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Os Homens, a História não contada. A natureza do relacionamento afetivo. O que é um casamento gay

            Hoje vamos falar de outra história não contada, um pouco das relações sexuais e afetivas gays e, sobretudo, o casamento. Que seja eterno, por quanto cheio de variações.

A busca pela plena felicidade faz parte dos direitos humanos

            Apesar do esforço da militância no país (ela sempre foi muito pouco numérica e jamais soube explorar o evento de massa no qual se tornou a Parada Gay) quem de fato participou e providenciou, efetivamente, a emancipação gay foram as empresas e o sistema capitalista ao descobrirem o mercado que isso significava. São mais de seis bilhões de reais de lucro no Brasil todos os anos e ainda está crescendo. Isto quer dizer que, nos termos do Capitalismo, está bem deixar que a Cultura Gay promova a vida louca e a promiscuidade para seus componentes, pois ela faz com que os gastos aumentem. Ainda que hoje tenhamos a possibilidade de adoção de crianças para a constituição de uma família com laços duradouros e benéficos, observe-se que ela não é incentivada. A adoção, esta sim, foi uma conquista da militância política, ela um quesito que se propõe pela humanidade, todo o resto não.

            Em 2002 quando estava vivendo meu primeiro e único “casamento” com um rapaz bem mais jovem que eu e muito romântico, recebi uma ligação de vendas. Era o Credicard me oferecendo um cartão de crédito, o vendedor me falou das vantagens e muito blá blá blá, e lá pelas tantas, me informou que eu poderia ter um cartão extra para minha cônjuge. Ao ouvir isso meu sinal de romantismo se acendeu, e perguntei: “E se não for uma, mas um cônjuge? Pode?!” Houve um momento de silêncio, depois o vendedor, pediu para aguardar que iria consultar o chefe, depois voltou esfuziante: “Pode sim! Vamos fechar?!” Fui logo respondendo, “Vamos, sim!” E já fui dando os nomes dos dois. E eu e meu cônjuge passamos a dizer que éramos casados, e provávamos, casados pelo Credicard!

            Este tipo de comportamento passou a ser regra nas empresas antes de haver lei que o amparasse. Essa é a importância do Capital nos Direitos Gays. O Capital aceitou e incentivou aquela massa de rapazes, deu visibilidade cotidiana e reconheceu o seu valor (econômico). Enquanto isso, mais de uma década depois, o Congresso Nacional não fazia nada, o movimento gay não conseguia nada, e aí instado o judiciário julgou a questão e a união civil passou a existir como família. Nós gays devemos tudo ao nosso dinheiro (açambarcado por uma cultura consumista que nos consome), e ao judiciário deste país. Nada seria possível sem o movimento gay, mas só com ele nada teria acontecido.


União civil e Casamento gay, um direito, plena cidadania


            No ano de 2001 o Judiciário permitiu a União Civil, dez anos depois a União Civil estável, que não era casamento. Uma vez estável foi homologada em célula familiar e todos os direitos extensivos a ela foram concedidos. Pouco tempo depois, alguns casais transformaram, via cartórios, a união civil em casamento. Este passo foi importante, e novamente, avançamos para o Casamento homossexual, em 2011, com todas as garantias constitucionais. Foi uma grande vitória que se deu com muita luta e só possível com a interferência direta do judiciário. Se dependesse do Congresso Nacional até os dias de hoje não haveria casamento gay. Ainda que seja uma conquista, minimamente humana e necessária, devemos nos demorar um pouco sobre essa questão. É importante deixar claro, que não obstante as definições conceituais do que seja casamento, este ato significava o direito à igualdade com as pessoas heterossexuais. Mais que relacionamento, a palavra “casamento” significou a igualdade perante a lei.

            Como homem e mulher se casam desde a Idade da Pedra, é natural que com o passar do tempo diversas mudanças sociais recaíssem sobre o status e a forma do relacionamento do casal. Para nós gays a idéia de “casamento” era uma novidade extrema, como eu disse no início de todos estes textos, a idéia de relacionamento marital não existia de forma alguma entre os homens que gostavam de homens. Nem entre eles e nem na sociedade. Aos poucos, nos anos 80, mais ao final, e depois ao longo dos anos 90, sobretudo no âmbito da Unicamp, em Campinas, nos perguntávamos o que era um “relacionamento gay” e seu desdobramento quase natural num “Casamento gay”.

