Gosto da distinção entre autor e
narrador. A pessoa que escreve não é o
narrador, o escritor alinhava um conjunto de técnicas e estabelece a narração e
o narrador. A pessoa do escritor não é o narrador. Quanto mais tempo fico na internet e nas
redes sociais, mais concordo com esta definição. Vejo narradores todos os dias.
Mesmo aqueles que não têm consciência deste processo estabelecem narradores, e
por sua vez personagens. Muitos de nós entramos numa rede social, ávidos por
pessoas e encontramos narradores. Narradores de si. Construindo personagens,
ilustrando-as, glamurizando-as ou se detratando em público. Seres discursivos, um texto, um discurso para
cada ocasião. E, como escritor, confesso que nunca vi tanta gente àvida por leitores.
E os discursos se constroem com
partes do cotidiano, ou melhor, da interpretação do cotidiano, e há aqueles que
introduzem neles o merchandising, se localizam nos lugares, fotografam os
pratos, os parques, os papos...
Em meu cotidiano acostumei-me aos
discursos, fazemos um monte deles todos os dias. Uns, que parecem crer no que
falam, outros que sabem que as palavras se traduzem conforme a necessidade.
Estou naquele ponto em que gosto do silêncio, do pouco falar, apesar do muito
escrever.
Para conhecer pessoas ainda
prefiro olhar os gestos, somar as ações ao longo do tempo. As palavras? São as palavras. Houve um tempo em que um
homem se matava para manter a palavra empenhada, hoje a palavra empenhada, ou
não, faz parte apenas de um discurso, sobre si ou sobre o mundo. Os sentidos e
significados jazem perdidos numa balbúrdia de ruídos discursivos.
Hoje eu digo, querem saber de
mim, sobre mim? Me telefona, me encontre, saia comigo, acredite pouco no que eu
digo, seja sábio e observe-me. Sou um mímico tão hábil quanto Charles Chaplin...
Todos os meus gestos falam e transmitem muito mais do que qualquer coisa que eu
possa dizer ou escrever.
Às vezes, eu mesmo acredito em
meus discursos, mas logo presto atenção no que sai da minha boca e me calo, ou
rio de mim. A transitoriedade que vivemos nos faz transeuntes da imagem e da
palavra. Mas, o que somos não é um discurso e nem uma imagem.
Hoje, apenas preocupam-me as
pessoas que se confundem entre estas coisas. Esperam de si o que falam de si,
esperam dos outros o que elas disseram que desejavam e esperam que o outro
respeite o seu próprio ato discursivo. Tolice, vivemos numa grande obra
literária, onde as personagens se constroem e reconstroem conforme a trama
narrativa deste grande texto que nos tomou a todos.
Hoje a transcendência não é mais
chegar ao espírito ou ir para o céu, hoje a única coisa capaz de nos certificar
de nós mesmos é o corpo, os gestos e as ações que definem a nossa ação no
mundo. Sem isso... continuaremos a criar narrativas sobre nós, sobre o mundo,
sobre as pessoas, mas elas são e serão apenas o que são, narrativas,
narradores, por trás de quem não conseguimos encontrar os autores.
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