Solidão todo mundo sabe o que é. Alguns que a veem como algo positivo a chamam de solitude. Em termos simples a solidão é a ato de estar só. Fisicamente só é a primeira circunstância deste fato. Pode-se estar nesta situação porque é alguém que cuida de um farol numa ilha deserta ou se é um caseiro viúvo - sem filhos - que cuida de uma chácara. Essas circunstâncias são menos comuns. A solidão é tanto mais suportável quando se sabe que ela terá um fim. Fica o preso na cela “solitária” sofre, mas sabe que sairá de lá. Então, ser solitário e ter esperança faz uma grande diferença no que o indivíduo sente. Até na prisão a solidão é castigo.
Entretanto, precisamos distinguir
entre solidão e isolamento. As pessoas isolam-se - ou são isoladas - por
diversos motivos, e algumas o fazem para estarem sozinhas. Apesar de dizerem
que somos animais sociais, gregários, é bastante comum que busquemos momentos
para ficarmos sós. Estes momentos podem variar entre alguns minutos ao longo do
dia ou muitos dias ao longo do mês. Cada um tem seu tempo e sua necessidade de
estar só. A solitude é uma necessidade. É bom “dar um tempo” como dizem, para
refletir ou simplesmente para descansar e fazer silêncio interno e externo. Ou,
ainda, o inverso, ouvir a barulheira que tem por dentro.
Muitas coisas ocorrem para que
fiquemos sozinhos e até mesmo isolados. A solitude faz bem para a alma e deve
até mesmo ser cultivada. Mas há uma solidão muito complexa, a daquelas pessoas
que têm dificuldade de se comunicar com os demais, e tendo em vista seus
fracassos diuturnos buscam se isolar e evitar contato, pois estes passaram a
causar sofrimento. A pessoa isola-se para se proteger, não importa se seus
inimigos são verdadeiros ou imaginários, o resultado é o mesmo, é doloroso.
Somos gregários porque somos seres espetaculares, gostamos de ser vistos em
nossa performance cotidiana, gostamos de dividi-la, gostamos de aplaudir e ser
aplaudidos. Todos os dias nos levantamos para essa apresentação no teatro do
mundo que nunca termina. Nunca. Até mesmo os mortos continuam aparecendo de vez
em quando para terem algum tipo de atenção.
O filme “Os Outros” é um exemplo
belíssimo da solidão e do isolamento. O sofrimento psicológico leva ao
isolamento e à solidão extremas. A solidão não pressupõe a falta de contatos
com as pessoas - contatos mínimos -, mas pressupõe que estes contatos sejam “impermeáveis”.
Não resultam efetivamente em companhia afetiva. Quando uma pessoa se isola -
ela raramente tomou essa decisão -, foi acuada até ficar cercada de muralhas
que levantou para se proteger. Agora está só lá dentro, sem conseguir sair e
com medo dos outros entrarem. Queria afeto e companhia, mas verifica antes se
aguenta mais um pouco sem eles avaliando se suporta ser machucada ou sofrer
novas perdas. A solidão imposta ou buscada, ou ainda que não pôde ser evitada,
é um sofrimento cruel e desumano. E falando nisso, desumaniza a pessoa.
Infelizmente o humano só se faz em continua interação com o outro.
No nível da solidão e auto
isolamento com o passar do tempo o indivíduo se pergunta se vale a pena viver, pois
dele foram retirados todos os prazeres. Ler um livro, masturbar-se, tocar um
instrumento, por um tempo bastavam para aliviar essa condição e pareciam bem
satisfatórios. Entretanto, as horas, os dias, os meses, os anos sozinho
esvaziam todo o prazer e resta uma treva interna, e a luz não vem de lugar
nenhum. A recusa do outro, que é tão outro que precisa ser deixado distante.
Quem
está fora não compreende quando o isolado diz: as pessoas fedem, tem cheiro,
suam, são grosseiras, violentas, insensatas, inconstantes, emocionais e
carentes de tudo. E tudo fazem para que os outros as sirvam em suas
necessidades reais ou imaginárias. O isolado não quer que o toquem, não quer
que o beijem, não quer que o amem e nem que o violentem. E se ele saísse, inevitavelmente
as pessoas iriam açodá-lo com suas necessidades e incompreensões cotidianas até
que ele pusesse fim ao sofrimento que elas significam. Se perguntadas sobre si,
as pessoas diriam “ué, somos normais!” Pronto, a resposta está dada.
O normal é importante e comezinho,
mas mesmo assim pessoas há que não o alcançam. Dói o sexo, dói o afeto, dói o
amor, dói a vida, mas ainda não é a morte. A solidão de não ser igual aos
demais por mais que eles o vejam assim. E se o vêm como um deles não
compreenderão o que se passa e também não ajudarão. Sim, essa solidão precisa
de ajuda. Ninguém sai deste estado sozinho, por que o fim da solidão exige a
presença do outro e se o autoisolado não consegue busca-la é bom que os outros
vejam isso. Todavia, isso também não significa sucesso. Quando encontramos uma
águia ferida, escondida embaixo de um tanque na lavanderia, não sabemos
socorre-la. E o melhor que fazemos é dar-lhe água e um pouco de comida e
torcemos para que morra logo, já que não podemos tocá-la por representar algum
perigo.
A solidão e o isolamento são coisas
que se retroalimentam. Só podem ser vencidos quando o indivíduo é olhado com
compreensão pelos demais e seja aceito sem ser “normalizado”, mas isso é muito
difícil. E qual o valor de alguém nesta circunstância? Ahhh o mesmo que o do
diamante, ele brilha pois aguentou muita pressão e se transformou em outra
coisa, não é uma pedra adequada, mas é uma pedra como as outras pedras e guarda
grande valor em si. Todos se beneficiam com ele, menos ele. Então de que vale o
resgate? É por generosidade e misericórdia, é imoral permitir que alguém sofra
e sofra por nossa causa.
Solidão é muitas coisas mais. Mas é
um assunto pesado que aborrece e deprime as pessoas e só podemos tratar dele a
contagotas. Importante é saber que o homem do farol está cuidando da luz, o
viúvo da chácara está cuidando da plantação, e assim vai. Os solitários
produzem e produzem coisas maravilhosas e profundas, só não podem ser mantidos
na cela solitária.
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