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Qual o sentido da vida?

 

                Em plena sexta-feira de manhã acordo com vontade de escrever sobre aquilo que para alguns não tem solução, ou é mesmo um tema que já está resolvido: Qual o sentido da vida? Tem pessoas, devido à sua simplicidade, para quem isso nunca foi uma questão. Eu mesmo só fui prestar atenção nisto quando estava na faculdade de História. Afinal, o que historiador mais faz é pensar em coisas semelhantes a esta. Mas vamos lá! O que é “sentido”? Sentido, neste caso, é direção. Da mesma forma quando você dirige um carro e ele vai num sentido, e outros carros vem em outro sentido; e às vezes você também tem de mudar de sentido quando faz uma curva ou quando entra a esquerda ou à direita. Sentido é direção. Então quando falamos em sentido da vida, estamos pensando sobre qual a direção que a vida deve tomar, onde se quer chegar com ela. A outra acepção para sentido seria significado. O que a vida significa, o que significa estar vivo. Por que estamos vivos, vivendo e o que fazemos com isso? Isto é em termos gerais a questão do sentido da vida.


                Pessoas há que jamais pensaram nesse tema, por pura despreocupação ou por seguirem algum instinto que falta a outros. O fato é que a pessoa que se preocupa com este assunto o faz antes mesmo de que alguém tenha lhe falado sobre isso. Parece ser algo que vem do fundo da sua personalidade, mesmo que esta esteja ainda em formação. Lembro-me da minha mãe contar coisas engraçadas a meu respeito, de como sempre desejava fazer as coisas corretas. Importunava-a o tempo todo para saber se já era a parte da tarde ou se era ainda de manhã. Pois queria ficar na porta de casa dizendo “bom dia” para os passantes e não podia errar. O mesmo acontecia com meus brinquedos e pequenos objetos pessoais, sempre em ordem e organizados.

Mal sabia ela que eu tinha uma intensa necessidade de conhecer o mundo e de dominar as coisas. A magia da vida me encantava e eu precisa entender, mais do que fluir por ela. Ainda é fresca a imagem de quando, aos dois anos, eu me deparei com uma grossa teia de aranha esticada numa cerca de arame farpado enferrujado. Era manhãzinha, e ela estava coberta de orvalho e os primeiros raios de sol incidiam sobre ela fazendo-a brilhar, coberta de luz. Hoje, sei que naquele momento Deus entrou em mim. A beleza me habitou e nunca mais me abandonou. Essa experiência foi tão forte que minha mãe contou que eu a acordava de madrugada para caçarmos teias de aranha. E incrivelmente, ela se levantava e ia comigo caçar teias de aranha orvalhadas de luz. E naquele instante, o sentido da vida era este, bem pequenino, bem resumido e fácil de ser alcançado e vivido.

Os que desejam entender o sentido da vida são os que querem vivê-lo. Têm necessidade de fazer as coisas adequadas para estarem mais de acordo com ele. Pensemos na vida como um rio que nos carrega a todos, e que uns resistem, outros se agarram às margens, alguns navegam por ele, outros pescam, outros lutam contra suas corredeiras, enquanto uns ainda lutam desesperadamente para não se afogarem. Nesse rio tem aqueles que olhando à volta e vendo o mundo que o cerca, se perguntam, para onde este rio vai? Qual a sua direção? E quando pensam ter entendido, soltam seus corpos livremente para que esse fluxo, de água e movimento, os carregue livremente. Ainda que nada nem ninguém possa ser carregado livremente o tempo todo.

Então, o sentido da vida é algo que lhe é ensinado ou que você compreendeu sozinho, mas que te orienta na vida. Você sabe o que fazer porque sabe onde está e aonde quer chegar. Nem adianta os céticos dizerem que você “pensa que sabe...” Pois eles não gostam de aceitar que “dizer que a vida não tem sentido”, também é uma forma de orientação nessa mesma vida. Como sei? Eles tiveram de pensar sobre isso para chegarem à alguma conclusão, caso contrário estariam apenas curtindo o rio ou assustados com ele. Logo, dizer que a vida não tem sentido, também é um sentido que se dá à vida. Talvez vejam a mesma como um lago de águas ás vezes agitado, mas que depois de conhecido e dominado já é “o mais do mesmo” sempre. Isso até se pareceria um pouco com a ciência, se a ciência e seus métodos também não fossem um sentido para a vida.

