Ás vezes temos necessidade de escrever para exorcizar algumas coisas que não entendemos de todo e que nos assustam. Um dos temas que estavam programados para meus textos sobre a conformação do humano seria a violência, e depois a guerra. Diante de tantos conflitos ocorrendo senti a necessidade de refletir um pouco sobre nós - pessoas comuns - e a Guerra - atitude dos estados.
Em termos de propaganda política ocidental, e digo
propaganda, pois foi apenas isso de que se tratou, fomos educados desde o final
da Segunda Grande Guerra Mundial para desejarmos a paz e a preservarmos. E
diuturnamente olhamos para trás e parece que houve um período pacífico no
mundo. Entretanto, durante este período de setenta e oito anos ocorreram
dezenas de guerras e guerreúnculas. Mais de 40 milhões de mortos entre a
Primeira e Segunda Grande Guerras. E alguns outros milhões posteriormente. Sabemos
os nomes das principais Coréia, Vietnã (pura influência americana), e diversas
guerras pelo fim do imperialismo e libertação dos povos colonizados, e depois
outras tantas por razões político-ideológicas. Neste caso só no Cambodja, um
milhão de mortos. E não citarei o período de Mao Tsé Tung na China, pois afinal
hoje queremos esquecer o passado chinês. E, por fim, a famosa Guerra Fria
esfriou de vez.
Por
vezes achamos que tudo está por degringolar e ligamos nosso sinal de alerta.
Nosso medo? O único medo possível, o de que a desgraça dos outros se torne a
nossa. Infelizmente é apenas isso. E, não, não é um sentimento egoísta e
lamentável. Nosso organismo deseja sobreviver e o fará mesmo que a custa de
outros. É uma das poucas leis da natureza. Se oferecer a si mesmo em sacrifício
por uma causa, ou por um Deus qualquer, isso não é natural, é cultural.
A Guerra tem elementos tanto culturais quanto naturais. Obviamente,
ninguém deseja pensar sobre isso e nem aceitar. Pois aí teremos de engolir que
a nossa natureza agressiva faz parte da natureza e precisa ser aceita (e
domesticada). A verdade é que fazemos a guerra - pequena ou grande - desde
sempre e - infelizmente - continuaremos fazendo. Isto é tão certo que desde a
época antiga os diversos povos haviam estabelecido limites para suas
escaramuças. E isso se fez e refez até a atualidade, onde ainda está em vigor a
Convenção de Genebra; que diz o que é uma guerra justa e até onde ela pode ir.
A Guerra está tão entranhada no ser humano que basta citar que os gregos
possuíam dois deuses para ela, Marte e Athena.
Marte
representava a violência da batalha, o gosto de sangue na boca, a truculência
pura. Seus filhos têm os nomes adequados: Terror e Medo. Esse é o signo inicial
desta batalha entre Palestinos e Israelenses, Marte está dominando as circunstâncias
neste momento. Os outros países e parte
da população facebookiana, quando entendem que a paz não é possível, apelam
para uma guerra justa e civilizada, aí entra a deusa da Sabedoria, das
ciências, artes em geral e da Guerra Justa, Athena… Em diversas mitologias
encontramos entidades guerreiras e motivações guerreiras. O Maha bharata hindu, livro sagrado, trata de
uma grande guerra. E dali conseguem retirar sabedoria, mas a vêm com mais naturalidade
que nós. Afinal, eles foram educados para a Guerra, e nós fomos precariamente
educados para a paz. Todavia, nossa educação foi sempre uma coisa hipócrita - não
nós-, pois milhões já pereceram em guerras as mais diversas desde o último conflito
mundial. E muitas delas foram feitas em nome de preservar o planeta, ou a
nação, de algo pior. E o que será pior do que isso?!
Neste
momento de conflito entre Rússia e Ucrânia, Israel e Palestinos, e outras três
conflagrações no centro-norte africano, nosso primeiro instinto individual - espelhado
no coletivo digital - é pedir para que parem, que não matem, e que haja paz.