            As coisas que nos pareciam socialmente naturais, na realidade não eram. O que entendíamos até aquele momento por relação gay era o namoro (e até hoje essa forma prevalece). Ainda que tivéssemos as novas necessidades em relação a saber o que seria esse relacionamento, ao mesmo tempo os gays não estavam apartados do mundo e da sociedade. Então, as transformações no relacionamento a dois também resvalava nas nossas questões. Quando surgiu a possibilidade de dois homens se unirem, os casais heterossexuais já estavam frequentando casas de swing. Então, nem tínhamos tido o gosto de nos casarmos e a sociedade já estava questionando como deveria ser essa relação. A forma do casamento estava em crise.

            A diversidade de comportamentos e opiniões no mundinho gay não é em nada diferente dos das outras pessoas, a única diferença é que se dá num numero de pessoas e num espaço mais limitado. Mas estas diferenças são importantes, pois pessoas que sentem e pensam de forma extremamente diferentes são obrigadas a conviver. E se tratando de uma quantidade não muito grande de pessoas, as relações afetivas se repetem. P.ex., num grupo grande de amigos, fulano pode ter namorado cinco ou seis dali, e cicrano namorado todos, ou ficado com todos. “Ficar” todo mundo sabe o que é.

             Já vi situações constrangedoras nas quais uma pessoa já havia se relacionado sexualmente com mais de dez pessoas de um grupo e namorado outros tantos do mesmo grupo. E quando um dos seus ex-namorados mostrou interesse por outro dos seus ex-namorados, perguntou se ele se importava. Respondeu com bom humor característico: “Amiga, não existe reserva de mercado!” Isso pode demonstrar liberalidade nas relações ou dar a entender que todo mundo é promíscuo e azar de quem não é. É preciso aceitar que “lavou está novo” e que “ninguém é de ninguém”; inclusive isto é aplicado a relacionamentos que terminaram poucas horas atrás.

            Não estou mais em meio a casais não homossexuais para saber como estão se dando essas relações, então não critico os gays, só não sei como vão os heteros. A grande discussão entre nós nos anos 90 era saber qual era a natureza de um relacionamento homossexual, ou melhor, gay. Entre as lésbicas nós sabíamos como era, ao menos no cotidiano de uma cidade pequena. Uma era a “caminhoneira” ou “sapatão” e a outra era a “sandalinha”. Os nomes eram usados assim mesmo entre elas e entre nós. Em outras palavras, na maioria das vezes o papel entre a mais masculinizada e a feminina eram bem claros. Entre gays, ao longo de anos praticamente não vi relacionamento que imitasse de todo o relacionamento hetero como “Marido” e “Esposa”, vi apenas um, mas devia ser exceção. Era algo tipo anos sessenta, um era efeminado e ficava em casa, lavando , passando, cozinhando, cuidando do seu homem; e ele, por sua vez saía pra trabalhar e sustentava a casa. Em outras palavras, havia um gay vivendo, depois dos anos 2000, o que ninguém aceitaria mais.


Escolha de papéis nas relações e no casamento?


            Perguntávamo-nos qual seria a natureza de um casamento gay. Seria uma imitação do casamento homem/mulher (ativo/passivo)? Um relacionamento a dois? (versátil/versátil). Relacionamento entre ativo/ativo e passivo/passivo, não eram nem se quer imaginados por nós naquele período. Pois - em nossa ingenuidade - se os dois homens querem ser ativos, quem vai “dar”? E se os dois querem “dar” quem vai ser ativo? Diferentemente das lésbicas o pênis permeia nossas relações. Então, tendo em vista a vitória da ciência sociológica sobre o nosso comportamento, quando pensamos numa relação sexual ou afetiva com alguém, logo depois de sorrir vem a pergunta fatal: o que você “curte”?