Depois de muito procurar o sentido da vida, na adolescência e na juventude, e também depois de seguir várias doutrinas que me apontavam o caminho, terminei como muitos que têm muita sede e bebem água demais: empanturrado de sentidos; e ficando sem vontade de tomar qualquer um. Apenas com o natural processo de digestão de tanto líquido voltamos a ter sede e certo bom senso na quantidade do que iremos beber (às vezes cachaça). O fato é que cheguei à idade adulta aceitando a crença de que a vida não tinha sentido, era apenas a vida. E eu poderia escrever lindos textos sobre o quanto isso é uma questão cultural, e o quanto a vida em si mesma é linda e maravilhosa e que você só precisa aproveitá-la. Eu então descreveria a beleza do pôr-do-sol, da mãe ninando a criança, a beleza da vida se manifestando nos gestos de amor, a beleza de todas as coisas. Depois, de forma resumida, para não assustá-los, diria de todas as coisas feias, escabrosas e assombrosas que ocorrem nesta mesma vida, mas diria que não são tão importantes. Sim, para aceitarmos que a vida não tem sentido é preciso escamotear muito bem as suas dificuldades e mazelas, pois seriamos mergulhados por uma profunda desesperança (vide o texto anterior sobre Esperança e fé), e com esta a fragilidade e a morte.

A minha cultura universitária e de pesquisador, me levou a aceitar por muito tempo essa idéia. Entretanto, a experiência de vida, as relações com as pessoas e o mundo, me mostrou o quão pouco prático essa percepção de uma vida sem sentido é. O desespero rapidamente nos toma quando descobrimos que estamos sozinhos diante do mundo. O medo, a desilusão e a raiva, passam a ser uma constante. Pois se o que se busca é a felicidade e o bem estar físico, parece que a vida não responde a ninguém como gostariam. Pensando no exemplo do rio, seria como se você tivesse que lutar o todo contra a correnteza, apesar de afirmar que está num lago de águas mais ou menos tranquilas. Nenhum problema com isso, você pode se desgastar a existência toda nessa perspectiva, e se dizer o tempo todo que você ao morrer não chegou a lugar nenhum e que fez exatamente o que precisava para comer, defecar, transar, se reproduzir e pagar o enterro. Nessa circunstância enterro como indigente também é muito digno.

No esforço de lidar com uma vida “sem sentido” conheci o estoicismo, uma doutrina muito antiga, ótima para lidar comas pessoas e com o que é real ou irreal no mundo, e que nos dá certa tranquilidade diante de diversas situações, pois o estóico se abriga em si mesmo, na sua própria segurança. Ele não delega para outra pessoa e nem para nenhuma outra entidade suas responsabilidades e atua no mundo desmascarando as representações sociais que tendem a velar o que é a experiência concreta da vida. O estoicismo desmistifica os homens e as coisas, e de alguma forma, também retira a magia e o encantamento do mundo. Dele guardo uma frase de Epicteto, que me repito nos momentos bons e ruins: “Só te acontece o que acontece com todos os homens...”

Essa doutrina ainda me marca profundamente, e mais profundamente me irrita terem tomado-a como mais uma modinha de autoajuda. E, claro, distorcem-na completamente, pois se as pessoas estudassem o estoicismo a fundo, tendo em vista as nossas relações contemporâneas e suas necessidades, se afastariam dele recobertos de horror. Enfim, após muitas décadas, sinto que fui mais duro comigo mesmo, e com o mundo, ao lembrar-me tão bem dessa frase e interpretá-la de forma unívoca. O que aconteceu com aquele menino que queria saber se ainda era “bom dia” ou se já era “boa tarde”?

Hoje reinterpretarei Epicteto: só me acontece o que acontece a todos os homens, mas cada homem recebe o acontecimento como só ele pode receber, e responde ao mesmo como apenas ele - e suas circunstâncias - pode responder. Em outras palavras, ainda que muitos meninos quisessem fazer as coisas corretas, entre todos eles, só eu vi o sentido da vida numa teia de aranha orvalhada de luz. A grandiloquência da beleza ali instalada, a fugacidade do momento único no qual ela poderia ser encontrada, a leveza e o seu delicado equilíbrio explicaram-me num instante todo o universo. E, foi só um sentimento. E este me acompanhou a vida toda. E não posso olhar para todos os homens como sendo detentores da mesma sensibilidade, ou como se tivessem tido - ou pudessem ter - a mesma experiência. Não sei se o correto seria dizer vi o “sentido da vida” ou a “manifestação de toda a vida”.  Sim, como eu disse lá no começo, foi quando Deus entrou em mim, quando me invadiu. E isto está acima de toda compreensão.

