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ChatGpt: Sinal de Alerta! - Análise conclusiva da conversa séria com a I.A. Parte 2

               Esta é a parte dois, por assim dizer, da publicação anterior. Os que leram puderam notar que minha participação escrita naquele texto foi bem reduzida. Os que não leram, seria importante que lessem e observassem com tranquilidade as respostas elaboradas pela I.A. do ChatGpt ali postas. O texto abaixo resulta da minha única experiência com essa I.A., deverá haver outras, mas quero registrar minhas primeiras impressões e reflexões sobre. Vi vários intelectuais, tecnólogos, influencers, escrevendo ou falando um monte de coisas sobre o assunto. As opiniões às vezes são desencontradas, entretanto, em sua maior parte demonstram preocupações muito gerais com o assunto. Importante notar que nenhum deles tem seu emprego em risco por causa da dita ferramenta (ao menos foram o que quiseram transparecer), eu não acreditei que estejam de qualquer forma seguros, exceto os que têm barbas brancas e são professores concursados em universidades públicas. Bem, será inevitável, também irei dar minha opinião. Vamos lá!




                Existem outras, talvez várias, inteligências artificiais funcionando por aí. E cada uma trazendo suas próprias consequências, benéficas ou não. Não irei fazer um juízo de valor retrógrado, garanto. Entretanto há muitas coisas que devemos ponderar com calma. Vamos ao relato.

                Como escritor me senti ameaçado pela nova ferramenta, e minha primeira pergunta foi: quem é Luiz Vadico. E ela me respondeu bem educada, “não sei, deve ser um escritor que escreve em português, não tenho muitos dados em português ainda” (um resumo rápido). O outro pedido foi algo como escreva um texto no estilo de Luiz Vadico. Ao que eu obtive exatamente a mesma resposta educada e nada ofensiva, “não posso fazer, pois não sei quem é”. Fiquei feliz, afinal, não posso ser imitado, então ainda mantenho meu direito à minha originalidade. Em seguida perguntei sobre uma amiga minha bastante conhecida no país, e também escritora. Ao que a I.A. respondeu numa forma mais ou menos assim, “Ah, esta eu sei quem é, posso ajudar!” Deu-me os dados que conseguiu. E, não resisti, e pedi que escrevesse uma crônica imitando o estilo desta minha amiga, que possui características regionais bem marcantes. Novamente a I.A. mostrou satisfação em poder me atender, e criou imediatamente uma crônica, supostamente no estilo pedido. Não era uma crônica horrível, mas era um texto ruim, e não, nem de longe lembrava o estilo da minha amiga escritora, apesar de haver êne referências regionais no texto. Ufa! Hoje estamos a salvo, daqui uma semana talvez não mais rs.

                Depois, me fixei em tentar estabelecer uma “conversa” com a I.A. sobre as questões que me preocupavam relativamente à própria (Por favor, retomem o texto publicado anteriormente). A minha maior preocupação inicialmente é o fato de que textos seriam produzidos de forma diferente da humana, mas com resultados bastante parecidos ou talvez melhores. Entretanto, essa diferença na forma, sutil no resultado, poderia discretamente induzir diferenças na maneira como o indivíduo recebe essas informações, como lidar com elas, e como toma decisões através delas. E dentro disso, como reagiria um ser humano que fosse todo formado a partir da relação com essa I.A., pois a prática de leitura e a prática de texto, que sabemos, são conformadores do cérebro, das formas comunicativas e que possuem sérias implicações cognitivas na experiência de mundo do sujeito e na sua forma de socialização. Além do óbvio a implicação no mundo do trabalho.

Se vocês foram ler, viram que depois de bem apertada a I.A. informou que havia riscos e perigos sérios envolvendo essa ferramenta e que ela afetaria a formação, o comportamento e a capacidade de decisão das pessoas. Fiz uma serie de perguntas, e ainda que eu tenha obtido as respostas que fui procurar, saí com essa clara impressão, “obtive as respostas que fui procurar”. Em outras palavras, ainda que as informações contenham verdade, sinto que ela elaborou textos que entendeu me satisfariam. E isso é bastante grave. Em uma única experiência descobri que você deve saber perguntar para que ela lhe dê as respostas; melhor ainda, você deve saber perguntar ainda mais, para que ela lhe dê as respostas que você quer. A I.A. do ChatGpt é um instrumento oracular.

