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A Arte de Educar: os Filhos


Sempre desejei escrever algo sobre educação, não sobre ensino, ao menos por enquanto. Adoro crianças, uma de cada vez, claro; e sinto-me lisonjeado quando uma delas me dá atenção, e sempre lhe devolvo respeitosamente a atenção que ela me dá tratando-a como ser humano completo (apenas não maduro). Não tive filhos e eles não estão em meus planos, e parece também que não se coadunam com minha condição. Então com que autoridade eu falaria de educação de filhos? Com a autoridade de filho. É como filho, que respeita, ama e é grato aos pais, que escrevo as máximas abaixo. É olhando para o que eles são, fizeram e fazem, que ouso indicar um caminho. A nossa experiência.

Da dignidade humana

Das várias lições que aprendi tem uma marcante. Eu tinha em torno de cinco anos quando nos mudamos do sítio para a cidade. No início dos anos 70 havia um “tipo”, o caipira. Eu e minha irmã éramos típicas crianças caipiras, andávamos de cabeça baixa, sempre de olhos postos no chão. Quando riamos levávamos a mão na boca, escondendo o riso, todo envergonhados. Minha mãe teve um trabalho imenso para que nos aprumássemos como pessoas da cidade. Quando caminhávamos pelas ruas a toda hora ela precisava dizer: Levanta essa cabeça moleque! Tá com vergonha de quê?! E se a abaixássemos novamente, ela nos dava um chacoalhão nas mãos. E, como não havia motivo para nos envergonharmos, nem por sermos caipiras e nem por sermos pobres, passamos a andar eretos e confiantes. Ela não nos inspirou o orgulho, mas a dignidade da pessoa humana. Até hoje, mesmo quando me sinto pequeno diante do mundo e das pessoas, lembro-me das broncas e levanto a cabeça que por instantes caiu. Não tenho nada pelo que me envergonhar, sou igual a todas as pessoas, ricas e pobres. Minha mãe jamais “abaixou” a cabeça para nenhuma circunstância da vida, nenhuma, enfrentou todas com dignidade.

Ouvir

“Se seu filho precisa gritar, é sinal de que você não o está ouvindo...”

Fale sempre com calma e atenção e lhe assegure que você o ouve e que não precisa gritar. Com o tempo ele se sentirá seguro de ser ouvido e de obter respostas positivas ou negativas para os seus apelos. Não o deixe gritar mais de uma vez, nesta circunstância ouça-o imediatamente, e corrija o tom de voz, com paciência. Depois garanta-lhe que não há necessidade de pressa, acalme-o. Você o ouvirá e atenderá conforme a situação. Ensine-o a esperar sem ansiedade. Repita este comportamento, pacientemente, quantas vezes for necessário. Não espere seu filho gritar, ouça-o antes.

A voz de uma criança não precisa ser esganiçada, docinha, irritante e sem controle de volume e entonação. Se ela for assim, é por que está recebendo modelos assim. Este tipo de voz, agressiva em sua melosidade aguda, é sinal de fragilidade e insegurança. Ele precisa aparentar ser mais frágil do que realmente é. O que ele quer? Chamar a sua atenção ou chantageá-lo para tê-la. Fale em tom de voz normal, não crie modulações engraçadinhas. O carinho na voz não está no tom anasalado e infantilóide, mas na velocidade com que se fala e na emoção que se põe nela. Fale devagar. Dê tempo para as palavras serem degustadas. Pense nisso, e dê aos ouvidos do seu filho, aos seus, e aos do mundo um descanso. Toque a música certa e ele dançará contigo. Você verá, ao som do carinho, de pezinhos trepados nos seus, como ele dança bem.

Seu filho é uma pessoa.

“Seu filho não é o futuro, ele é agora.”

