e História da Arte. No doutorado escrevi uma tese sobre a adaptação da vida de Jesus Cristo para o Cinema e até os dias atuais minhas pesquisas giram em torno de Cinema e Religião. Em, 1999, lancei meu primeiro livro “Maria de Deus”, no qual lidava com terceira idade, sexualidade e religião. Há pouco tempo, em 2010, lancei o livro “Filmes de Cristo. Oito aproximações”, um trabalho acadêmico ligado à Teologia e Cinema. E em 2013 lancei “Memória Impura”, repleto de contos ambientados na Antigüidade Clássica. Se você ler essa descrição dificilmente pensará em mim como um “garoto Cavalera”. Coleções nem sempre têm a ver com profissões, mas no meu caso elas acabaram se unindo e dando certo.

Sempre tive uma relação bastante interessante com o vestuário. Minha mãe chegou a ser costureira e ainda hoje faz algumas roupas pra família. Na adolescência eu desenhava alguns modelos tanto para minha irmã quanto para mim, e até mesmo para minha mãe. Então, tendo uma mãe que se dava ao prazer de costurar as peças doidas que eu desenhava, eu não perdia a oportunidade de fazer coisas esdrúxulas.

                Depois, quando fui para a universidade (Unicamp) passei pela natural dureza estudantil. Então, fiquei com algumas manias bem práticas, como comprar camisetas todas iguais, calças iguais, meias iguais, etc. Depois senti que estava igual demais e passei a comprar com ligeiras variações de tons e cores, fazendo um verdadeiro degradê no guarda roupas. De vez em quando minha mãe fazia algumas peças novas pra eu variar. Já no fim da universidade o movimento grungie me pegou, então eu era xadrez e do avesso, fora os inúmeros medalhões no pescoço. Os amigos simplesmente não acreditavam que eu me vestisse daquela forma, no entanto, todos eles diziam “engraçado, em outra pessoa não ficaria bem, mas em você fica...” Bem, tive de lidar com a contradição. Sério, certinho, bom moço, mas vestindo coisas estranhas.

                Ao longo do doutorado – que foi bem puxado – eu vestia roupa de academia, e ponto. Precisava malhar muito para manter o corpo e a saúde em dia, se não enlouqueceria. Após terminar fui convidado, em 2006, para ajudar a fundar o Mestrado em Comunicação da Anhembi Morumbi. E, bem só tinha shorts e camisetas. Os amigos todos – de Campinas – me pressionaram, dizendo: “Vê se agora toma jeito! Se vista como professor Doutor!”

                Tentei. Passei numa loja tradicional, de camisas comuns, calças sociais comuns, meias sociais comuns, sapatos sociais comuns, cintos sociais comuns, etc. E me senti seguro de que assim se vestiria um profissional como eu. Andava “durinho” com aquele imenso sapato de couro fazendo “poc-poc” enquanto eu caminhava, não me sentia importante, me sentia uma múmia. E aquele “poc-poc” fazia eu me sentir ridículo!

Mudei-me para São Paulo e me localizei em Moema – próximo ao meu trabalho. Rapidamente descobri que estava convivendo com uma equipe incrível e arejada. Ao longo dos meses senti que eu poderia ser o que quisesse ser. Eu mesmo, claro. Mas, este foi um processo um tanto quanto lento. Percebi, então, que atrás do diploma de Doutor não havia as instruções sobre como se vestir, nada de dress code, bem... Se não havia regras explícitas... Comecei comprando algumas peças aqui e acolá, ainda meio distante do mundo Cavalera, mas já usando algumas coisas que apontavam a tendência.

                Aos poucos voltei a usar camisetas, as dos skatistas me chamaram mais atenção num primeiro momento, mas enfim, era início de 2007, e a tendência eram os bordados. Adoro bordados. Pronto, se estava no mercado eu poderia usar. E, em busca deles acabei comprando alguma coisa da Cavalera, Doc-Dog e algumas outras marcas menos conhecidas. Em pouco tempo os amigos do trabalho notaram a alteração para melhor no meu astral, humor e aparência, afinal, enfim eu estava ficando com a minha cara.

