Alguns amigos têm pedido incessantemente para que eu escreva contos ambientados em nossa própria época. Contemporâneos. Alguns até comentam que os contos que se passam na Antigüidade poderiam ser plenamente transportados sem prejuízo para o nosso momento. Sem desprezar a opinião dos meus amigos, acolhendo-a e desejando também que ela seja útil e verdadeira, penso que eles não sabem ou desconhecem o fato de que sou filho da Guerra Atômica. É, aquela que não houve. Aquela que não sabemos se haverá. Outros também não se lembram eu sou filho da máquina de escrever e da caneta e tive de adaptar-me ao computador (coisa, aliás, bem positiva). O que desejo dizer é que sou do tempo em que havia um terror no ar e menos pressa de que o mundo acabasse. Tínhamos tanto medo de perder a vida e o planeta que desejávamos ver as cores do mundo, os homens como semelhantes, os países como irmãos, etc, etc, etc. Hoje, apesar do pouco tempo em que essas coisas decorreram...o único medo que temos é de não encontrar quem nos ame. E, que encontrando, saibamos o que fazer com quem nos oferece o amor, aquilo que nessa geração desconhecemos.
Em meus contos Antigos as estórias raramente terminam bem, talvez algum resquício da tragédia grega, mas em geral são estórias exemplares. Talvez um pouco moralistas até. No entanto, todas repletas de sonhos, vida, desejo e ação. Ação talvez seja a palavra mais adequada, pois lá na Antiguidade parece ser a época onde as coisas aconteciam. As pessoas se locomoviam com suas pernas de um lugar para outro, hoje, não temos pernas, caminhamos pouco por que elas nos doem. A ação se reduziu a um teclado de computador e sinceramente, não posso falar de teclados de computador, de gente teclando, sem fazer pornografia pura e simples. O cinismo que vaza pelos ágeis dedos dos meus vários interlocutores atuais, apenas me faz sentir num desses talkies shows americanos, ou numa de suas vitoriosas séries televisivas, onde o cinismo, a ironia, o comportamento redundante são as notas principais de uma musica repetitiva e difícil de ser ouvida.
Se na Antiguidade consigo escrever sobre paixão, vida e morte, quase fazendo uma apologia aos próprios personagens...em meu próprio tempo consigo apenas lamentar. Lamentar os sonhos, a vida, a morte e a desesperança. Não consigo ser otimista demais, se não escreverei livros de auto ajuda...e confesso, não sou este tipo de cafajeste. Não consigo ser pessimista demais, por que ainda há em mim uma certa piedade por aqueles que precisam de alguns sonhos e um pouco de luz... Luz que eu mesmo não tenho. É incrível como alguém que sabe o caminho não pode trilhá-lo. Essa é uma época de decadência. E, não é uma decadência qualquer...é aquela esperada..verdadeira ( não sou apocalíptico). Sou da geração do Sentido, mas sentido não há mais...e precisei aprender a viver com isso. Outros já nasceram neste tempo, onde o Sentido se foi e ele não lhes faz falta. Então, vou pra Antiguidade onde o Sentido nasceu, e lá eu me preencho de força para trilhar com a lembrança dele aqui entre os homens.
E essa força é necessária...pois continuamente observo pessoas lutando, sofrendo, buscando, ansiosas como poucos e desejando encontrar-se em algo, ou fazer algo de bom e útil, mas elas nem sabem que é isso que buscam...E, se eu escrever, vai ser apenas de forma melancólica, onde as pessoas lerão ficarão tristes e concordarão ou não e continuarão a se preencherem de informação e mais informação..sem se tornarem melhores por isso, pois afinal, lixo é o que estamos comendo faz tempo. E o que nos tornamos com tanto lixo? Uma grande, cada vez maior lata de lixo. Não desejo contribuir com isso.
Sei que sou um suicida..e que apenas espero o momento no qual a vida não seja mais possível. Vivo uma espécie de contagem regressiva. E me pergunto constantemente, até quando irei suportar tudo isso...e aposto no dia seguinte. Pode ser que a morte me surpreenda e eu não consiga fazer a grande opção afinal, pois chegar aos quarenta numa sociedade torvelinho como essa já está se tornando uma espécie de dádiva generosa de Deus.
E, falando nele... Até isso conseguiram tirar das pessoas. Por que o Deus da maioria hoje é funcional ou não existe. Ou ele te dá coisas ou ele não existe. E, nisso, nos parecemos com os hebreus da época de Davi. E, com exceção de Davi, aquela não foi também uma boa época. Nem profetas havia ainda. Era só gente sacrificando bezerros e pedindo coisas.
Atualmente não precisamos mais pedir coisas, talvez precisemos pedir um caminhão de lixo pra levar tantas coisas que nos deram, outras que compramos, outras que sonhamos, mas cada vez que alcançamos um sonho percebemos o quão ele era pouco afinal e que acrescentamos muito pouco para a vida das outras pessoas. Gosto mais de uma época heróica, onde não há lutas entre as trevas e a luz...onde isso nem é assunto, gosto mais de uma época onde o homem era homem. E que a busca era pra saber o que nos tornava humanos afinal. Aqui e agora, estamos ficando de lado no processo, as coisas funcionam sem nós..haverá um momento em que elas prescindirão do humano? Não sei, mas prescindirão, com certeza de uma boa parte da humanidade.
Sinto que a Guerra Atômica não teria sido má idéia afinal, talvez devêssemos sonhar com ela. As pessoas morrerão de uma forma ou de outra, mas as que sobreviverem terão chances de cometer novos acertos. Teríamos novos heróis e de maneira inesperada problemas novos não vividos... É por isso que não tenho escrito contos contemporâneos, minha época dói demais, e não serei responsável por insuflar suicídios. Ao menos não enquanto houver esperança.
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