Todo mundo repete em seu
cotidiano como elogio ou crítica "Você que escolheu isso!”
Mas resta a quem ouviu a frase
pensar sobre a natureza das escolhas. As pessoas falam sobre isso como se as
várias opções fossem dadas pela nossa imaginação, basta-nos escolher uma delas
e desenvolvê-las como se fosse uma redação primária. Quando geralmente, e
infelizmente, estamos envoltos por um mundo que nos impõe situações e pessoas e
constantemente nos pede para fazer escolhas. E nos pede para fazer escolha entre
coisas que nunca desejamos. E escolhidas, eis aí a responsabilidade a recair
sobre as ações...
Podemos ser bem sucedidos nessas
escolhas. E nos tornarmos pessoas bem sucedidas e até exemplo para a sociedade.
No entanto, quando você olha para trás e verifica como é que chegou até neste
ponto, passa a entender por que não está satisfeito, mesmo quando as pessoas elogiam.
Em outras palavras, nosso caminho
se desenvolveu por uma infinidade de escolhas, postas em situações que nem
sempre criamos, mas cujas condições nos foram dadas. Então se pode ser bem
sucedido nas escolhas e na vida e obter sucesso reconhecido, mas satisfação tem
pouco a ver com isso.
Infelizmente demora muito para
percebermos esta verdade tão simples.
Passamos a maior parte do tempo
como ratinhos de skinner, correndo, babando, rolando, abrindo e fechando
portinhas quando uma luz se acende e apaga. E nem nos perguntamos por que
estamos naquela caixa, e nem quem acende e apaga a luz, e muito menos como os
prêmios e frustrações chegam. Apenas, ficamos felizes quando as falas e gestos
estão certos, pois somos premiados.
Bem, mas isso não nos faz
humanos, não é?! Afinal, ratos também se dão bem neste jogo.
Seria bom escolher,
verdadeiramente escolher. Tão somente a partir dos nossos desejos. Seria tudo
tão gratificante. Poderíamos dizer: hoje quero ser uma pessoa nova, e pronto,
seriamos novos. Hoje desejo seguir aquele caminho que deixei lá atrás... E
pronto, estaríamos trilhando outro caminho. Mas a farsa disso tudo é que de
nossas escolhas dependem a manutenção cotidiana da nossa vida e a das pessoas
que nos são próximas e da passagem do tempo. E mesmo que fossemos milionários,
ricos o bastante para escolher o que quiséssemos, ainda assim, estaríamos escolhendo
diante de coisas desconhecidas, situações não pedidas, pessoas estranhas, que
só se revelam em meio às tempestades...
Eu gostaria de voltar ao passado
e fazer outras escolhas. No entanto, se as condições fossem as mesmas eu as
faria idênticas novamente. Fiz boas escolhas, mas as condições eram injustas.
Por isso justiça social, justiça econômica, justiça de condições são
importantes. Para que diante de condições mais dignas nossas escolhas possam
ser menos determinadas.
Ainda ontem um grande amigo se
mostrou preocupado comigo, pois numa frase, diante de minhas elucubrações de
insatisfeito, afirmou: o pior é que você é capaz realmente de jogar tudo para o
alto e começar de novo! Só décadas de amizade permitiram que esta afirmação
fosse feita. E, não sei se posso, pois já não sou o jovem que julgo ser, mas
sou o homem que cunhou sobre si mesmo a frase que define a sua vida: “O
aperfeiçoamento do erro”. No entanto, do alto da minha imaturidade, estou
desejoso de cometer acertos. Uma vida, talvez menos bem sucedida, mas mais
verdadeira.
E o que é uma vida mais
verdadeira? Uma que não se coadune apenas às melhores escolhas. Moro próximo ao
trabalho e isso foi uma escolha acertada. Mas isso me obriga a um ar poluído e
seco, a não ter cães no meu apartamento, a não ter silêncio e nem sossego.