                Inicialmente comecei comprando pouca coisa na Cavalera do shopping Ibirapuera. Depois ouvi falar que existia próximo à Oscar Freire outra loja, na qual vinham ainda mais modelos incrementados. Não tive a menor dúvida, baixei na Alameda Lorena, onde ficavam as lojas da Cavalera e da V-Rom. Lá encontrei mais possibilidades. Mas ainda eu estava um pouco tímido, e não havia radicalizado de todo. Acho que o ponto de virada, foi conhecer a nova gerente (na época) da Cavalera Ibirapuera, a Alessandra (Alê ou Amy), uma mulher belíssima, com tatuagens estampadas pelo corpo e super competente. Simpática e afável, ela e seus vendedores acabaram me conquistando e fazendo com que para além das compras eu tivesse vontade de voltar à loja.

O atendimento foi e é ainda hoje fundamental. Não basta querermos as roupas de uma loja, é bom que elas também nos queiram, e era assim que eles me faziam sentir. Aos poucos, das camisetas mais baratas e as das promoções, fui incentivado a me aventurar nas peças que realmente me faziam a cabeça, os novos lançamentos e as exclusivas. Afinal, se vocês se lembram do começo deste texto, na adolescência eu tinha peças exclusivas e gostava disso. E quem, podendo, não irá realizar suas fantasias?! E fantasias não me faltam, rs.

                Passei a comprar cada vez mais (sempre com responsabilidade). Neste processo foi importante ser adotado por um vendedor, o Daniel Cabelo, super gente boa, que sacou o meu estilo e sempre que chegavam algumas peças que “eram a minha cara” ele me ligava... aí não tinha jeito... Era chegar, me apaixonar pelas camisetas e calças e levar pra casa. O sentimento de prazer e realização eram imensos. A mudança de vestuário e a manutenção de um estilo pessoal foram importantes até mesmo no trabalho, onde passaram a me ver como uma pessoa muito bem vestida (Claro, beirando à excentricidade, rs). Colegas de trabalho e alunos me permitiram ser livre e ser como sou. Engraçado é que normalmente vou mais produzido para o trabalho do que para a balada.

                Enfim, depois inauguraram a Cavalera da Oscar Freire, e lá passei a ser atendido e mimado pela Sarita. Deu para notar que eu estava muito bem servido nas duas lojas. Na Oscar Freire pude começar aos poucos a me interessar pelas peças de desfile, tanto da Cavalera quanto da V-Rom, pois acho que peguei as duas marcas numa tendência de fusão. Quando comprava uma peça usada no desfile eu voltava pra casa como quem tinha um tesouro. E como quem tem um tesouro, guardava a roupa bem embaladinha no guarda-roupas, aguardando a melhor ocasião para usá-la, nada de ansiedade. Afinal, a roupa merece a ocasião, e nunca o contrário.

                Enfim, em 2010, Alessandra e Daniel Cabelo arranjaram pra eu estar no desfile de Inverno da Cavalera, realização total! Lá estava eu na galeria do Rock! Cheguei até mesmo a ensaiar uma “crítica” de desfile no meu Blog, acho que não deu muito certo, afinal precisa-se um pouco mais do que vontade para escrever bem sobre moda.

A coleção. Engraçado como demorei para perceber o que eu fazia. Certo dia estava caminhando em direção ao Shopping Ibirapuera, novamente para buscar mais uma Cavalera. Aí, comecei a me questionar relativamente a “necessidade” versus “gasto/investimento” e me perguntei honestamente sobre por que eu fazia aquilo... Afinal, ninguém precisa de tanta roupa. Bem, foi somente aí que percebi que eu estava colecionando. Há uma personalidade característica de algumas pessoas, a de colecionador. Quando era criança eu colecionava pedras, depois selos, depois discos de vinil, depois livros raros, e agora... agora é Cavalera. Assim que percebi que eu havia inconscientemente começado uma coleção, ficou ainda muito mais prazeroso e fácil. Eu coleciono e uso Cavalera.

                E como eu realmente uso... Chega uma hora em que é preciso dar adeus a algumas peças... Ai, que sofrimento é isso... Mas, tento ser generoso e beneficio algum rapazinho estudante, sem grana e cheio de desejos por uma Cavalera. Afinal, não é caridade, é passar uma paixão para outros apaixonados. E penso o quanto desejei coisas quando estava nessa fase e não podia me dar luxo nenhum.

