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À Procura de um Conto

Não posso chorar por que estou de lentes de contato. Essas coisas tolas que descobrimos na vida. Quando a esteira não basta e o chocolate não sacia... apenas coisas más e ruins fermentando... “O Reino dos Ceús é como uma mulher que escondeu uma medida de levedo em três medidas de farinha e fermentou a massa toda...” Não é apenas o Reino dos Céus que fermenta... os pensamentos mal-sãos também. As dores chegam a florescer, mas não choro, porque estou de lentes.

Pelos meus olhos entraram tantas pessoas pobres hoje, que sinto que há areia neles. Os pobres saem no Natal, são como baratas no verão. Se são pobres? Oportunistas? Necessitados? São estrategistas. Têm filhos para explorá-los. Será que amam ou cuidam? O que é o amor quando não foi aprendido em casa? Sempre repito como despedida para aqueles que são meus amigos “que os humanos lhes sejam leves...” Sim, aos poucos a humanidade se tornou uma carga, uma pesada carga, incompreensível e pesada demais para ser carregada. Malthus não foi o pior cara que passou pela terra, mas com certeza, bem menos popular do que o autor do Gêneses, “crescei e multiplicai-vos...” Quanta criança sendo feita todos os dias só para as pessoas dizerem que têm filhos, que desespero é esse para trocar fraldas? Não se pode entender tanta irresponsabilidade cotidiana... O shopping Ibirapuera estava lotado, mas se as pessoas de lá emagrecessem caberia trinta por cento a mais de gente.

“Com a medida que medires sereis medidos...” Acho que a frase é um aviso, mas não me incomodo, meus juízos são cruéis, mas pode me tratar com crueldade... me viro bem com isso. Sempre dizem que “quem tem telhado de vidro não deve atirar pedras no telhado do vizinho...” E eu sempre respondo que dou conta de consertar meu telhado... A falta de autocrítica nos levou onde estamos, não é bom continuar alimentando isso. Passei do amor ao desamor pela humanidade, mas desamor não é ódio, é só raiva, profunda e calada raiva que não pode ser expressa e nem exercida. Olho para os humanos e vejo seus incomensuráveis talentos... eles só vêm suas necessidades básicas... e elas se resumem a comida, sexo e amor... Pelo Amor de Deus, o que é o amor? Alguém sabe me explicar que porra é essa? Prometo, não vou definir nem criticar, mas toda hora irei dizer: que porra é essa? Você sabe o que é? Você já viveu? Você tem? Será que a Terra e a Lua são um caso de Amor? Afinal parece que tudo o que desejam é estarem juntas... orbitando, presas, uma iluminando a outra, coisa cega e louca.

Para aqueles que irão criticar minhas excessivas reticências ao longo do texto, já aviso, eu uso mesmo. Elas não são reticências reticenciosas, são momentos de reflexão, momentos de oração eu diria. São suspiros, baforadas no cigarro, então acostume-se. Eu queria contar um conto, escrever algo novo e pós-moderno. Ou, apenas uma boa estória que se passasse em nossa época... Mas, se os personagens saírem da realidade, que merda vai ser este conto? Fulano matou cicrano, motivo? Qualquer um serve. Crise existencial? Não vende. Já viram a “auto-ajuda” como está? Os livros mais populares são escapistas, e os mais realistas não têm nada a dizer, por que a realidade tá vazia. Já viram estes livros que têm escritores como personagens? Absurdo completo. Afinal, como escritores, que são em geral masturbadores compulsivos, podem ser personagens de algo? Só fluxo de pensamento e olhe lá... Mas tá fora de moda.

Bem, de repente isto vira um conto de vampiros, afinal “é o que tem pra hoje”...

Viram como é difícil escrever algo? Poderemos eu e você, eu e vocês, passarmos horas e horas, sem realmente termos nada a dizer e nada a ler. Será que o importante é apenas nos ocuparmos? Quando escolho um livro para ler gasto dias, às vezes semanas visitando a livraria, abrindo livros ao acaso, vendo se a escrita me convence. Pasmem...demoro cada vez mais para escolher um livro. Todos se parecem, a escola de escritores formou uma penca de gente tudo igual e parecida. Não que eu curta “literatura” mas gostaria de ver alguém com personalidade escrevendo pra variar. Em algum lugar houve um bom “designer” de textos massivos, e lá foram os escritores tayloristas para a linha de montagem...