Seu filho não é o homem do futuro. Ele é. Uma pessoa no presente. Sempre no presente, não importa a idade que ele tenha. E se ele envelhecer, ainda assim nunca será o passado, ele é presente, sempre. Seu exercício é lidar com o futuro dele enquanto pano de fundo; com o passado enquanto memória (sua, dele e a familiar), e saber que o que ele é agora, é mais do que tudo o que foi e será. Você deve amar e aceitar essa pessoa que convive com você no agora, no imediato presente. É ela quem irá te imitar.

Quando digo “ele é agora” não digo ele é “o agora” o presente, estou dizendo que ele “é” integralmente uma pessoa agora. Você tem de lidar com isso, e não com o futuro ou com o que você deseja que ele venha a ser. Em nosso desejo natural (social) de educar e bem formar nossos filhos, às vezes damos ênfase demais em nossas projeções fantasiosas, e em nossas obrigações para com ele e a sociedade. Seu filho não é essa carga toda de ansiedade que te disseram que é e nem aquela que você se propôs a carregar, ele é uma pessoa completa agora. Ele precisa de você agora, não importa as suas projeções e necessidades futuras, elas devem ficar como pano de fundo e nunca em primeiro plano.

Compreenda, uma criança já é uma pessoa, um ser humano completo fisicamente falando, dona de um cérebro, sensações e emoções. São características inatas, ela tem de lidar com você e o mundo o tempo todo, desde que nasceu. Bem ou mal ela lida, então não pense que ela fará isso somente no futuro, ela está fazendo isso já, a todo instante. Olhe para ela e veja como está lidando com tudo isso, suas estratégias, suas artimanhas. Seu filho dará as respostas mais eficientes possíveis para as condições nas quais ele vive. Ele está vivo e vivendo, ele não pode esperar para ficar adulto.

O filho imaginado e o filho que se tem.

“Você ama o seu filho ou as projeções do futuro que você fez para ele e para você?”

Respostas e atenção são um pedido do seu filho. E ele desconhece essa pessoa que você pensa que ele é. Esta “criatura tentacular”, uma mistura de criança com as suas expectativas, medos, e projeções sobre o que ele se tornará, não é o seu filho, é a sua imaginação sobre ele. Seu filho é pequeno demais para ser esmagado com tanta informação e ansiedade. Se você retirar estes filtros dos olhos, poderá vê-lo em sua plenitude e quem sabe até amá-lo e não às suas projeções ansiosas. Não é amá-lo porque fisicamente ele se parece contigo, não é amá-lo porque você aprendeu socialmente, é amar uma alguém que você conhece de verdade e admira pelos esforços cotidianos que faz para se adequar.

Cuida em dar elementos com os quais ele possa planejar o amanhã; coloque propostas e não os sonhos que lhe pertencem. Permita-lhe fazer escolhas e as apoie, ou esclareça por que não são interessantes. Sobretudo, tenha opinião e a demonstre. Seu filho precisa da segurança da sua voz e do seu caráter. Mantenha sua opinião, e só a altere se ele conseguir argumentar e mudar o seu ponto de vista. A sua firmeza lhe dará parâmetro de comparação, um ponto a partir do qual ele estabelecerá julgamentos. Seja adulto. Você tem medo de estar errado? Receio de não “saber o caminho”? Todos podemos nos equivocar. Você vai errar, todos erram, é natural, não tenha medo de errar, tenha medo de permanecer no erro. Quando seu filho souber o “correto” ele te dirá, esteja atento para ouvir.

Liderança e hierarquia famíliar.

“Se seu filho virou um pequeno tirano é sinal que você mostrou o caminho. Você deixou que as relações hierárquicas, necessárias, se invertessem. E ele tomou o poder”.

Perceba algo importante: seu filho te ouve pouco, ele te imita. Ele grita, é irritante, ansioso, quer atenção o tempo todo? Ele está sendo o seu espelho. Pais tranquilos, e seguros em sua paternidade, têm filhos tranquilos e seguros de sua filiação e condição. É uma relação de hierarquia, você lidera. Não confunda liderança com autoritarismo e tirania.

