Pular para o conteúdo principal

Não, o Cristianismo NÃO é Romano!

No ano da graça de 1999 eu era Professor de “reforço” em um cursinho de Campinas, nesta função também era encarregado, junto de outros professores da área de história a corrigir e colocar on-line as respostas das questões dos vestibulares, antes mesmo das universidades para as quais o exame foi prestado pelos alunos. O texto abaixo surgiu do fato de uma das respostas elaboradas por mim para a questão típica dos vestibulares, “cite: as influências Romanas mais importantes para a cultura ocidental”, ter sido questionada quando coloquei entre as influências do Império Romano o Cristianismo. Um professor de Literatura, que estava em “alta” no cursinho questionou minha resposta, e estranhamente o seu douto saber sobre o assunto prevaleceu sobre o meu. Ele formado em Literatura e eu em História com ênfase em História das Religiões. Na época, como eu precisava muito do emprego, tive de engolir. Mas, minha indignação deu à luz um texto divertido e irônico que agora resolvi publicar. Nunca o enderecei ao seu destinatário, e espero que mesmo hoje ele não venha a lê-lo. Divirtam-se! Naquele tempo eu ainda me dava ao trabalho de responder às tolices humanas, e claro, deixava á mostra minha enorme vaidade hahahhaha. Espero que o conteúdo do texto não deixe ninguém confuso, leiam tudo com uma carga de extrema ironia .

