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Coisa Obscena



“Luiz, chegou um sedex pra você” – me disse esta tarde um dos porteiros do meu prédio.

“Sedex?!” repeti. E logo ele me deu um pacote fechado, cujo formato deixava adivinhar o conteúdo. Exclamei feliz: “Um livro!”, pois era esperado.

Fui logo assinando o papel preso à prancheta, burocraticamente oferecida. E todo entusiasmado, confessei enquanto assinava, “Sabe, este livro eu nem sabia que existia, é o terceiro do meu escritor predileto!”

Aí, aconteceu algo muito inusitado, o rapaz que não chega a ter trinta anos, e é de longe o mais “mauricinho” dos porteiros, nada de cara de “tô nem aí” e nem aquela barriguinha bem fornida, é jovem e bem posto, então dá para se entender a minha surpresa. Ele me perguntou cheio de constrangimento, como quem perguntasse algo que me deixaria envergonhado se eu respondesse que sim. Difícil traduzir o tom da voz, a expressão do rosto, mas, assim, do nada ele tascou-me a pergunta, parecendo obscena: “Você já leu um livro inteiro?”

Durante um segundo, parecia que ele havia me perguntado, algo como, “você já deu o cú?” E claro, a resposta socialmente correta, seria: “Eu? Imagina, nunca...” Ao que ele sorriria e diria: “Nem eu!”

Mas, acho que fiz a coisa errada como sempre. Fui dizendo surpreso a verdade: “Já! Claro que já!” – E diante da sua cara de estupefação, sem acreditar que alguém pudesse ser assim obsceno, ainda tive de afirmar para que me cresse: “Eu sou escritor!”

Então, perdendo a deixa que eu deveria ter lhe dado, ele comentou – e não como confissão – mas como constatação que dizia algo positivo sobre si: “Eu nunca li um livro inteiro. É muito chato!”

E eu ainda sem a menor noção, fui logo incentivando: “Ah! É gostoso depois que você acostuma! Faz o seguinte, leia um gibi! Depois você passa para um livro com figuras”. E fui segredando-lhe: “Quando eu era criança, lia de uma figura até chegar à outra!” E olha que isso para mim é um verdadeiro pecado que guardo a sete chaves.

Ele sorriu meio amarelo. Foi uma situação obscena onde eu parecia ter lhe dito: “Olha, já dei o cú e é gostoso, vou te ensinar como se faz!” E, ele quase disse: “Deus me livre!”

Realmente, o mundo anda estranho. Parecia haver certa glória em admitir jamais haver lido um livro. E eu olhando estupefato, “O que é que há?! Este cara é um jovem...”

Como não ler?! Sou de uma família de semi-analfabetos, e não aceito esta estória de condição social, então, escrevi isso não para questionar o jovem que nunca leu um livro, mas para registrar o meu espanto, pelo seu sentimento de obscenidade diante do que seria este gesto.

Agora, não sou apenas escritor, mas um produtor de obscenidades! Ei, acho que isso é um progresso!

 


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