Relações entre pais e filhos não são democráticas e nem devem ser. Seja um líder, indique direções, compreenda as situações, verifique as condições de seus liderados e aquelas que estão à sua volta. Ouça os seus “liderados”, compartilhe dificuldades, compartilhe sucessos, caminhem juntos; mas, sob uma liderança. Quando você não puder liderar mais, ele assumirá o posto... Esperemos que ele tenha aprendido bem o seu exemplo. Desista do papel de “bobo da corte”. Pare de entrar na performance social de “eu sou o cara legal”. Acorde, você não é o “cara legal” você é o pai. E pais, podem até serem legais às vezes, mas educar é dizer “não” e isso nem sempre é simpático. Acostume-se, você irá desagradar o seu filho. O tamanho do desagrado depende da sua habilidade de mostrar que faz a coisa certa.

Se você estiver em um lugar público e ele fizer uma imensa birra por que deseja algo que você não pode, não deve, ou não quer lhe dar naquele momento, explique-lhe a situação. Se ele continuar a exigir, explique-lhe novamente. Se ele reivindicar aos gritos e se jogar ao chão, repreenda-o fortemente e exija que pare. Jamais o ignore deixando gritar e espernear sozinho. Não o abandone e saia andando, aguardando que ele te siga. Ele não parará, as outras pessoas informam de maneira indireta que ele está sendo bem sucedido naquela estratégia.

Tenha jogo de cintura, diga não, desvie o assunto, chame a atenção para outra coisa. Mas, não faça barganhas, pois ele se tornará um chantagista. Se for necessário desincentive o comportamento punindo-o. Punir não é humilhar e nem espancar.

Por outro lado, nada mais desesperador para uma criança do que ser abandonada a si mesma num lugar público repleto de pessoas, nada mais desesperador do que ela saber que tem de se manter assim para que você retorne para ela. A estratégia dela funciona, mas é cruel com todos os envolvidos. Seu filho é uma criança, não sabe lidar adequadamente com a situação e com seus próprios sentimentos, é você quem deve mostrar e impor o caminho. Deve ficar muito claro que aquele comportamento e aquelas emoções não são aprovadas e nem desejadas. E que ele jamais conseguirá o que deseja reeditando-as. Surpreenda-o, tempos depois, dando o que antes ele pediu aos gritos, quando ele já houver aparentemente esquecido. Ele se lembrará de que foi ouvido e não foi esquecido.

Lembre-se, incentivar o bom comportamento é aprova-lo, e não dar prêmios. Se você acostumá-lo a ganhar prêmios por que faz isto ou aquilo, estará criando um incompetente social, pois a vida e a sociedade não premiam o mínimo necessário para a convivência: honestidade, responsabilidade, retidão e caráter são um prêmio em si mesmos.

Em relação ao seu filho, aprenda com Deus. Dê-lhe exemplo, diretivas e direções. Desejando ou não ele terá de lidar com o mundo e suas situações. Saiba disso. Só a lembrança do que você fez e dos caminhos que apontou lhe darão segurança para fazê-lo. Respeite as escolhas que ele fez, faz e vier a fazer. Nunca deixe de se colocar em relação a essas escolhas. Ele precisa da sua posição, concordando ou não contigo, sentindo a sua presença e medindo-se com seu parâmetro. Saiba agir com moderação. A moderação às vezes exige mais força ou menos, verifica a situação. A palavra é: Eu me importo! Mas até onde eu devo atuar por me importar? Essa resposta é sua.

Deixar seu filho livre não quer dizer ausência de participação e opinião. Quer dizer ausência de autoritarismo. A sua autoridade deve sempre ser exercida e sentida como moderadora e com moderação. Após comunicar o seu desagrado de forma clara, deixa ele tomar as decisões que precisa. Lembre-se: ele vive vidas e realidades diferentes das suas. Confia. Ele tem um espelho, um parâmetro, e este é você. Ele pode não perceber isso de imediato, mas perceberá.

Capacitação para a vida

“Se você não bebe até cair, seu filho também não beberá, e se beber saberá que não devia tê-lo feito. E nem precisará de repreensão.”

