Pular para o conteúdo principal

Feliz dia do Escritor


                Ontem assisti o filme “Meu ano em Nova York”, na Netflix, recomendo. Um filme leve sobre amadurecimento juvenil.  Um dos atrativos era a possibilidade de que a personagem tivesse alguma proximidade com o famoso escritor J. Salinger, autor do ainda mais famoso “O Apanhador no Campo de Centeio”. Vários escritores foram famosos por não gostarem de aparecer em público, dar entrevista, palestras, tirar fotografias, etc. Salinger neste quesito é provavelmente o mais conhecido. Com a fama, se isolou numa fazenda no interior dos Estados Unidos. Nunca lhe perguntei, mas imagino quais sejam seus motivos.

                No filme, Sigourney Weaver, é dona de uma agência literária. Aquelas agências (que ninguém conhece ou sabe como chegar) que pegam o original de um autor e o vendem para uma grande editora e todos saem ganhando. Por aqui já estão surgindo algumas, com uns noventa anos de atraso. Em uma das falas, Weaver, revela que ao ler originais de livros ficava imaginando como era o autor. E, se ela quando tivesse de conhecê-lo, em razão do seu ofício, gostaria dele tanto quanto do livro. Vou brincar de adivinhação e pensar que para Salinger era o inverso. Gostariam de mim do mesmo modo que gostam do meu livro?

                Para o leitor, geralmente, essa interrogação nunca aparece. Raramente podemos conhecer nossos escritores prediletos. No meu caso, por que morreram quase todos, então nem em sessão espírita; no caso da imensa maioria dos leitores o encontro apenas não acontece, por que moram em lugares diferentes, vivem coisas diferentes, etc. Ás vezes até acontece de vocês estarem no mesmo supermercado, fazendo compras na mesma hora. Mas afinal, como reconhecer o escritor? Ele aparece pouco, a foto na aba do livro é sua melhor foto – e ninguém está todo dia “na sua melhor foto”. A questão posta pela personagem de Weaver é verdadeira. Amo tanto este livro, adoraria de conhecer seu autor, abraça-lo, dizer o tanto que o amo... ops. Aí aparece o problema, será que o leitor gostaria da “pessoa” autor?!

                Conhecemos os livros, mas não os escritores. Construímos o escritor inteiro a partir da sua obra, mas este é tão somente um personagem da nossa cabeça. Na vida real ele pode se aproximar mais ou menos do que foi imaginado. Atualmente ele deverá parecer bem simpático, pois senão será “cancelado”. Talvez Greta Garbo, que até onde sei não foi escritora, mas soube sair à francesa, Salinger, Arthur Clarke, têm alguma razão. Você aguentaria meia hora com Ernest Hemingway depois dele tomar meia garrafa de uísque?! Eu sim, rs. Eu sempre disse que, o que mais invejo em Jorge Amado é Zélia Gattai, pois eu queria muito um Zélio Gatinho. Escritores podem ser intratáveis. Escritores podem ser muito introspectivos, ensimesmados, sérios, pouco sorridentes, ou o contrário de tudo isso. Existem mundos fermentando dentro deles, então vistos do lado de forma podem parecer alguém com um sério descontrole hormonal.

                Tanto faz como eles realmente são ou foram. Pense neles como uma plantinha muito frágil e sem graça carregada de sementes, ela criou um jardim, do jardim uma floresta, mas basta separá-la da sua obra para que ela seque e morra. No mesmo filme, surge uma escritora. Ela deixa a agência literária, pois não recebeu atenção. O que ela desejava? Apenas alguém que conversasse sobre seus personagens, sobre seus livros. Ela não queria “aparecer” ou “atenção” para si mesma, ela queria o que eu às vezes quero, achar alguém que leu o que escrevi e perguntar e trocar idéias e ver se amam meus personagens como os amo.

                Toda essa reflexão é para falar sobre o “Feliz dia do Escritor”, é estranho trata-lo como se o conhecêssemos e fôssemos, de alguma forma seus íntimos – ainda que nos sintamos. Por isso, numa frase mais cedo eu disse que confundo o dia do Escritor com o dia do Livro, pois dele o que conheço é a obra. Mas, vamos lá. Era só motivo para fazer reflexão. Pensar nunca é demais. Vamos dar parabéns para essas pessoas – que não são personagens- e que às vezes, literalmente, se matam para revelar a essência da vida em seus escritos. Sejam ricos e famosos, sejam pobres e ainda desconhecidos, ou famosos depois de mortos, feliz dia do escritor e da escritora! Companheiros de lida que conhecem o poder da palavra escrita. Ela derrubou muros, construiu civilizações, encantou, seduziu e nutriu imaginações. E foi a mão dos escritor que esteve por trás disso. Valeu moçada escritora! Tudo o que sou devo a estes mártires da tinta e do papel. Espero que eu seja algo legal kkkk

               

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os homens, afetos e desejo - A história não contada. Contexto e lugar de partida - I

