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A Quinta Noite - A Grande Rebelião Gay - Estória seriada 3a. parte

A cidade estava bastante deserta, uma vez que boa parte da população havia fugido ou sido evacuada. A Escola de Cadetes, o único lugar hetero do país estranhamente pintado de Rosa bebê, era o alvo. A Guerrilha Gay já havia tomado a maior parte da cidade, mas ali uma grande batalha poderia ser travada.

Janjão já estava com ares de Presidente, falando em uma República Gay independente do Brasil. Discutia até o nome: Gaylandia ou Sapatolandia? O único baiano que veio para a guerra sugeriu: "República de São Sebastião, o mártir gay e nosso padroeiro!"

A discussão foi adiada para um outro momento.

A rapaziada da Escola de Cadetes, alertada para o iminente perigo ficou dividida: uma parte, com um estranho bom senso, achava que não deveria haver luta, a outra, já montava guarda nas vigias. A tensão crescia.

A polícia liderada pelo Spoleta já encontrava-se lá para auxiliar os rapazes da Escola. Como o Pai exemplo e símbolo da resistência, que tinha perdido seu próprio filho na guerra, se bem que de maneira injuriosa, Spoleta mantinha alto o moral das tropas.

A invasão estava programada para Uma da manhã. Os gays e lésbicas iriam atacar assim que terminassem de ouvir o hino I Wil Survive, cantado pelo diva Glória Gainor. Tudo corria de acordo com os planos. A escola cercada. Os carros de som tocando a música em rítmo Dance. As travecas fazendo performance para animar o batalhão. Enfim, a verdadeira guerra estava à ponto de estourar.

De repente Spoleta foge em disparada. Ouvem-se tiros dentro da Escola, e a turma de cadetes, a favor, prontamente havia revolucionado e tomado a pomposa Escola Militar. Ninguém foi molestado, não houve derramamento de sangue, pelo menos não de sangue.

Assim, em pouco tempo, Spoleta estava ajudando a liderar o Exército Brasileiro contra as bichas da cidade sitiada. "Sitiada mais feliz", esse era o novo lema.

O presidente em cadeia de Tv aventou a hipótese de pedir ajuda americana. Pois a situação degringolava. Mais e mais gays abandonavam seus postos de trabalho no país inteiro e fugiam em direção à Metrópole...caravanas e mais Caravanas iam em direção à cidade ao som de Village People cantando Go West,...bem, não era para oeste... bem, não importa muito o lado mesmo.

Os estados Unidos responderam que não poderiam ajudar com homens, por motivos óbvios, depois da liberação de Bill Clinton no exército americano, já não havia mais heteros suficientes nos batalhões. Isso queria dizer que os gays lá haviam chegado no poder. Mesmo assim, Bill ofereceu uma bomba de hidrogênio para lançar sobre a cidade sitiada. Assim as perdas seriam mínimas, apenas homossexuais morreriam.

A presidência, temendo as repercussões internacionais negativas, prometeu pensar na oferta americana. Havia também um certo receio de que a bomba, disparada dos Estados Unidos, caísse em Brasília, uma vez que ninguém podia garantir a confiabilidade dos militares americanos.

Enquanto o Brasil não resolvia o problema, na metrópole gay começava a vigorar a nova administração. Sob o lema "Viver de Noite, dormir de dia", lançado pelo conjunto Frenéticas, tudo foi reorganizado. Fundava-se a primeira sociedade baseada no hedonismo. Viver bem, viver com prazer eram as novas regras.

Os bairros passariam a ser temáticos: Madonna, Vila das Saunas, Jardim Banheirão, Favela Michael Jackson, etc. As instituições governamentais e principais pontos turísticos foram renomeados: Biblioteca Pública Gore Vidal; Museu Michelangelo, Avenida Beatriz Seidl Segal, Terminal Rodoviário Pegação, etc.

Havia também uma ampla área no centro da cidade que foi rapidamente revitalizada. A arte cinematográfica foi extremamente valorizada. O número de cinemas subiu de oito, antigos e decadentes, para vinte. Dois deles eram dedicados a filmes do tipo "Arte" assistia-se a Godard, Fellini, Rosselini, Hitchicock, num deles, o outro era dedicado somente a Almodóvar.

Todos os outros cinemas eram de fazer "Arte", foram completamente revitalizados colocaram mais espaço entre as poltronas, e as recobriram de tecidos impermeáveis e laváveis. Na frente de cada uma delas havia um cestinho com camisinhas e KY. Os corredores laterais foram todos azulejados e havia um certo cheirinho familiar de pinho pelo ar.

Os banheiros, revestidos de mármore rosa, tornaram-se tão requintados que havia até um boy neles, especializado em enxugar a última gota do xixi...aquela gotinha que às vezes molha a cueca. O que o boy gostava mesmo era quando dispensavam o papel higiênico e exigiam uma chacoalhada. Que felicidade! Passavam-se os dias. Nenhuma solução viável transparecia. Aos poucos, gays e afins se esforçavam para voltarem à vida relativamente normal. Isso era muito difícil...pois o que seria uma vida normal numa sociedade gay? Ninguém sabia buscava-se descobrir uma boa forma de simplesmente viver. Afinal, nunca haviam sido livres, restava aprender a usar bem a liberdade.

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