Pular para o conteúdo principal

A Segunda Noite - A Grande Rebelião Gay - Estória seriada - 2a. parte

A Segunda Noite




A Segunda noite baixou sobre uma cidade tensa. Já não era como todas as noites de todos os tempos, era a noite onde aguardavam uma onda de violência e assassinatos. A maior parte da rapaziada gay e lésbica foi para os bares e para as boites do mesmo jeito. Recusavam-se a acreditar nesta história, mesmo por quê “caçar é preciso” .

Em torno de uma da manhã, a ferveção foi interrompida por grupos militares e policiais. Grande tensão caiu sobre eles. A polícia entrou pela porta da frente da principal boite da cidade. Cercou os muros e os portões dos fundos. Enquanto um mega-fone fazia-se ouvir: “Vamos todos saindo quietinhos! Sem reagir, qualquer ameaça será respondida à bala!”

Centenas de pessoas foram presas. Sob vaias entraram na Delegacia, mesmo o espaço sendo demasiadamente pequeno para tanta gente. Multidões de heteros enfurecidos esbravejavam e gritavam: “Lincha! Lincha!”

Uma mãe, em fúria e lágrimas era segura pelos policiais “Esses monstros mataram meu filho!”. A senhora, gorda e loira debulhava seu pranto histérico. O Delegado pediu que fossem feitas averiguações.

Beatriz Seidl Segal, foi levada pro interrogatório. A Traveca desfilou com toda dignidade pelo corredor da Delegacia, os outros que ficaram nas celas aplaudiam-na. "Vai lá, bí!!" "Mostra que nesse peito tem mais que silicone!

A negra Beatriz, com sua estravagante cabeleira loura, com seu o fuscante batom Rosa, magrela e alta, envolvida num tubinho prateado, foi para seu destino.

Quatro policiais a interrogaram. Enquanto a bicha falava fino eles eram todos machos. Até que um deles no afã de cumprir seu trabalho deu-lhe uma bofetada. A trava de 1,90 de altura, levantou-se da cadeira e esbravejou com seu vozeirão: "Vem se você é homem, panaca! Vou arrancar sua neca!" Não deu outra, dois sairam correndo e o mais corajoso sacou de uma arma.

Os outros ao escutarem de longe o grito de guerra aplaudiram e assoviaram. Alguns barulhos de sopapo aqui e acolá. Um disparo. E Beatriz não mais vivia.

Um rumoroso silêncio recaiu sobre a Delegacia. As centenas de gays presos, calaram-se. Ao mesmo tempo uma revolta estranha ia crescendo, crescendo. O murmurio ia envolvendo todos, até tornarem se gritos: Beatriz! Começaram uma revolta. Os policiais e o Delegado fugiram, fazendo uma retirada estratégica para fora do edifício.

Fortes braços desmantelavam as grades da celas, podres e carcomidas. Em poucos momentos a Delegacia era destruída pela horda gay enfurecida. Janjão era a Sapatão quem liderava, junto ia o Coutinho, rapaz macho com fama de passivo. Juntos organizaram a resistência e peitaram a polícia quando chegaram fora.

O prédio cercado. A ordem vinda do megafone era para que se entregassem. A resposta " só morto!" partiu da Janjão.

A polícia descarrega armas e metralhadoras na turba...uns fogem...outros sucumbem...dezenas são mortos...Quando a fumaça da carga abaixa, os policiais saem caminhando por sobre os cadáveres...ao invés de socorrerem os feridos, davam-lhes tiros de misericórdia.

Ao ver um policial apontando prá cabeça de um rapazote o Delegado gritou: "Pára, que esse é meu filho!" Pedido em vão...chegou tarde. O gatilho já havia sido puxado. "Carlinhos, eu falei prá você ser macho menino, eu falei!!" e com o filho morto nos braços jurava vingança: "Vou matar essa raça de gays que tranformaram você num viado! Eu juro!"

Assim os líderes iam surgindo. O delegado José Spoleta liderava as gangues de heteros, a Janjão e o Coutinho, que haviam sobrevivido lideravam a guerrilha gay.