O que descubro agora é que cigarro e lentes de contato não combinam, infelizmente nem quando o cigarro é o meu... Os olhos se arrastam por elas, como se fossem uma praia, e as lágrimas não descem...

Bem, os leitores lêem e os escritores escrevem, deve ser por isso que escrevo, mesmo quando não sei sobre o que vou escrever afinal. Será que essa é minha personalidade? Terei algo a contribuir no mundo das letras? Pergunta vã. Me licho pro mundo das letras... Só compartilho aquilo que meus olhos vêem. Sou astigmático, míope, presbiope, você pode ficar na dúvida sobre minha capacidade de enxergar a realidade. Tudo bem, eu o compreenderei. Mas pense, quem mais se preocupa com o olhar senão aqueles que podem perdê-lo?

Então, sou um olhador. Não um voyeur, mas um olhador. Olho e olho e às vezes não vejo. Olhar me dá algum prazer, mas não, isso não me sustenta. Então, vasculho, procuro uma estória, mas...paradoxalmente elas estão dentro, nunca fora... então é inútil olhar para o mundo. Se não, deixo de ser escritor e viro jornalista. Quero escrever alguma coisa que comova as pessoas, que elas sintam e sofram junto com a personagem... Nada mais fácil, um pouco de técnica e isso facilmente se consegue. É disto que estou falando, paixão! Falta-me, falta-nos, paixão. Paixão, desejo tão forte que vira gesto! Não falo de amor (que porra é essa?) Falo de paixão, aquilo que é capaz de me mover e te mover, me tirar do lugar e de te tirar do lugar. Mas enquanto isso não acontece, ficamos eu e você, aqui, fazendo hora.

Sempre que quero me emocionar vou pra antiguidade, mas parece inútil agora, depois que escrevi um livro inteiro que se passa lá. Alguns me dizem que as estórias poderiam se passar em nossa época, mas, bobagem... nada pode se passar em nossa época, apenas acidente de trânsito. Poderíamos falar do grande incêndio de Roma? Ou dos últimos dias de Pompéia? Quem sabe da vida sexual de um Gladiador? Tudo já foi feito e refeito. Uma estória de detetives na antiguidade? Já foram feitas várias. Alguma coisa chutando a Igreja Católica? Batido demais. Bem, de repente uma biografia encomiástica de Bento XVI! Esquece leitor, como eu sempre digo: há limites!!

Já que pensei em algo velho de vestido, que tal uma estória sobre senhoras idosas? Um computador mau apagou uma estória que escrevi uma vez, Dona Catarina. Fantástica a velhinha! Baseada num fato real, ela era apaixonada telepaticamente por seu psicanalista, que de acordo com ela retribuía suas intenções libidinosas... Sempre vejo ela por aí. É o que acontece quando perco uma estória, não consigo reescrever, mas ela continua me habitando... É só esbarrar numa velhinha magrinha, de cabelos branquinhos, mirradinha com seu vestidinho leve, sapecado de florzinhas discretas, e pronto, lá está a dona Catarina. A mulher mais insuspeita que se pode imaginar. Viúva, amarga, cheia de vida, com jeitinho ingênuo e bom, sorriso meigo...

Lembro-me que Dona Catarina me contou uma vez que estava num elevador. Mais de vinte andares de prédio, o tédio quase a estava abatendo... de repente entrou um rapaz, vinte e poucos anos, garotão mesmo. Jeito de surfista, cabelos loiros queimados de sol, pele bronzeada, corrente no pescoço, camiseta leve e sensual fazendo os músculos transparecerem... Os olhos verdes... cheios de luz, e com aquele jeito dos jovens, ignorando uma velhinha ao lado, como se fosse uma presença incômoda. Ela desejou-o por dois andares...

O tempo parecia que não iria passar... então ela apertou o botão de emergência. Travou o elevador. Antes que ele reagisse, sacou uma arma da bolsa que levava à tira-colo. Apontou para ele, que pálido, não reagiu, nem disse palavra alguma. Ela abriu a bermuda do rapaz... apalpou o pau dele... molinho e assustado. Não teve a menor duvida, se abaixou, mantendo a arma mirada pra cima... e botou na boca o pau do cara... Não quis nem saber, aproveitou, aproveitou, aproveitou... o pau até subiu... Poucos minutos depois, o zelador vinha abrir o elevador. Ouvindo os ruídos, ela parou o serviço. Calmamente, continuou mirando o revolver para o rapaz. Gelado de medo... olhou-o friamente nos olhos e disse: Na próxima vez faz este pau subir mais depressa!!