Não, o Cristianismo não é Romano

Este texto é um mea culpa do professor Luiz Vadico, pois diante de uma das questões da Fuvest ele equivocou-se ao afirmar que o cristianismo seria uma das influências sobreviventes da cultura greco-romana no ocidente.
Num mea culpa deve-se colocar todas as razões sólidas pelas quais julga-se culpado, é o que se fará então.
Jesus Cristo nasceu na Palestina, iniciando o atual calendário Mais ou menos por acaso essa região estava sob domínio dos Romanos desde o séc. I a . c., evidentemente que isso foi um mero acaso. Coincidência interessante desta época é que os Judeus estavam esperando um Messias (ungido), que os libertasse do poderio militar dos romanos e instaurasse o tempo de Deus ou o Reino de Deus na Terra. Só por ironia da História, ou de Deus, vieram apenas alguns Messias: João, Batista; Jesus Cristo, Bar Cocheba, alguns chefes zelotas, entre outros. Também não é importante o fato dos romanos terem uma cultura altamente assimilacionista com os conquistados e também não importa se a influência é de mão dupla, ou seja os conquistados também foram influenciados.
Tudo bem que Jesus nasceu em Belém por causa de um recenseamento romano, mas isso não conta. Posteriormente teve que fugir pro Egito, graças as inomináveis ações de Herodes, um rei não hebreu imposto à palestina por Augusto, primeiro imperador romano. Mas essas afirmações encontram-se apenas nos Evangelhos, textos sabidamente não confiáveis.
Assim mesmo, podemos remeter-nos ao texto de Marcos, o mais antigo + - 70 d.c., segundo a tradição escrito por João Marcos e ditado por Pedro, uma vez que esse não sabia escrever em latim língua dos romanos. O texto em questão era dirigido aos romanos. Mais um motivo prá não se acreditar no cristianismo romano, pois a tradição que diz Pedro ter morrido em Roma até hoje não foi comprovada.
Além disso, a suposta liderança de Pedro na igreja primitiva é facilmente contestada consultando-se os Atos dos Apóstolos, onde claramente Thiago é o líder da comunidade judaica em Jerusalém, cidade essa chamada de Élia Capitolina depois que foi destruida por Tito em 70 d.c., razão pela qual não faz a menor diferença a existência de Thiago. Claro que essa forçassão de barra nada tem a ver com o fato do cristianismo ter adotado posteriormente o simpático nome de Igreja Católica Apostólica Romana, associando-se ao poder político temporal no quarto século depois de Cristo.
Tudo evidentemente se trata de uma questão política, pois em termos de pureza doutrinária Jesus obviamente era Judeu e como judeu mandou seus discípulos pregarem sua doutrina, claramente judaica com alinhamento óbvio com o profetismo tradicional judaico, apenas para os eleitos de Deus: os judeus. Este alinhamento com os profetas é bem claro no famosésimo Sermão da Montanha, montanha essa que ninguém sabia se ele estava subindo ou descendo (meros detalhes). Evidentemente estamos cada vez mais próximos da finalidade deste mea culpa, pois Jesus não tinha nada que ver com a religião que se diz cristã.
O verdadeiro fundador do cristianismo foi Paulo, todo mundo sabe disso. E fundou-o numa epístola chamada “Aos Romanos”. Isto não é de se estranhar tendo em vista que em termos de antiguidade os textos de Paulo são mais antigos que os de Marcos. Mesmo assim, a “adaptadinha” que Paulo deu em Jesus Cristo para os Romanos teve o pequeno mérito de fazer o Galileu sobreviver, pois Paulo inseriu uma coisa que é ausente dos discursos de Jesus (com exceção de João, muito posterior em datação aos outros evangelhos), a salvação.
Bem, lembrar outros cultos salvacionistas como o de Ísis e o de Mitra, altamente em voga no mundo romano do século I não é importante, mesmo que o mitraísmo tenha sido quase completamente absorvido pelo cristianismo, inclusive com uma cópia do ritual da missa (sem falar no chapeuzinho do papa, que se chama MITRA papal), a salvação obviamente, com perdão dos pecados sempre foi prerrogativa do cristianismo, que agora já podemos chamar de Paulinismo.
Mas estes textos não podem ser confiáveis completamente...são textos apologéticos, então vamos para os multi amados acadêmicos. Fustel de Coulanges, na obra clássica “A Cidade Antiga” defendeu a tese (comprovada e corroborada por todos os meios acadêmicos) que o cristianismo só foi possível por que o Império Romano dissolveu as fronteiras da cidade antiga, modificou a territorialidade de tal forma que isso deu condições para o surgimento de um Deus desterritorializado, um Deus único e universal. Bem, mas isto não importa por que os acadêmicos gastam a vida pesquisando e mentindo em suas conclusões, conforme dançam as ideologias que os mantêm remunerados.
Bem e se Fustel, esse caro homem desatualizado do séc. XIX está equivocado o que se dirá de Karen Armstrong, historiadora das religiões, no novo clássico “Uma História de Deus”? Ainda por cima tem a agravante de ser mulher...tsc. tsc. tsc.. Essa historiadora, entre outros deméritos, só fez repetir as influências que o cristianismo recebeu dentro do império romano, como o: neo-platonismo de Jâmblico (absorvido por Origenes) e mais posteriormente por Santo Agostinho, sem a doutrina da reencarnação é claro. O Platonismo crasso e escrachado dos Gnósticos, bando de judeus helenizados e esoterizados que atuavam na Asia menor, que adotavam Plotino, etc.
Nem adianta entrar nas discussões do século dois com Clemente de Alexandria, e muito menos saber que foi Constantino que (imperador de Roma) convocou o Primeiro Concílio Ecumênico de Nicéia, que reformulou e deu “a cara” do Catolicismo Romano, na disputa famosa entre Atanásio e Árrio... claro nada disso importa ou é conveniente diante de uma fé pura.
Diante de uma fé pura deve-se acreditar que Jesus fundou o Cristanismo e que ele é essencialmente o Messias, não o judeu, mais o católico. Todos os outros absurdos que os historiadores escreveram, sobre a sobrevivência de textos e cultura romanos a partir da igreja cristã durante a Idade Média é tolice, ainda mais se remetermo-nos ao Império chinês, desculpem ato falho, quis dizer Bizantino. Este Império estranho tinha algumas opiniões diferentes á respeito do que era o cristianismo e aí criou o seu próprio o Ortodoxo Grego.
Para ampliar meus equívocos enquanto historiador das religiões, um tal de João segundo não sei quem, escreveu o Apocalipse, que hoje só perde em autoridade prá Nostradamus. Não obstante ser um gênero literário bastante comum nos dois primeiros séculos de nossa era, este obviamente está com a verdade quando diz que a besta apocalíptica tem cinco cabeças e sobre ela está sentada uma mulher cujo nome é Babilônia.
Não importa também que Babilônia era o nome pelo o qual os judeus, quando perseguidos, nomeavam Roma, e que esta cidade que originou um Império (mas que não originou o cristianismo) ficava assentada sobre cinco colinas.
Nada disso importa, pois quando um historiador pode ser preterido em sua própria área por um professor de literatura, tudo pode acontecer, inclusive a ficção, área por onde dileta o caro profissional, pode ser a essência da realidade.
Uma vez que fui clara e obviamente rebaixado para o plano da ficção, prefiro concordar, por uma questão política evidentemente, com o caro amigo e posso dizer seguramente que o cristianismo não é uma sobrevivência da influência greco-romana na cultura ocidental, mesmo quando o Papa JoãoPaulo II, esteja querendo canonizar Sêneca, um pagão estóico que viveu em Roma no século I e que “influenciou” os primeiros cristão com sua mensagem de tolerância – achei estranho isso por que ele nunca pregou tolerância para com os cristãos, mas tudo bem o Papa também não é um dos melhores.
Não bastasse tudo isso, todos os livros didáticos (desculpem a citação sei como essas obras são falhas) trazem o item religião como sendo de influência greco-romana sobre o mundo ocidental e a religião, claro é o xintoísmo.
Como todo mea Culpa deve ser seguido da mais absoluta verdade e de um reconhecimento completo do equívoco, e tendo em vista que a ficção prevalece sobre a documentação e a pesquisa acadêmica, consegui estabelecer a verdade dos fatos: o cristianismo não é uma influência greco-romana e vou provar por que.
Zeus (também chamado de Júpiter – não direi por qual povo) enamorou-se de um belo Arcádio, um tal de Ganimedes. O moço belo, pastoreava suas cabras, quando Zeus aparecendo em toda sua glória presenteou-o com um galo dourado...o rapaz ficou tão maravilhado com o presente que não teve outra alternativa...entregou-se aos afagos e carinhos de Zeus.
Zeus em retribuição fez com que os homens chamassem uma lua do planeta Júpiter de Ganimedes, nesta lua remota e desértica, até um pouco fria, nasceu um esquimó, filho de Ganimedes (pasmem, ele engravidou). Uma nave de venusianos trouxe a criança para a terra, criança filho de um Deus único (Zeus segundo os Estóicos). Criança filho de Deus único só pode ser Jesus Cristo...bem o resto da história vocês conhecem.
De tudo o que está escrito acima, reconheço a capacidade do meu interlocutor de corrigir os erros de português que de propósito ficam como estão, afinal ele tem que ser útil ao menos em uma área e de preferência para a qual tem formação.