O país ficou de luto ao saber da história. O filho do Delegado foi enterrado com honras. Afinal tinha sido um hetero que fora "pervertido" pelos homossexuais. O poder sempre tem duas ou mais faces...

O problema já não podia ficar mais relegado à dita Metrópole. O Brasil inteiro se mobilizou. Como os gays não queriam ser linchados, também reagiram de forma nacional. Aos milhares partiam de suas cidades, em caravanas de ônibus estranhamente chamadas de Priscilões, em busca de proteção e ao mesmo tempo para prestarem socorro a seus companheiros.

Em várias capitais brasileiras a situação era aterradora. Hordas de heteros agressivos iam pelas ruas caçando bichas. Várias foram queimadas em praça pública, com requintes de crueldade.

Diante da gravidade da situação o presidente pediu para que se votasse estado de Sítio. A bancada Evangélica prontamente atendeu-o, mais que isso, deu-lhe poderes de exceção para estabelecer uma ditadura Heterossexista, como se isso fosse realmente necessário.

O pior de tudo isso foi a liderança evangélica. Quando pegavam algum pela frente, se não o matavam, torturavam-no até obrigarem-no a dizer-se convertido e salvo.

A guerrilha gay começou na defensiva, mas com a guerra aberta não tiveram opção e começaram a reação. Tinham apenas alguns problemas com a estratégia. O primeiro grande marco a ser tomado foi o Shopping Center, o segundo a Praça Central da Cidade, esta bem mais difícil de ser defendida, e o terceiro lugar a ser tomado definitivamente foi a Rodoviária e seus banheiros.

Bem...tinham que começar por algum lugar. Tudo começou ficar interessante quando um deles lembrou-se que teriam um fornecimento permanente de homem se tomassem a Escola de Cadetes. Toda essa movimentação durou do Segundo ao quinto dia!

Com a chegada dos Priscilões à dita Metrópole o grande Exército Pink and Blue estava formado. Milhares de homossexuais reuniram-se numa mesma praça de guerra. Milhares? Eram talvez milhões, ao menos 10 milhões se formos apenas falar em proporcionalidade.

Aos poucos falanges espavoridas de heterossexuais abandonavam a cidade. As mães dos gays, em sua maioria, ficaram. Alguns pais também perceberam o absurdo que estava acontecendo e assumiram seus filhos e filhas ao invés de fazerem como o Delegado Spoleta .

Chegavam os reforços vindos de toda parte: Ponta Grossa, Maringá, Londrina, Rio Preto, Ribeirão, Belo Horizonte, Goiânia, Brasília, São Paulo, etc. Da Bahia não veio ninguém por que deu preguiça.

O prefeito não deixou a cidade. Do seu gabinete tentava organizar a resistência aos gays. Ficara sabendo de algumas atrocidades... os militares que eram feitos prisioneiros eram usados como divertimento sexual, logo os gays contavam com um número cada vez maior de interessados em suas filas.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os homens, afetos e desejo - A história não contada. Contexto e lugar de partida - I

O inferno angustiante do desejo Hoje quero refletir sobre um assunto do qual eu deveria saber muito, mas confesso que quanto mais aprendo, menos sei e muito menos acredito. E infelizmente não estou sendo modesto e nem socrático. Quero abordar o tema a partir do ponto de vista de alguém que viveu em outra época e que nela tinha medos, necessidades e expectativas e principalmente, tinha um futuro pela frente com o qual sonhava, mas não sabia o que seria deste tempo. Assim que eu disser a palavra, as pessoas irão abandonar a leitura, imaginando que “lá vem mais um falar do mesmo...” Confie em mim e apenas continue lendo, hoje irei falar sobre as necessidades, emoções, expectativas, vitorias e frustrações dos homens que gostam de homens.   Se não usei o termo socialmente aceito é porque de alguma forma ele está carregado de ideias e informações nem sempre corretas ou interessantes. Pode ser que eu o use mais tarde, mas por ora não.             Acredito que neste texto falo, sobretudo,