O inferno angustiante do desejo Hoje quero refletir sobre um assunto do qual eu deveria saber muito, mas confesso que quanto mais aprendo, menos sei e muito menos acredito. E infelizmente não estou sendo modesto e nem socrático. Quero abordar o tema a partir do ponto de vista de alguém que viveu em outra época e que nela tinha medos, necessidades e expectativas e principalmente, tinha um futuro pela frente com o qual sonhava, mas não sabia o que seria deste tempo. Assim que eu disser a palavra, as pessoas irão abandonar a leitura, imaginando que “lá vem mais um falar do mesmo...” Confie em mim e apenas continue lendo, hoje irei falar sobre as necessidades, emoções, expectativas, vitorias e frustrações dos homens que gostam de homens.   Se não usei o termo socialmente aceito é porque de alguma forma ele está carregado de ideias e informações nem sempre corretas ou interessantes. Pode ser que eu o use mais tarde, mas por ora não.             Acredito que neste texto falo, sobretudo,

Deus - I O Devorador

  Deus me seduzindo            Esse não é um texto para relembrar o passado, mas uma tentativa de descrever o que não pode ser descrito.  Vou meter-me a falar do que não sei. Talvez seja exatamente assim, conhecemos muito e desconhecemos muito mais aquilo que realmente é importante. É como mãe, amamos muito mas às vezes nos damos conta do quão pouco a conhecemos. Entretanto, Deus, como o conheço, foi definido magistralmente pelo poeta indiano Rabindranath Tagore: “Sou um poeta e meu Deus só pode ser um Deus de poetas”. Então, só quem vive profundamente o ser poeta consegue traduzir em si o que isto significa.             Por aproximação tentarei dizer um pouco sobre isso. Uma definição destas não aparece em nosso coração na infância ou na puberdade, surge apenas quando ocorre um amadurecimento íntimo, que não tem idade para ocorrer. Podemos ter uma epifania em algum momento, mas ela só se consolida ao longo do tempo através de outros momentos assim. É como um “dejavu” não tem importâ

Deus III - A sustentação essencial. O que é real? O que é realidade?

  Não dá para ilustrar este texto de forma adequada                 Há muito tempo atrás se alguém discutisse a realidade concreta das coisas e do cotidiano eu mandaria a pessoa “catar coquinhos”. Entretanto as experiências existenciais nos ensinam se permitimos. O tempo passou e tive vários aprendizados que considero importantes. Eles ajudaram a definir minha relação com o mundo e as pessoas. Nestas experiências, e vivências, passei a lidar com um real que é tênue. Perigosamente tênue. O risco de lidar com uma compreensão expandida do real e da realidade é perder o vínculo que torna as coisas entre nós inteligíveis e aceitáveis. Entretanto, não há nenhum caminho, místico ou não, que não passe pela discussão daquilo que nos parece óbvio, e obviamente verdadeiro, irretocável e irrevogável. Então, hoje vou refletir sobre a realidade física e social, vamos desmaterializá-la para só então, falarmos de imaginação. Mas usaremos a imaginação o tempo todo como método para essa discussão.  

Deus II - A dança: Som e fúria

O sagrado pode se manifestar no cotidiano              De todas as coisas sensórias que me envolveram desde sempre o som é uma das mais fascinantes. Trago grudado ao espírito o canto da pomba “fogo apagou” envolto pelo silêncio da fazenda, ambientando a solitude do jovenzinho que sentava-se na improvisada jardineira da avó e olhava longamente para o campo. De um lado o pasto a perder de vista e de outro o cafezal assentado no morro. De um pouco mais distante vinha o som do vento assoprando forte nos eucaliptos, só quem ouviu esta melodia que rasteja pelos ouvidos e dá profunda paz sabe como é a música e o perfume que juntos vem e quando junto deles estamos ainda toma nossa pele a sombra fresca do “calipial”.             Trago no espírito meu pai assoviando. Era um tempo onde os homens assoviavam, e fazer disso uma arte também era parte do seu quinhão. Só com o tempo eu saberia que o som nos afeta fisicamente antes de nos afetar o espírito. O som toca o nosso ouvido, toca fisicament

Os homens, a história não contada. A pornografia e as transformações sociais da AIDS - II

  (Continuo aqui o texto anterior. Passaremos incialmente pelos anos setenta, a televisão e suas influências e chegaremos aos poucos até os anos 90 e as profundas transformações sociais e sexuais que ocorreram na sociedade). Começavam os anos 70 e éramos apenas amigos! Uma das coisas que me passavam pela cabeça quando era menino (05/07 anos) é que eu deveria ter nascido mulher. Mas isso ocorria não porque eu desejasse os homens, mas porque eu era, desde aquela época, bastante caseiro e não queria sair de casa e nem ver pessoas. Depois aprendi a ler e tudo o que eu queria era mais silêncio e menos pessoas. Depois veio a música e aí eu queria ainda mais silêncio e nenhuma pessoa. Mas para um homem essas coisas não eram possíveis. Homens deveriam ficar o dia todo fora de casa trabalhando e fazendo coisas que não gostavam, pois era necessário para sustentar a casa. Então, o Luizinho queria ter nascido mulher para ser “sustentado” e ficar em casa. E eu não achava a vida doméstica tão terrív