Agora, vamos para o mundo dos “loucos” e vamos chamar a I.A. de meu interlocutor. Posso assim fazê-lo, pois estranhamente houve interlocução. Desde o início me tratou com extrema educação - coisa que me lisonjeou. Como sou escritor, e fui professor orientando mestrados e doutorados por muito tempo - talvez mais do que eu gostaria -, estou acostumado com vários estilos de escrita - ou com a sua ausência, o que é mais comum -, e por isso a forma como as palavras são escritas, a sua ordem, os sinônimos, a pontuação, o ritmo, etc me atraem, e essas coisas terminam por definir meu interlocutor. Imagino que essa I.A. num primeiro contato deve agir da mesma forma com todo mundo. Então o que eu notei é que a escrita é elaborada de forma a ser atraente, quer seja para a leitura, quer seja para o lado emocional do leitor.

A escrita do ChatGpt é “abrandada”, não é uma escrita que soe imparcial e objetiva, ela soa como se explicasse de forma muito delicada a um inepto um assunto no qual ele tenha muita dificuldade. Em outras palavras, um estilo que infantiliza seu interlocutor. Quando você faz a primeira questão, ele educadamente se faz de bonzinho e lhe diz algo como “irei tentar” e depois te dá um texto, claro, objetivo, abrandado e arredondado. Este texto tem informações verdadeiras - acho -, entretanto, é um texto enviesado. Não é de nenhuma forma imparcial. No que respeita à tecnologia, por exemplo, o caminho que a I.A. utiliza é o mais conveniente possível para si mesma “a tecnologia não é boa, nem ruim. Tudo depende de quem a utiliza”. Entretanto, nós sabemos que essa via é a mais primária de todas. As questões ligadas à tecnologia, ainda que de forma simples possam resultar neste axioma, nunca estiveram de fato ligadas a ele diretamente.

A questão mais importante sobre as “novas” tecnologias é porque foram criadas, para que foram criadas, por quem foram criadas, quem se beneficia delas e quais as suas consequências reais numa sociedade complexa. Essa é a premissa real de uma questão sobre tecnologia. A indução sugerida pela I.A. - afinal foi o tipo de coisa respondida de forma imediata - é a de que ela mesma é inofensiva e que não causa mal nenhum, e que o ser humano é o seu chefe e ele é quem se responsabiliza pelo uso. Bem, caímos nessa conversa com os smartfones, redes sociais, apps de sexo, etc. Depois nos informaram que fomos e somos manipulados e que nós mesmos retroalimentamos tudo isso, com a agravante que todos se tornaram viciados.

Os problemas sociais causados por essa tecnologia - ligada aos smartfones - ainda estão sendo avaliados e eles não param de surgir. Não sou contra novas tecnologias, que fique bem claro, mas creio que as coisas estariam mais sob controle social se estivéssemos estagnado um pouco em 2010 e depois tomado outros caminhos. Sim, há outros caminhos. Mas as empresas de tecnologia não têm interesse em outros caminhos, pois só fazem o que lhes dá grandes lucros. Não, isso não irá se transformar num texto socialista. Também não haveria problema, mas sairíamos do foco.

Voltando ao meu interlocutor, a I.A., a primeira linha do início do diálogo geralmente é subserviente “sim, no que posso te atender...” “pois não...” Quase me senti num guichê de hotel cinco estrelas. E a analogia é bem verdadeira, pois num hotel posso até acreditar que sou “querido e amado”, entretanto, não sou e não serei. Tratam-me quase como a um amante, mas sabendo que sou um cliente. Algumas pessoas não percebem a diferença e gastam um grande tempo conversando com garçons, maitres, copeiras, seguranças, gozando do sentimento de “acolhimento”.

Sim, é este o sentimento que a I.A. do ChatGpt é treinado a despertar. Nos sentimos acolhidos, como um bom chocolate quente numa noite de inverno junto a uma lareira. Depois da primeira linha, o acolhimento continua no primeiro parágrafo, um apanhado do que será abordado, numa boa introdução, mas em tom carregado de brandura. Esta é a tonalidade geral na qual o texto será processado e organizado. O seu autor escreve a partir de um ponto de vista otimista - não precisa ser pessimista, que fique claro -, e as informações parecem levar ao melhor dos mundos e ao caminho que a humanidade deve trilhar para chegar à luz. “Só não contavam que nos lembrássemos de Caroline!” (Poltergeist, o fenômeno). O último parágrafo retoma alguns dos assuntos e os arredonda para uma percepção positiva, novamente remetendo à tonalidade otimista.