Deus - I O Devorador

  Deus me seduzindo            Esse não é um texto para relembrar o passado, mas uma tentativa de descrever o que não pode ser descrito.  Vou meter-me a falar do que não sei. Talvez seja exatamente assim, conhecemos muito e desconhecemos muito mais aquilo que realmente é importante. É como mãe, amamos muito mas às vezes nos damos conta do quão pouco a conhecemos. Entretanto, Deus, como o conheço, foi definido magistralmente pelo poeta indiano Rabindranath Tagore: “Sou um poeta e meu Deus só pode ser um Deus de poetas”. Então, só quem vive profundamente o ser poeta consegue traduzir em si o que isto significa.             Por aproximação tentarei dizer um pouco sobre isso. Uma definição destas não aparece em nosso coração na infância ou na puberdade, surge apenas quando ocorre um amadurecimento íntimo, que não tem idade para ocorrer. Podemos ter uma epifania em algum momento, mas ela só se consolida ao longo do tempo através de outros momentos assim. É como um “dejavu” não tem importâ

Deus III - A sustentação essencial. O que é real? O que é realidade?

  Não dá para ilustrar este texto de forma adequada                 Há muito tempo atrás se alguém discutisse a realidade concreta das coisas e do cotidiano eu mandaria a pessoa “catar coquinhos”. Entretanto as experiências existenciais nos ensinam se permitimos. O tempo passou e tive vários aprendizados que considero importantes. Eles ajudaram a definir minha relação com o mundo e as pessoas. Nestas experiências, e vivências, passei a lidar com um real que é tênue. Perigosamente tênue. O risco de lidar com uma compreensão expandida do real e da realidade é perder o vínculo que torna as coisas entre nós inteligíveis e aceitáveis. Entretanto, não há nenhum caminho, místico ou não, que não passe pela discussão daquilo que nos parece óbvio, e obviamente verdadeiro, irretocável e irrevogável. Então, hoje vou refletir sobre a realidade física e social, vamos desmaterializá-la para só então, falarmos de imaginação. Mas usaremos a imaginação o tempo todo como método para essa discussão.  

Deus II - A dança: Som e fúria

O sagrado pode se manifestar no cotidiano              De todas as coisas sensórias que me envolveram desde sempre o som é uma das mais fascinantes. Trago grudado ao espírito o canto da pomba “fogo apagou” envolto pelo silêncio da fazenda, ambientando a solitude do jovenzinho que sentava-se na improvisada jardineira da avó e olhava longamente para o campo. De um lado o pasto a perder de vista e de outro o cafezal assentado no morro. De um pouco mais distante vinha o som do vento assoprando forte nos eucaliptos, só quem ouviu esta melodia que rasteja pelos ouvidos e dá profunda paz sabe como é a música e o perfume que juntos vem e quando junto deles estamos ainda toma nossa pele a sombra fresca do “calipial”.             Trago no espírito meu pai assoviando. Era um tempo onde os homens assoviavam, e fazer disso uma arte também era parte do seu quinhão. Só com o tempo eu saberia que o som nos afeta fisicamente antes de nos afetar o espírito. O som toca o nosso ouvido, toca fisicament

Os homens, a história não contada. A pornografia e as transformações sociais da AIDS - II

  (Continuo aqui o texto anterior. Passaremos incialmente pelos anos setenta, a televisão e suas influências e chegaremos aos poucos até os anos 90 e as profundas transformações sociais e sexuais que ocorreram na sociedade). Começavam os anos 70 e éramos apenas amigos! Uma das coisas que me passavam pela cabeça quando era menino (05/07 anos) é que eu deveria ter nascido mulher. Mas isso ocorria não porque eu desejasse os homens, mas porque eu era, desde aquela época, bastante caseiro e não queria sair de casa e nem ver pessoas. Depois aprendi a ler e tudo o que eu queria era mais silêncio e menos pessoas. Depois veio a música e aí eu queria ainda mais silêncio e nenhuma pessoa. Mas para um homem essas coisas não eram possíveis. Homens deveriam ficar o dia todo fora de casa trabalhando e fazendo coisas que não gostavam, pois era necessário para sustentar a casa. Então, o Luizinho queria ter nascido mulher para ser “sustentado” e ficar em casa. E eu não achava a vida doméstica tão terrív