Comentários

Anônimo disse…
Magnífico e divertido texto. Você conseguiu me convencer de que o cristianismo é etrusco! Acho que seu colega de Letras deveria ler o texto, pois quem sabe poderia se converter ao budismo tibetano depois da leitura.
Muito bom, como pesquisador em psicologia da religião achei excelente. parabéns!
Jorge Zacharias
Luiz Vadico disse…
Obrigado Jorge!! Fico feliz que meu texto tenha sido divertido! Afinal, foi com esta intenção que acabei enfim por publicá-lo. Grande abraço!
Vadico
indeterminista disse…
A hierarquização da igreja mostrada pelas cartas, ditas paulinas, mostra de forma inequivoca, que não havia participação de israelitas. Mostra também que, de fato, os que participavam da fé num deus que os levaria ao céu depois da morte, não conheciam doutrina alguma. Só assim para entender como se tornou religião oficial. Os israelitas continuavam na deles. Sem dúvida, um dos motivos da existencia de Israel hoje. A tentativa de misturar com a cultura judaica, deformando-a, merece ser estudada mais acuradamente.

Postagens mais visitadas deste blog

Os homens, afetos e desejo - A história não contada. Contexto e lugar de partida - I

O inferno angustiante do desejo Hoje quero refletir sobre um assunto do qual eu deveria saber muito, mas confesso que quanto mais aprendo, menos sei e muito menos acredito. E infelizmente não estou sendo modesto e nem socrático. Quero abordar o tema a partir do ponto de vista de alguém que viveu em outra época e que nela tinha medos, necessidades e expectativas e principalmente, tinha um futuro pela frente com o qual sonhava, mas não sabia o que seria deste tempo. Assim que eu disser a palavra, as pessoas irão abandonar a leitura, imaginando que “lá vem mais um falar do mesmo...” Confie em mim e apenas continue lendo, hoje irei falar sobre as necessidades, emoções, expectativas, vitorias e frustrações dos homens que gostam de homens.   Se não usei o termo socialmente aceito é porque de alguma forma ele está carregado de ideias e informações nem sempre corretas ou interessantes. Pode ser que eu o use mais tarde, mas por ora não.             Acredito que neste texto falo, sobretudo,