Somente há pouco tempo surgiu a idéia de fotografar as minhas camisetas para que ao menos eu tivesse a lembrança do que passou pelo guarda-roupas. Não sou nenhum grande fotografo, no entanto me divirto tentando fotografar as peças da forma mais adequada possível, afinal elas têm de sair bem na foto. Mas, existem as peças que não doo de jeito nenhum, aquelas que estão na minha história pessoal de forma marcante e com as quais sinto plena identificação e as de desfile. Essas eu uso pouquinho para não gastá-las.

                O tempo trouxe novas equipes nas lojas Cavalera, mas jamais me esqueço dos queridos (as) vendedores (as) e gerentes. Anderson Grisi me fez usar meu primeiro Sneeker (ele é um apaixonado por tênis), Tita Oliveira conseguiu meu respeito e admiração ao me mostrar como é que se lidera uma equipe completamente nova e se mantém e conquista novos clientes. O Felipe, ex-gerente da Oscar Freire, sem dúvida foi o que conseguiu os melhores descontos nas peças exclusivas. Eram tão grandes que eu dizia: “Felipe... você vai perder o emprego...”, saudades daquela alegria quase irresponsável dele.

Rafael me carregou para a Cavalera Morumbi, Aninha me faz visita-la onde ela estiver. Ah... e teve a Carol, imensa pessoa, só tinha e tem sorriso e alegria para oferecer. E o Conrado, vendedor querido que descolou as melhores peças de desfile antigas, só não conseguiu mais por que o dono da Cavalera ficou com ciúmes rs. E as garotas super lindas... Nathy, Samantha, Sarita, Alêssandra, e espero não ter esquecido nenhuma, rs. Ah! E tem o Gabriel! O vendedor mais ciumento da Cavalera, rs. Gente boníssima, nem dá pra falar dele de tanto que a gente se conhece. Com este povo já fumei charuto, já bebi uísque, me encheram de Stelinha Artois, e claro...teve a fase da “Devassa”, argh... Afora o “carinho” chocolate que quando podemos trocamos. E pensam que é a loja que paga? Não, é a amizade de tantos anos, meses, dias de convivência. E fico feliz por tê-los conhecido a todos. Aprendi muito.

Afinal, são mais de seis anos de bom relacionamento com uma moçada simpática e feliz. Feliz?! Sim. Problemas todos temos, mas é como lidamos com eles que define se somos ou não felizes. Amigos (as) vêm de todos os lugares. Por que não da loja que gostamos? Uma boa parte deles já seguiu outros rumos, mas continuam por aqui no meu Facebook, e logo nos reveremos no lançamento de Noite Escura. Ah, já devem ter percebido, lanço meus livros lá, pois é como recebe meus amigos na minha casa. Uma coisa que nenhum empresário, seja de uma loja, seja de uma universidade, pode desprezar é o capital humano. E de capital humano sou muito rico.

                Enfim, a profissão e a coleção se juntaram na pessoa que sou. A Cavalera (seus vendedores e gerentes, aos quais sou muito grato) ajudou a definir a minha imagem pessoal e profissional em são Paulo. E, honestamente, é uma boa imagem. Ao menos, eu gosto dela.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os homens, afetos e desejo - A história não contada. Contexto e lugar de partida - I

O inferno angustiante do desejo Hoje quero refletir sobre um assunto do qual eu deveria saber muito, mas confesso que quanto mais aprendo, menos sei e muito menos acredito. E infelizmente não estou sendo modesto e nem socrático. Quero abordar o tema a partir do ponto de vista de alguém que viveu em outra época e que nela tinha medos, necessidades e expectativas e principalmente, tinha um futuro pela frente com o qual sonhava, mas não sabia o que seria deste tempo. Assim que eu disser a palavra, as pessoas irão abandonar a leitura, imaginando que “lá vem mais um falar do mesmo...” Confie em mim e apenas continue lendo, hoje irei falar sobre as necessidades, emoções, expectativas, vitorias e frustrações dos homens que gostam de homens.   Se não usei o termo socialmente aceito é porque de alguma forma ele está carregado de ideias e informações nem sempre corretas ou interessantes. Pode ser que eu o use mais tarde, mas por ora não.             Acredito que neste texto falo, sobretudo,