Guardou a arma calmamente. O zelador entrou no elevador e ela disse toda tranqüila: Ufa! Pensei que ninguém viria... O Jorginho, rapaz louro que foi mamado, simplesmente ficou calado. Afinal, o que ele diria? Quem acreditaria nele? A mulher tinha mais de oitenta anos... Ela saiu tranqüila pela porta. O Zelador vira pra ele e pergunta: Tá assustado, cara?! Foi só uma parada no elevador, que vergonha até a Dona Catarina estava mais tranqüila! Jorginho respondeu gaguejando: É... uma velhinha bastante calma e...generosa...

Dona Catarina, solta pelo mundo, por causa do meu maldito computador vive aprontando coisas... a última dela foi um tal de “fio terra” você sabe leitor o que é um fio terra? Não sei se descrevo. Enfim, é uma moda nova... se acautele quem tem cú. Ela até corou ao me contar, quando estava transando telepaticamente com o psicanalista, mandou ver com o dedo no cú dele. Vermelha ou não, ainda contou vantagem, disse que ele adorou!

O seu Antônio é outro velhinho que escapou da literatura, às vezes quando está no ônibus, finge que não entende nada, quando ninguém espera ele tasca uma escarrada no pé de alguém... depois faz aquela cara de bom velhinho e diz: Desculpe meu filho... desculpe mesmo... Depois, desce sorrindo do ônibus e pega o próximo para repetir a façanha.

Pois é... acho que fazer estória com pessoas jovens atualmente não deve dar nenhum drama interessante, então vamos pegar aqueles que vieram do passado. A abertura da nova geração permitiu que eles colocassem as manguinhas de fora. Eles ainda não se aventuram nas boites, mas com certeza os bailes da saudade estão cada vez mais vazios, encontramos eles na internet, teclando, conversando, mentindo. A última da dona Catarina foi marcar um encontro com um garotão, que ao vê-la não entendeu nada. Ela conseguiu fazer com que ele se sentasse numa mesa para tomar um café. Abriu a bolsa enquanto o meninão fazia cara de neto perdido. Botou um pacote de dinheiro sobre a mesa e deu uma risadinha safada para o moleque. Ele ficou vermelho... e disse: Pagando bem, que mal tem?!

Apesar da idade, Dona Catarina quase reeditou garganta profunda. O molecão se empolgou com a voracidade da mulher e reeditou Coração Satânico, fiu!!! E, eu aqui, escrevendo. Preciso aprender mais com meus personagens.

A única coisa chata é que Dona Catarina está presa agora. Ela surpreendeu seu psicanalista tendo um caso telepático com outra paciente. O mesmo revolver que servia pra conseguir fácil uma chupeta fez um buraco na cabeça dele. O delegado até hoje está pensando na vida. Se senhoras doces e gentis podem fazer isso... o que não farão os outros?

Quando me mudei para este prédio eu conheci a Dona Catarina, pessoa real, cujo nome evidentemente não posso escrever. Foi fantástico, ela era igualzinha minha personagem. Estava ao lado da irmã gêmea. Imaginem Rute e Raquel aos noventa?! Ela ficou impaciente com as suas pernas que demoravam a obedecê-la para entrar no elevador, reclamou da idade. E, eu querendo ser gentil, por que nestas ocasiões sou bom moço, disse: Bobagem, a senhora está muito bonita e conservada... Ela enchendo-se de fúria me respondeu: Odeio ser velha!! Se pudesse eu morria! Faz trinta anos que odeio ser velha!! Acho que o silêncio que se seguiu foi o suficiente.

Eu entendo a velhice, ah... como entendo. Sei bem o que ela queria dizer. A velhice é a idade da transparência. É uma coisa complexa. Você tem sangue, carne e ossos a vida inteira, aí envelhece e fica transparente. Ninguém mais te vê como uma pessoa. Os jovens ficam do ladinho no mesmo elevador, na estação de trem, no ponto de ônibus, e fingem que não te vêem. As suas opiniões são ouvidas pelos familiares como se fosse uma caridade que te fizessem, isso quando são ouvidas. E você que entendeu de tudo a vida inteira, agora é sempre acusado de não entender nada. Se morar com os filhos e netos, a coisa ainda é pior, tem cachorro que recebe mais atenção e respeito. Então, quando Catarinas e Antônios começam a reagir, eu entendo, e como entendo.