Poderia me mudar, claro, mas isso teria consequências sobre a bem sucedida
relação anterior, por que como todos sabem, moro em São Paulo. Então eu poderia
ter uma casa, sossego e cachorros, mas teria de passar horas vindo para o
trabalho. E isso dificultaria o prazer e a manutenção de todo o resto.
Hoje a única satisfação que nos é
socialmente permitida é o sucesso profissional e a exibição deste para seus
semelhantes. Em nome disso, carros luxuosos, bares e restaurantes da moda,
roupas de grife, baladas caras, viagens culturais, fotos em redes sociais... Podemos
e devemos ser lindos e saudáveis, somos cobrados por isso. Temos todo o
incentivo do mundo para sermos escravos do sistema, e se formos bem
escravizados temos direito aos seus prêmios. Mas, olha lá, que prêmios são
esses? Um novo Ipad? Um novo computador? Uma ressaca? Os olhos dos “infelizes”
postos em nós cheios de admiração ou inveja? Ah, quem se satisfaz com essas
tolices?!O que não posso levar comigo em qualquer momento da vida, sobra.
Se você obtiver sucesso nessas
escolhas nas condições dadas, você será visto como feliz, mas será mesmo? E o
pior, se você não fizer as escolhas adequadas, neste amontoado de condições
injustas, poderá viver carregando a culpa de não ser o que lhe pediram para
ser. Sempre insuficiente. E aí, por não atingir as condições necessárias,
viverá, se divertirá, com o arremedo de todas aquelas coisas. E para não rir de
si mesmo, rirá de quem está supostamente na situação socialmente acima, ou na
logo abaixo da sua.
Se eu gostasse de Carnaval talvez
achasse estes enfeites realmente interessantes. Mas, não tenho vocação para
desfilar pela avenida, por mais que pareça que o faça. E se desfilando ao acaso
ganhasse o prêmio e levasse minha escola de samba à apoteose, ainda assim, eu
não saberia o que fazer com isso. Pois seria “o aperfeiçoamento do erro”.
Que vida é essa que estamos
vivendo? Não estamos pagando (econômica, social e moralmente) um preço alto demais
por tão pouco?
Arrastamos uma carga imensa de
trabalho, de deveres e mais deveres, obrigações sobre obrigações, e quando
estamos estafados, o que temos como paga? Direto a consumir a diversão. Direito
a repetir códigos sociais em diversos grupos, que no fundo fazem todos iguais
jurando serem diferentes.
Quero fazer escolhas novas.
Escolhas que sejam mais justas comigo, que agradem ou desagradem ao mundo, mas
que tornem a minha vida mais suportável. Pois se você conseguiu ler tudo isso
até aqui, já deve estar pensando também... “suportável”, apenas suportável.
Morar, comer, ler, beber, dormir, procriar, não são coisas tão caras que não
possam ser atendidas com menos desgaste. Todos sabemos disso. Mas insistimos no
“aperfeiçoamento do erro”. Está errado, todos sabemos que está. Mesmo assim,
buscamos fazer o certo do errado, melhorar as condições que foram dadas,
lustrar os sapatos velhos e continuar caminhando.
Mas o que é que há?! O erro deve
ser abandonado, e não melhorado, pois a premissa está toda errada, não iremos
nunca chegar ao melhor para nós, acrescentando pedras, tijolos e paredes sobre
um alicerce frágil. Se a casa não cair hoje, cairá amanhã. Não importa o quão
bela ela tenha ficado em sua aparência e nem quantas pessoas importantes, ou
não, ela recebeu antes de ruir.
Não, não estou deprimido, só refletindo!
Melhor que o Domingão do Faustão, para mim.
Agora, se você sente-se bem com
todas essas coisas que te cercam, e que elas sejam assim, e continuem assim, se
você ri de comédia, se você chora em filme triste, se você baila despreocupado
e feliz, e depois trabalha sem se importar de todo com o que faz, fica em paz,
você está bem.
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