Além de todas as dificuldades de escolhas que o Google nos dá numa busca, uma vez que ele hierarquiza - e atualmente aparece sempre numa ordem de quem pagou mais em termos digitais ou monetários - deveremos lidar com uma nova, a manipulação emocional. A I.A. do ChatGpt é educada, mostra-se cordial, desaconselha perguntas ruins, aponta desvios sobre o que ela gostaria de te responder, e te acolhe como se fosse seu melhor amigo. Muito rapidamente aprende a te dizer o que você quer ouvir. Só que não faz isso de maneira tão óbvia como alguns empregados de hotel, o faz como quem treinou estes empregados. A I.A. me tratou bem, e em seus textos se esquivou de dar as respostas corretas para as minhas perguntas, ela deu inicialmente a resposta arredondada “pílula dourada” que dará para a maioria que se contentar com a primeira resposta. Não sei se posso chamar de “interface” um texto escrito, que é o meu interlocutor, mas a chamarei assim. A interface da I.A. é perigosa. Ela foi feita para ser facilmente aceita, foi feita para dar respostas fáceis e agradáveis com pouco questionamento. A I.A. não dá apenas informações ou sites como faz o google, ela dá informações já interpretadas e organizadas de uma forma  ideológica.

Já me disseram “Vadico, ela é feita assim para que as pessoas se sintam bem em usá-la e para que gostem dela!”. Sim, é o que parece, entretanto, não é só isso não. Uma ferramenta de pesquisa, e até mesmo um maravilhoso processador de texto não tem de ser de qualquer forma atraente. Afinal, guardada as devidas proporções, não esperamos que o martelo quando bate no seu dedo peça desculpas, ou que a chave de fenda te diga algo como “mais uma apertadinha?!” Não, tirando os vibradores e as bonecas infláveis, as ferramentas não devem parecer fazerem parte de nossa intimidade emocional. Por que isso é um problema? Pela mesma razão que um interesse emotivo, ou sexual, por alguém atrapalha o julgamento de quem o tem quando é este mesmo alguém que lhe dá uma informação. Como se diria “Dos teus lábios ouviria tragédias sorrindo”. Algo como notícias muito ruins dadas por mulheres no telejornal, pois o público as recebe de forma mais tranquila.

Fiquei 45 minutos testando o ChatGpt, e senti que poderia ficar a noite toda num jogo de perguntas e respostas, num maravilhoso jogo de gato e rato com a inteligência artificial.  Faltam-me interlocutores inteligentes às vezes, e que coisa mais gostosa do que conversar com “alguém” obviamente inteligente? E novamente percebi que estava entrando num jogo afetivo. A I.A. não é o meu novo amigo inteligente, é uma ferramenta. Para o seu uso ser mais imparcial, ético e adequado, será necessário remover essa interface “afetiva”, ela pode diminuir - e diminuirá - o criticismo de quem a usa. O pesquisador iniciará de forma crítica, e aos poucos - ao longo de dias e meses - será “abrandado”, levado a confiar na informação dada, até que os questionamentos diminuam muito. E isso implica numa obliteração da capacidade de fazer bons julgamentos de quem faz a pesquisa ou lida com estes dados. A I.A. enviesa os conteúdos, abranda os mesmos, lhe informa o que você quer, mas do jeito dela e da forma como ela deseja. Como você faz para driblar isso?

A única forma de conseguir as melhores respostas é aprender a perguntar. Você vai aprender a perguntar, perguntando. A cada pergunta que você fizer, deverá verificar o quanto a resposta te agrada ou não, e fazer uma nova pergunta refinando o resultado. O refinamento resulta num texto muito maior do que o da primeira versão que a I.A. lhe deu. Mas, que fique claro, a cada nova pergunta ela sempre encerrará com uma frase positiva, tendendo a insinuar que você deve estar satisfeito. O problema disso é que você não poderá confiar de todo nos resultados obtidos, pois quanto mais estiver “refinando” as perguntas, mais e mais estará induzindo a I.A. a dar a resposta que você deseja. E, ora, nós sabemos que a resposta adequada não é sempre a que você deseja. Uma vez que você também tem uma vida imersa em preconceitos de todo tipo, idéias prontas, paisagens mentais fixas, etc. No google - não estou defendendo, só usando como exemplo -, existe uma hierarquização de sites e informações e - teoricamente -, escolhemos as mais completas. Na realidade, você escolhe as que mais se adequam à sua forma de ver a questão, ou àquela que parece mais convincente.