Imagine leitor, crescer, ter família, se desenvolver numa época de grande repressão emocional e sexual, e aí, quando você chega á idade madura... todo mundo pode o que você nunca pôde. Mas, agora, agora você é transparente... Como eu disse antes. Adoro olhar e sempre vejo as Donas Catarinas e Antônios por aí... Sedentos, não de sexo, sexo “pagando bem...” mas de visibilidade... E, na verdade a transparência adquirida nesta idade, é extensiva a várias categorias... Os miseráveis são transparentes... Os gordos deploráveis são transparentes... Os feios... transparentes. Até que tomem alguma atitude, sejam dominados pelo gesto. Saem da passividade e vão pra ação. Mas, com exceção de dona Catarina e Seu Antônio, por que fariam isso, não é? Por que a transparência tem outra capacidade, a de esvaziamento... o transparente é tão ninguém que até ele mesmo assume a sua condição de fantasma. Morto em vida, assombração que vagueia pelas aléias. Não assusta ninguém por que não tem substância suficiente. E, claro já está morto.

É por isso que não me meto a falar de amor. Afinal, que porra é essa? As pessoas passam a vida inteira correndo atrás de um negócio sempre insatisfatório, ou satisfatório por pouco tempo e depois envelhecem, adornadas pelo berço esplendido do desprezo e da solidão. Será que não seria mais fácil gastarmos nosso tempo emocional com alguma coisa que valesse mais a pena? Claro que um revolver não resolve tudo na hora de conseguir sexo, nem dinheiro, mas não é de sexo que estamos falando não é? Na verdade tudo isso começou com a minha dificuldade de dizer algo que valha a pena sobre a realidade. Então... eu disse. Não sei se é importante, sei que não é comovente, sei que não é pasteurizado e sei que é meu. E o Amor? Bem, foi o que eu disse leitor: Que porra é essa? Bem, é isso. Minha vontade de chorar passou e enfim não retirei as lentes. Sempre que os humanos quase me fazem chorar, poucas linhas depois me lembro de que não tenho motivos.

Comentários

Sérgio disse…
Gostei! A princípio, ácido pacas... depois virou piada, agora fiquei com medo de pegar elevador, vai que me aparece uma dona Catarina ávida pra recuperar o tempo perdido. :)

Bem-vindo ao mundo dos humanos versão 2.010 - as coisas não andam uma maravilha, mas tenho fé, nós vamos chegar "lá", é uma pena que eu não vou mais estar vivo pra ver isso. O ser humano entre outras coisas é muito devagar pra mudar, ou será o tempo que passa muito depressa? (O ovo ou a galinha? Que profundo!) :)

...ah! eu também uso muito reticências...

Qto ao amor! Ah! O amor... só pra você ver como o amor é bom! Eu costumo aprender as coisas com uma certa rapidez, mas quando levei um pé na bunda há dois anos atrás, quase pirei, só agora que eu consegui superar...doeu pacas... e parece que mesmo assim, sendo um cara que aprende as coisas com uma certa rapidez, não aprendi com a dor do amor, pois quero amar de novo - alguma magia tem que ter nesse negócio chamado amor, pois não sou nem masoquista, nem burro.

Como diz Milton Nascimento... vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer. Vive-se muito bem sem amar (estou falando do amor entre dois seres humanos, aquele que tem fuc-fuc), mas VIVE-SE melhor amando... já está até provado cientificamente. Eu recomento!

Gostei dos textos, comecei de baixo pra cima, portanto o primeiro do blog, é o último que li e cuidado com as donas Catarinas.

Um abraço.
P.S. Qdo falei do amor com fuc-fuc, é porque existem vários tipos de amor. É isso!
Luiz Vadico disse…
Valeu, Sérgio! Principalmente pela paciência da leitura hehhee. Acho que este saiu um pouco longo. Mas, mesmo assim..saiu, obrigado pelos comentários.
Unknown disse…
Nossa Luiz esse foi no ponto, fantástico!
Quem sabe o que é o amor?
Quem sabe se os esforços valem a pena?
E as "dona Catarina" da vida real são tantas... é de dar pena uma sociedade que não valoriza quem as formou! Sem falar dos outros transparentes... enfim, foi disso que eu falei, algo profundo, crítico com um tom de humor que na verdade é mais sarcasmo!
Abraço.
Luiz Vadico disse…
Valeu, Nayana, Fiquei muito feliz por você ter gostado.Abração
Unknown disse…
amorzão adorei o novo formato!!

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