            E não é de Madona que se trata, mas sim se você é ativo, passivo, versátil, flexível ou gouinage (atualmente tá na moda, são os que ficam se lambendo). Ainda que qualquer pessoa de bom senso possa dizer que “tanto faz”, pois homens têm os dois lados e o importante é a pessoa; no mundo gay o filme pornô se transformou em realidade, necessariamente essa pergunta é respondida, e diz do lugar que você irá ocupar na relação. Fica evidente, do ponto de vista humano, que é bem mais difícil encontrar um relacionamento desta forma. Afinal, de repente você prefere ser passivo e encontra o homem da sua vida: inteligente, lindo, culto e rico, mas ele é mais passivo que você. Pronto, o homem da sua vida foi eliminado. Numa relação hetero, isto não ocorreria.

            Se você é só passivo ou só ativo e se casa com um versátil (faz as duas posições), em algum momento ele irá querer dar uma variada, o que significa que irá te trair ou sair com outra pessoa com a sua permissão. Nestas circunstâncias o flexível leva vantagem, pois de vez em quando ele muda de posição. Todas essas dificuldades devem ser pensadas, pois de alguma forma ainda não se resolveu este problema de natureza da relação.

            A natureza da relação entre dois homens passa pela própria natureza biológica do homem. Nos anos 90 para nós isso era muito claro. Se não podíamos dizer que a maioria dos homens é ativo, poderíamos dizer que a imensa maioria é “galinha”. Infelizmente não é o que eu acho da realidade que a faz, mas o que ela é que termina por prevalecer. Gays ou não gays, por alguma razão estranha parece que os homens têm mais tesão do que as mulheres (não irei discutir este assunto) e uma grande necessidade de variar. A razão estranha é a testosterona, e se não somos determinados por ela, garanto que a luta conta ela é insana.

            Tendo em vista a diferença de natureza entre homem e mulher, se estabeleceu a relação marital consagrada pela sociedade. Entretanto, dois homens que possuem uma natureza, mais ou menos semelhante, que tipo de relação estabeleceriam?! Seriam um casal romântico? Seriam os “guerreiros espartanos”? Seriam o estereótipo de “Gaiola das loucas”? Seriam os “dois caçadores”, que saem na noite procurando um terceiro para o sexo? Ou ainda os ultramodernos se dizendo completamente assexuados, mas precisando transar? Como ficariam as virtudes da relação afetuosa, fidelidade, lealdade, cumplicidade, companheirismo? O que são essas coisas num relacionamento gay?

            Pode parece incrível para alguns, mas nós realmente discutíamos essas coisas e levávamos bastante a sério. E uma coisa estava claro - também para nós - uma vez gay, uma mulher estava descartada. Como eu disse anteriormente, essa padronização do que se faz na cama é um equívoco. Se parte importante dos homens se reconhecessem como bissexuais e ambivalentes sexuais, como por natureza são, não teríamos essas dificuldades de realização do humano com o humano. Entretanto, a realidade sócio-cultural é o que é. Aí - tendo em vista - quem leva o que na cama, temos duas tendências bem claras no mundo gay, alguns que se pautam pela masculinidade em todas as suas gradações, e outros que são pela diluição dos gêneros (que também terminam na cama).

            O único movimento dentro do movimento gay que não vi foi o esforço pelo fim da promiscuidade (que também se deseja tipicamente masculina). A promiscuidade interfere mais nas relações do que a dúvida do que fazer com quem em que cama. Claro está que também não sei o caminho para estas relações entre homens. Posteriormente farei um breve ensaio sobre isso, mas será só ensaio.

            O que deve ficar claro de toda “essa viagem”, rápida e perigosa, por essas relações é que os direitos emocionais e econômicos das pessoas envolvidas num relacionamento afetivo - seja com duas ou três pessoas - devem estar garantidos em conformidade com a lei. E que desde que os gritos e gemidos de uma noite tórrida não incomode os vizinhos, ninguém tem nada a ver com isso. E, logo, todos merecem respeito na manifestação da sua sexualidade e nas suas relações afetivas. Não é porque não sabemos claramente o caminho que não caminhamos, os casais homem e mulher também não sabem de verdade e continuam se juntando. O fato é que os pares homos que desejam filhos têm como certo uma relação estável, a dois, e bastante em conformidade com o que papai e mamãe gostaria para seus filhos. Inclusive com netos.

            Enfim, namorar e casar no “curral das zebras” é uma coisa um pouco confusa. Deve ser por causa do excesso de listras.


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