É evidente que este fato, ocorrido quando tinha dois aninhos, deixou minha vida mais complicada. Afinal, eu poderia ter me encantado mais pelas formigas e minhocas (também me encantei rs.), entretanto, foi o “transcendente” que(m) me abateu. Abateu, sim. Porque fui, de alguma forma, arrebatado para algo maior que eu mesmo. E para este algo maior eu vou e volto todas as vezes que preciso. Entendam, ainda que racionalmente eu tenha buscado explicações, teorias, intelecções, apalpamentos do universo, ideologias, doutrinas, atitudes, condicionamentos, e por fim muita comida; foi uma teia orvalhada de luz que me atirou numa direção, num sentido, do qual não consigo me desvencilhar ou mudar. O que um homem, intelectual, bem formado, barbudo e super fofo como eu (e modesto) faço diante disso? Nada. Vivo isso, e é muito desconfortável vivê-lo. Pois não é possível para quem “viu Deus” dizer que não o viu. Não é possível para quem foi levantado sobre as águas do rio negá-lo ou dizer que não sabe para onde ele corre.

Mas que Deus é esse, Vadico? Não sei, hoje só irei falar do sentido da vida. Só te direi que é o mesmo que perguntar para uma criança pequena “o que é sua mãe?” e ela vai fazer cara de estranhamento e talvez até de choro com medo de que você a tire dela: “mãe, ué! Mãe é mãe”, para a criança não tem explicação, é só a fonte de tudo.

Nosso mundo está muito poluído. Objetos demais boiam no nosso rio. Coisas boas e ruins, mas todas em excesso. Nosso rio até parece, na superfície, estar perdendo o fluxo, pois por onde olhamos há “plásticos” boiando, e em tal quantidade que se espalham pelas margens, a ponto de não sabermos onde é o rio e onde é a terra.  Diante disso você pode até ficar tentado a afirmar que não há sentido na vida, e de que ela é feita de plástico, e como este mesmo elemento ela também é plástica, mutável e adaptável. Explique isso para os peixes, eles talvez não se convençam.

“E como faço para me encontrar e ao sentido da vida?” Bem, não posso te ajudar com isso. Se eu o fizesse estaria construindo mais uma mentira na sua cabeça. Também não direi que está em seu coração, pois é um músculo que bombeia e regula a velocidade do sangue com seus batimentos. Se você vive bem sem pensar neste assunto, já está tudo certo, e é perfeito. Afinal, desde o início eu disse exatamente isso. Tem gente que não consegue viver assim. Talvez as pessoas que não pensem e nem sintam, e nem precisem de qualquer sentido, sejam as que vivem melhor afinal. Talvez já nasçam com o “sentido embutido” como as aves de arribação. Quem poderá dizer? “Mas Vadico, eu também quero uma teia de aranha orvalhada de luz!” Sinto muito leitor, a teia é minha. Faça como eu, vá lá atrás, no infinito de si mesmo, e tente compreender o que te colocou em caminho. Depois pense sobre isso.



Entretanto, não pensem que criei o culto dos adoradores de teias de aranha. O pontapé inicial me fez buscar, com todas as forças, a compreensão do que seria o sentido e o significado da vida. E hoje eles estão claros para mim. Eu só posso me realizar servindo ao todo, e só posso fazê-lo sendo eu - e não outra coisa. E “magicamente” o todo me beneficia de volta; mas nada do que faço visa isso. O ser humano é gregário, é social por natureza, não vive sozinho - mesmo que goste e queira -, e apesar do “outro” ser insuportável, acostume-se com ele, não há outro caminho. Então, eu me sinto bem, quando sei que fiz bem o meu papel social. Tenho na sociedade uma função. Quando eu deixar este mundo preciso deixa-lo melhor para os outros. Hoje, ao escrever este texto, me sinto bem. Sinto-me no caminho, deixo o rio me levar, ao menos até a próxima curva.

Boa sexta-feira! Um bom dia, como qualquer outro. E como diria Epicteto, emendado por Vadico: “Só te acontece o que acontece com todos os homens, só não te acontece o que acontece comigo!”

Qual o sentido da vida?! Falemos sobre isso!

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