Temos nenhum poder sobre isso, as guerras são questões de estado, e de chefes
tribais, e nós somos pequenos e ainda que muitos, nos calam por que delegamos o
poder para um representante. No ardor do início da batalha, Marte e seus filhos
comandam, a guerra de Atena só começa quando as perdas foram muitas e os homens
começam a serem chamados à razão. A paz só se estabelece pelo cansaço de ambas
as partes, ou pela conquista sangrenta da outra. E a paz só se estabelecerá
neste último caso com um massacre que impeça uma nova guerra ou uma luta intestina
permanente.
Tudo
vemos com horror, pois ficamos culturalmente nos preparando para uma
globalização que dirimiria as fronteiras e as barreiras entre todas as nações.
É ridículo, mas estamos ainda hoje lutando de forma tribal por territórios,
terras e propriedades. Ficamos esperando que a humanidade se irmanasse e que
tivesse paz, etc, etc. Se não fosse por este motivo seriam por outros,
entretanto, desde sempre, só houve este motivo, território. Até os cães se
digladiam por território. Deve ser o nosso lado animal que pulsa dentro de nós
e com mais força no coração do estado que - gostando ou não - nos representa.
Tão
forte é esse sentimento de violência territorial que nenhum de nossos supostos
deuses calmantes conseguiu impedir uma guerra se quer, os mais espertos
providenciaram as suas próprias, ao menos não ficaram parecendo fracassados
para os seus seguidores. O Deus da Paz é um Deus “bundão” ele jamais conseguiu
mantê-la, ou ele é um falastrão ou seus seguidores o são. Neste sentido, talvez
os antigos gregos - e outros povos - estivessem mais certos que nós, pois
estavam mentalmente preparados para a guerra. Se ela é inevitável, inevitável é
que nossa consciência saiba lidar com ela. E acredite isso é um lamento e não
um incentivo à violência.
Todos
os seus argumentos que se levantarão contra meu arrazoado, por enquanto estão
permeados pelo horror, eles estão todos certos - tenho certeza disso -, pois
são fundamentados numa lógica civilizacional individual e coletiva; entretanto,
as guerras e batalhas sempre os calam, pois que há razões de Estado. Assim que
se iniciou a Guerra da Ucrânia - que nem deveria ter se iniciado - eu disse imediatamente
que deviam se render (depois se negociaria a paz e a saída da Rússia)
preferiram o morticínio e a destruição. Agora, com o mais novo conflito, os
dois lados se preenchem de razão, e quanto a isso não há negociação possível, o
morticínio será exemplar. O mais forte esmagará o mais fraco, e segundo Machiavel,
deverá esmagar até não sobrar praticamente resistência, pois caso contrário o problema
reiniciará.
Por
que estou falando essas coisas horríveis? Por que não estou gritando pela paz?
(e nem pela guerra). Para refletirmos sobre a violência, sobre a batalha, sobre
as perdas, a morte, etc. Gostemos ou não, até hoje não nos livramos da
violência das pessoas e nem da violência dos Estados. E os Estados, apesar de
tudo o que se desejou e se quer, não deixarão de existir. E quanto mais
pressionados para deixarem de existir, mais se fortalecerão, mais radicais se
tornarão.
Nas
mídias se estabeleceu - desde sempre - que um é terrorista e outro é vítima.
Ora, em termos de crença, ideologia, nação e território, essas coisas não se
diferem. São diferentes em termos civilizacionais. Entretanto, como alertei,
por enquanto é Marte quem está governando. E se ele continuar se alimentando da
selvageria da batalha o massacre de ambos os lados de ambas as guerras está
garantido. O que fazer? Bem, antigamente se fazia sacrifícios para apaziguá-lo
e se invocava o auxílio de Athena. Isso soa quase como cinismo ao final deste
texto. Mas, é o que todos estão fazendo agora, rezando para isso acabar.
Obrigado
pela leitura e por ajudar a exorcizar meus medos. Eu o faço escrevendo, e não
me acalmando. É preciso buscar compreender, mesmo quando a compreensão total
não é possível. Lamento profundamente pelos mortos, e por aqueles que serão
mortos. Tenho completo horror a toda forma de violência, mas não me permito ser
ingênuo, pois isso poderia me tornar uma vitima.
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