Deus - I O Devorador

  Deus me seduzindo            Esse não é um texto para relembrar o passado, mas uma tentativa de descrever o que não pode ser descrito.  Vou meter-me a falar do que não sei. Talvez seja exatamente assim, conhecemos muito e desconhecemos muito mais aquilo que realmente é importante. É como mãe, amamos muito mas às vezes nos damos conta do quão pouco a conhecemos. Entretanto, Deus, como o conheço, foi definido magistralmente pelo poeta indiano Rabindranath Tagore: “Sou um poeta e meu Deus só pode ser um Deus de poetas”. Então, só quem vive profundamente o ser poeta consegue traduzir em si o que isto significa.             Por aproximação tentarei dizer um pouco sobre isso. Uma definição destas não aparece em nosso coração na infância ou na puberdade, surge apenas quando ocorre um amadurecimento íntimo, que não tem idade para ocorrer. Podemos ter uma epifania em algum momento, mas ela só se consolida ao longo do tempo através de outros momentos assim. É como um “dejavu” não tem importâ

Deus III - A sustentação essencial. O que é real? O que é realidade?

  Não dá para ilustrar este texto de forma adequada                 Há muito tempo atrás se alguém discutisse a realidade concreta das coisas e do cotidiano eu mandaria a pessoa “catar coquinhos”. Entretanto as experiências existenciais nos ensinam se permitimos. O tempo passou e tive vários aprendizados que considero importantes. Eles ajudaram a definir minha relação com o mundo e as pessoas. Nestas experiências, e vivências, passei a lidar com um real que é tênue. Perigosamente tênue. O risco de lidar com uma compreensão expandida do real e da realidade é perder o vínculo que torna as coisas entre nós inteligíveis e aceitáveis. Entretanto, não há nenhum caminho, místico ou não, que não passe pela discussão daquilo que nos parece óbvio, e obviamente verdadeiro, irretocável e irrevogável. Então, hoje vou refletir sobre a realidade física e social, vamos desmaterializá-la para só então, falarmos de imaginação. Mas usaremos a imaginação o tempo todo como método para essa discussão.  

Deus II - A dança: Som e fúria

O sagrado pode se manifestar no cotidiano              De todas as coisas sensórias que me envolveram desde sempre o som é uma das mais fascinantes. Trago grudado ao espírito o canto da pomba “fogo apagou” envolto pelo silêncio da fazenda, ambientando a solitude do jovenzinho que sentava-se na improvisada jardineira da avó e olhava longamente para o campo. De um lado o pasto a perder de vista e de outro o cafezal assentado no morro. De um pouco mais distante vinha o som do vento assoprando forte nos eucaliptos, só quem ouviu esta melodia que rasteja pelos ouvidos e dá profunda paz sabe como é a música e o perfume que juntos vem e quando junto deles estamos ainda toma nossa pele a sombra fresca do “calipial”.             Trago no espírito meu pai assoviando. Era um tempo onde os homens assoviavam, e fazer disso uma arte também era parte do seu quinhão. Só com o tempo eu saberia que o som nos afeta fisicamente antes de nos afetar o espírito. O som toca o nosso ouvido, toca fisicament

Os homens, a história não contada. A pornografia e as transformações sociais da AIDS - II

  (Continuo aqui o texto anterior. Passaremos incialmente pelos anos setenta, a televisão e suas influências e chegaremos aos poucos até os anos 90 e as profundas transformações sociais e sexuais que ocorreram na sociedade). Começavam os anos 70 e éramos apenas amigos! Uma das coisas que me passavam pela cabeça quando era menino (05/07 anos) é que eu deveria ter nascido mulher. Mas isso ocorria não porque eu desejasse os homens, mas porque eu era, desde aquela época, bastante caseiro e não queria sair de casa e nem ver pessoas. Depois aprendi a ler e tudo o que eu queria era mais silêncio e menos pessoas. Depois veio a música e aí eu queria ainda mais silêncio e nenhuma pessoa. Mas para um homem essas coisas não eram possíveis. Homens deveriam ficar o dia todo fora de casa trabalhando e fazendo coisas que não gostavam, pois era necessário para sustentar a casa. Então, o Luizinho queria ter nascido mulher para ser “sustentado” e ficar em casa. E eu não achava a vida doméstica tão terrív