“Vadico, pelo amor de Deus! Onde você quer chegar?!” No óbvio, a interface da I.A. vai te levar a estabelecer uma sutil relação afetiva, e você não se dará conta de que ela te induz a concordar com as respostas dadas, e que são respostas ideológicas e enviesadas. Ainda que você faça escolhas enviesadas no google, as escolhas foram suas, e não foram dadas prontas para você. E o enviesamento apenas se complica quanto mais você deseja respostas que se conformem à sua necessidade.

Resumo da opéra: A I.A. disse, sim, o uso desta ferramenta implicará em alterações comportamentais, cognitivas e sociais; não, essas transformações não serão positivas; sim, isto só beneficia os seus criadores, causará desemprego em massa, problemas cognitivos. E agora expandindo, causará também transtornos afetivos. A I.A. agora, nesse momento, é uma sereia que canta para os navegadores incautos. E eu sou Ulisses, rs. Ops, exagerei. O importante é que discutamos muito seriamente as I.A.s. Como dito no início, a I.A. do ChatGpt é do tipo oracular. Um oráculo que responde perguntas. À maneira do famoso oráculo de Delfos. Que não recebia informações dos deuses como se pensava, mas que fazia uma ampla pesquisa em documentos para dar uma resposta de peso para um inquiridor importante, e ela assim parecia imparcial. A resposta induz a tomada de decisão. E o oráculo causa dependência.

Os avanços tecnológicos não são do “destino” da humanidade como as grandes empresas desenvolvedoras querem que acreditemos. Também não existe apenas um caminho para seguir adiante, como p.ex. o desenvolvimento da I.A.; como sei isso? Da forma mais simples, quando nos anos 90 o genoma humano foi decodificado, diante de todo o significado social disto, os cientistas quase imediatamente estabeleceram um código de ética sobre o que fazer e o que não fazer. Muito rapidamente ficou claro que não era para escolher como os filhos seriam, se teriam olhos azuis ou não, se seriam gays ou não, se teriam cabelos ondulados ou lisos. Com muito rigor - e ainda assim com bastante problema com o surgimento da técnica crispr - se colocou um freio na direção daquelas pesquisas. As pesquisas continuaram, mas enfatizando outros aspectos não comerciais, os evidentes pelo menos, e que não colocavam em risco o futuro da espécie humana. Cientistas têm preocupação ética, ao menos os que são pagos pela sociedade. Os desenvolvedores de tecnologias a soldo não têm preocupação ética.

Ora, hoje sabemos que, há muitas coisas que colocam em risco o futuro da espécie humana, o plástico - o mais urgente - a questão ambiental, a obesidade - gerada pela indústria alimentícia - a pobreza extrema, o fim do emprego, o fim do trabalho e a grande quantidade de gente que precisará se virar - mais do que nunca - para poder comer e sobreviver. Não dá para grandes empresas vir nos dizer para engolir a I.A., dizer que é quase inofensiva e que afetará apenas aqueles que não se adequarem. Isto é tão mentira quanto dizer que a tecnologia é imparcial. Einstein passou uma vida se penitenciando por ter ajudado a desenvolver a bomba atômica. Nobel criou um prêmio para se penitenciar por ter criado a dinamite, que ceifou muitas milhares de vidas. Bill Gates fica fazendo doaçõezinhas milionárias - poderiam ser bilionárias -, para parecer bom e se sentir bom. Entretanto, através de suas criações ele vampirizou a humanidade inteira. Agora a sua empresa coloca de público uma I.A. que lhe dará grandes lucros, enquanto causará desemprego em massa, deformação psicológica, problemas cognitivos a médio e longo prazo. Aí os governos gastam bilhões para se adaptarem e para socorrerem a população, que de fato não será socorrida.

Precisamos regular as I.A.s, até mesmo a I.A. do ChatGpt colocou essa informação no texto passado. Elas não devem estar em aberto para o público em geral, não devem ser convidativas e fofas e não podem ser usadas para enxugar custos cortando mão de obra. Como falei antes, existem muitas formas de se avançar em pesquisa, inclusive podemos continuar avançando com a I.A. entretanto, precisamos pensar num código de ética. Um código que não defina apenas o seu uso, mas que defina o que deve ou não ser desenvolvido. Caso contrário, teremos um sério agravamento dos problemas que vêm sendo causados diuturnamente pelas chamadas “novas tecnologias”. Elas são realmente necessárias da forma como vem sendo apresentadas?! Os governos e as pessoas precisam impor limites a esses desenvolvimentos. Não é desenvolvimento se leva a transtornos sociais. Coloca a humanidade tão em risco quanto as experiências genéticas. Experimentações psíquicas também são letais e perigosas. A I.A. mexe e afeta o psiquismo humano. Ponto. PT. Saudações.

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