Deus - I O Devorador

  Deus me seduzindo            Esse não é um texto para relembrar o passado, mas uma tentativa de descrever o que não pode ser descrito.  Vou meter-me a falar do que não sei. Talvez seja exatamente assim, conhecemos muito e desconhecemos muito mais aquilo que realmente é importante. É como mãe, amamos muito mas às vezes nos damos conta do quão pouco a conhecemos. Entretanto, Deus, como o conheço, foi definido magistralmente pelo poeta indiano Rabindranath Tagore: “Sou um poeta e meu Deus só pode ser um Deus de poetas”. Então, só quem vive profundamente o ser poeta consegue traduzir em si o que isto significa.             Por aproximação tentarei dizer um pouco sobre isso. Uma definição destas não aparece em nosso coração na infância ou na puberdade, surge apenas quando ocorre um amadurecimento íntimo, que não tem idade para ocorrer. Podemos ter uma epifania em algum momento, mas ela só se consolida ao longo do tempo através de outros momentos assim. É como um “dejavu” não tem importâ

Deus III - A sustentação essencial. O que é real? O que é realidade?

  Não dá para ilustrar este texto de forma adequada                 Há muito tempo atrás se alguém discutisse a realidade concreta das coisas e do cotidiano eu mandaria a pessoa “catar coquinhos”. Entretanto as experiências existenciais nos ensinam se permitimos. O tempo passou e tive vários aprendizados que considero importantes. Eles ajudaram a definir minha relação com o mundo e as pessoas. Nestas experiências, e vivências, passei a lidar com um real que é tênue. Perigosamente tênue. O risco de lidar com uma compreensão expandida do real e da realidade é perder o vínculo que torna as coisas entre nós inteligíveis e aceitáveis. Entretanto, não há nenhum caminho, místico ou não, que não passe pela discussão daquilo que nos parece óbvio, e obviamente verdadeiro, irretocável e irrevogável. Então, hoje vou refletir sobre a realidade física e social, vamos desmaterializá-la para só então, falarmos de imaginação. Mas usaremos a imaginação o tempo todo como método para essa discussão.  

Deus II - A dança: Som e fúria

O sagrado pode se manifestar no cotidiano              De todas as coisas sensórias que me envolveram desde sempre o som é uma das mais fascinantes. Trago grudado ao espírito o canto da pomba “fogo apagou” envolto pelo silêncio da fazenda, ambientando a solitude do jovenzinho que sentava-se na improvisada jardineira da avó e olhava longamente para o campo. De um lado o pasto a perder de vista e de outro o cafezal assentado no morro. De um pouco mais distante vinha o som do vento assoprando forte nos eucaliptos, só quem ouviu esta melodia que rasteja pelos ouvidos e dá profunda paz sabe como é a música e o perfume que juntos vem e quando junto deles estamos ainda toma nossa pele a sombra fresca do “calipial”.             Trago no espírito meu pai assoviando. Era um tempo onde os homens assoviavam, e fazer disso uma arte também era parte do seu quinhão. Só com o tempo eu saberia que o som nos afeta fisicamente antes de nos afetar o espírito. O som toca o nosso ouvido, toca fisicament

Os homens, a história não contada. A pornografia e as transformações sociais da AIDS - II

  (Continuo aqui o texto anterior. Passaremos incialmente pelos anos setenta, a televisão e suas influências e chegaremos aos poucos até os anos 90 e as profundas transformações sociais e sexuais que ocorreram na sociedade). Começavam os anos 70 e éramos apenas amigos! Uma das coisas que me passavam pela cabeça quando era menino (05/07 anos) é que eu deveria ter nascido mulher. Mas isso ocorria não porque eu desejasse os homens, mas porque eu era, desde aquela época, bastante caseiro e não queria sair de casa e nem ver pessoas. Depois aprendi a ler e tudo o que eu queria era mais silêncio e menos pessoas. Depois veio a música e aí eu queria ainda mais silêncio e nenhuma pessoa. Mas para um homem essas coisas não eram possíveis. Homens deveriam ficar o dia todo fora de casa trabalhando e fazendo coisas que não gostavam, pois era necessário para sustentar a casa. Então, o Luizinho queria ter nascido mulher para ser “sustentado” e ficar em casa. E eu não achava a vida doméstica tão terrív