A palavra que um pai mais fala é: não. Ninguém gosta de dizer e nem de ouvir. Mas o “não” evita o sim para o errado. O incentivo para o bem e para aquilo que é correto é o “sim” que seu filho deve ouvir. Filhos devem ser cobrados, no entanto, dentro dos parâmetros daquilo que eles podem oferecer. Você está dando elementos para ele avançar? Os elementos citados não são a escola, o inglês, o jazz, etc. Tudo isso importa pouco. Falo de moral, não de moralismo; falo de comportamento ético e não de conveniências.

A sua queixa mais comum é: não posso dar tanta atenção para o meu filho, pois estou sempre cansado, trabalhando muito para cuidar do futuro dele. Ah.... ilusão. Cuida menos do futuro e mais do presente. O futuro dele é dele. Quando o futuro chegar, se chegar, certamente frustrará todas as suas melhores previsões. Há uma série de condições sociais, econômicas e existenciais para que este novo tempo se estabeleça. O futuro é o Tempo que nunca é, pois quando ele for, será presente. Perceba então, você é apenas parcialmente responsável.

Neste sentido é bom lembrar: Professores não são os pais do seu filho. Eles são chamados por aí de educadores, no entanto, educação quem dá são os pais. O professor é apenas um profissional que mantém uma conduta adequada numa situação pública, é o máximo de modelo que ele deve dar. Se ele assumir a sua função, reclame. Deixa de ser preguiçoso e acomodado e não transfira para outros os seus deveres e obrigações. Se você deixar que o mundo cuide de seu filho, ele certamente cuidará, depois não se queixe. Já vi pais cobrando comportamento de professores como se estes devessem ser freiras e padres; eles não são, se fossem teriam escolhido outra profissão.

As chances e oportunidades que seu filho vier a ter dependem menos de condição econômica e escolaridade do que da capacidade dele em lidar com o mundo, suas condicionantes e as pessoas à sua volta. É a formação desta capacidade o que ele mais te pede o tempo todo, perceba. Para você que já tem esta habilidade desenvolvida, não importando sua inteligência ou condição financeira, é razoavelmente fácil dar exemplos e modelos que ele imitará. Essa condição implica em sensibilidade, ser sensível aos apelos do mundo e aos do seu filho. Em outras palavras, experiência de vida. Esta você já tem. Você é competente, acredite.

Sucesso e gratidão

“Um filho será grato, somente se reconhecer nos pais o exemplo que ele seguiu”.

Não massacre essa pessoinha com o seu orgulho e vaidade. Se alguém deve se envaidecer de suas vitórias é ele mesmo. A você, cabe apenas manifestar a sua aprovação e lhe dar o mérito que realmente tem. O seu próprio mérito, deixa ele e os outros lhe darem, se acharem que você tem. Se você realmente os tiver compartilha-os com Deus, agradeça-o por ter conseguido ser exemplo e modelo; agradeça o sucesso do seu filho. Deus teve muito à ver com isso. Compreenda, as variáveis postas no mundo para testarem a educação dada são tão infinitas e complexas que, não é minimamente razoável, reivindicar o mérito todo do sucesso, ou do fracasso.

Nenhum filho tem vergonha de um pai por seus parcos recursos. Ele tem vergonha de um pai que não seja digno da pessoa que ele é. Seu filho não quer ser maior do que você, não importa quanto sucesso material e social ele alcance. Ele quer ser como você, deseja a sua aprovação para aquilo que se tornou. Cuida de ser o modelo adequado. Ele não quer a sua vida ou a sua profissão, quer o seu exemplo de comportamento. Aprove-se, você será aprovado.

Espelho e Experiência

Este é o resumo de tudo o que aprendi como filho do comportamento dos meus pais. E é tudo quanto eu imitaria se filhos eu tivesse. Hoje me pareço muito mais com meu pai e minha mãe do que eles ou eu mesmo havíamos previsto ou imaginado. E é incrível, mas nos orgulhamos muito disso. O que sou é espelho deles.

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