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A Grande Rebelião Gay - Estória seriada - 1a. parte

A Primeira Noite


Aquela noite amanhecia como se fosse mais uma destas muitas noites que andam por aí desde os começos dos tempos. A metrópole bem aos poucos percebia a vida reiniciar. Os carros passando apressados, as mães deixando os filhos nas escolas, os meninos de rua deitando-se para dormir, os mendigos acordando... os pássaros voando em polvorosa ...Tudo igual, ...um grupo de pessoas num ponto de ônibus estava estranhamente atraído por um pequeno cartaz num poste. Os cartazes repetiam-se às centenas pela área central da cidade. Alguém, encoberto pela noite, os havia espalhado.

“Não, isto não pode ser” dizia um, outro lia com olhos contritos e reflexivos a conseqüência do que tinha feito e dito antes, outra voz exclamava “Meu Deus” , uma mulher gorda corria para telefonar para casa. Uma avozinha dizia “ é o fim dos tempos, desde a época da minha avó a gente sabia que isto iria acontecer, do que adiantava saber? Eles escondiam-se em nossos lares, nasciam como nossos filhos, diziam-se nossos netos e agora... agora isto”. “ Cambada de sem vergonha!” gritava um homem gordo e mal vestido. “ Se eu pego um pela frente eu mato!” alardeava um rapaz forte e musculoso. “É?- respondia uma mocinha – e não foi exatamente por causa disso que isto aconteceu?”

Um senhor analfabeto pela sociedade pedia desesperado: “Eu nun’ sei lê! Eu nun’sei lê! Uqui é qui tá iscritu?”



“Esta é a Primeira noite.- leu alguém mais caridoso - Depois desta virão outras e outras. Nós que fomos repudiados e perseguidos por todos, decidimos em Assembléia.

Tendo em vista que: nossas mães e pais tornaram-se infelizes por causa da sociedade; perdemos emprego; não temos casa; não temos direito à família, não possuímos nada sem esforço excessivo; pagamos impostos iguais às outras pessoas; não temos direito à vida; não temos direito a amar e sermos amados, pois tivemos este sentimento pervertido pela sociedade; não temos direito à igualdade perante à lei; somos humilhados todos os dias; violentam-nos moral e fisicamente; matam-nos com requintes de crueldade, decidimos combater sem tréguas nosso inimigos.

Deixaremos de ser cristãos e bons cidadãos, uma vez que os cristãos e a sociedade nos renegaram, nós os renegaremos.

Desta noite em diante impera entre nós a lei de Talião “Olho por Olho, dente por dente” e como somos minoria nos regerá a lei da proporcionalidade:

• Se um de nós for demitido por ser gay, cada empresário gay demitírá dez heterossexuais;

• Se um de nós for difamado e maltratado, nossa organização difamará e mandará maltratar outros dez heteros;

• Se nossos pais e mães sofrerem, pais e mães de outros sofrerão. Terão suas casas invadidas e sentirão na pele o crime dos filhos;

• Se um de nós sofrer violência física, outros dez terão membros decepados de seu corpo;

• Se nos ridicularizarem, outros dez heteros serão ridicularizados;

• Se não nos permitirem família, outras dez famílias de vocês não irão se manter, pois um de seus membros será eliminado;

• Se um de nós for morto, dez heteros morrerão com os mesmos requintes de crueldade com que nos matam;

• Se perverterem nossa vida emocional e sexual, outros tantos terão sua vida pervertida pois seviciaremos os homens e tocaremos suas mulheres;

A partir dessa noite iniciaremos os ataques, pois em nossas contas descobrimos que a sociedade está em débito. Devemos então: humilhar, seviciar, estuprar, demitir e matar há muitos. Pois grande é o saldo devedor da sociedade.

Parágrafo último: estas condições não são negociáveis.

Ùltima observação: daremos preferência às crianças, pois é principalmente quando somos jovens que somos atingidos.



Assinado: Guerrilha Gay.”



“Virgi nossa. Cruis Crédu!” Fez o homem depois que leram a mensagem. E assim foi por toda a cidade. Em pouco tempo a notícia estava estampada nos jornais da tarde: “ Gays Atacam!” “A Sociedade está Alarmada” “Guerrilha Gay dá Aviso: Matamos quem nos mata!” “Não saiam de Casa”.

Numa velocidade poucas vezes vista antes a notícia correu o país. E mesmo antes de ser passada no Jornal Nacional da Rede Globo, o prefeito da dita metrópole estava sabendo e alarmado conversava com seus secretários: “Se eu não tomar medidas enérgicas todo o país rirá de mim! Como se não bastasse a cidade Ter essa fama de ser cidade de viado! Agora essa!”. “Sua Excelência, talvez... fosse.. melhor.. agir com prudência.. são apenas cartazes... nada aconteceu ainda e...” argumentava o ministro da cultura antes de ser interrompido pelo prefeito “Conversa mole, e ainda vindo de alguém ‘suspeito como você’! O que quer que eu espere? Um corpo? Casas sendo invadidas? É isso??”. O secretário calou-se. “Não, ainda hoje tomarei minhas providências!” Os outros secretários, mudos, tratavam de dar seus telefonemas depois do que souberam. Uns avisavam as esposas outros os filhos e alguns os "sobrinhos".

Enquanto isso alguns daqueles, que foram responsabilizados pelo manifesto, sem disto se darem conta, começaram a prepararem-se para colocá-lo em prática, como se realmente tivessem participado da Assembléia que deliberou o novo ato. “Devemos nos preparar! Agora as ‘Barbies’ deverão ser chamadas de Rambos, não devem haver gordinhos em nossa linhas de frente! Apenas os mais magros pois são sabidamente mais cruéis!”. Os três grupos gays rivais na cidade não sabiam quem tinha feito o manifesto, mas a idéia foi rapidamente aceita, pois a reação Hetero era esperada a qualquer momento. Rapidamente os cabeleireiros deixaram suas tesouras e armaram-se de facas; os professores deixaram as escolas, os computeiros deixaram o serviço para tornarem-se hakers; os bancários continuaram nos bancos para desviarem o dinheiro para a conta dos inúmeros gays que conheciam; os vendedores de produtos médicos desviaram suas remessas para os grupos da cidade, já aguardando o grande número de feridos. Os enfermeiros das universidades e dos hospitais foram prontamente chamados. Nem é preciso dizer que isso causou uma grande baixa na área da saúde.

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