“Uma barata!!” Constatou ao ver a
criatura. Ela estava empoleirada na sua toalha de banho, sempre dependurada de
forma impecável. As pontas colocadas juntas, iguais. O banheiro todo
rescendendo ordem, limpeza e organização. Mas ali, diante dele estava um dos
seres mais asquerosos da natureza. De asas entreabertas, antenas perscrutando o
ar, uma caçadora aérea. Aquele tipo que ataca com voos rasantes quem está
próximo. Antônio ficou tentado a agir
como em outros tempos, dar-lhe uma chinelada e esmaga-la no chão. No entanto,
se lembrou que agora estava em seu apartamento novo – que era velho –, e que
havia comprado um inseticida para não mais fazer o trabalho sujo.
Fechou
cuidadosamente a porta do banheiro, pois não queria assustar a predadora, e foi
em busca do veneno. Veneno, lata preta, com pequenos símbolos de morte
desenhados, caveira para avisar os humanos e retratos de insetos mortos para alertar
suas vítimas. Armado com a mais nova tecnologia de eliminação de coisas
indesejáveis, Antônio entrou no banheiro, e a uma distância segura – não por
que não fosse corajoso, mas era necessário prudência com um bicho destes-,
espirrou-lhe o líquido salvador, que além de matar insetos era anti-alérgico e
sem odor aparente. Encharcou-a sem dó e nem piedade, nem se preocupou com a
toalha; enquanto o fazia preenchia-se de um prazer sádico não admitido. A
barata, senhora de um poder todo dela, ficou ali, fingindo que tomava um banho
delicioso ao sol num fim de tarde. Praticamente não se moveu. Tornando-se digna
– com seu sarcasmo – da crueldade de Antônio.
Fechou a porta e foi ler um bom
livro, e não sabendo se era ansioso ou péssimo leitor apenas uma hora depois
foi verificar o que resultado. Estava pronto para encontrá-la estatelada no
chão. Iria cuspir em seu cadáver nojento. Olhou para a toalha, mas nada da dita
cuja.
Rapidamente
mirou à volta no banheiro e não conseguiu encontrá-la. Achou que pudesse estar
em meio a toalha, assustada, tentando desesperadamente salvar sua vida. Cheio
de coragem punitiva, chacoalhou a toalha para ver se o bicho caía. No entanto,
de dentro do box do banheiro a barata respondeu-lhe voando até o vidro do box.
Parando há poucos centímetros de Antônio, separados apenas por um brindex. Confrontaram-se
por alguns instantes. Ela não parecia em nada assustada, ele também não. Olhou
para ela e teve sangue frio. Era como um duelo de titãs, quase podia ouvir
aquela música típica dos westerns antes dos espectadores saberem quem sacava
mais rápido.
Achou
que ali seria um bom lugar para ela morrer. E se recusou a jogar mais veneno ou
a matá-la por outros meios. Manteve-se lúcido e calmo. Saiu novamente e foi
cuidar da vida, o que não significava muita coisa.
Cerca
de quatro horas depois adentrou novamente o recinto. Olhou à volta, olhou para
dentro do box e nada. Ela parecia ter se evadido. Antônio ficou satisfeito,
agora acreditava que ela iria morrer em seu próprio ninho junto aos seus
familiares e que estes lhe dariam um enterro emocionante e que desta forma aprenderiam
a lição e não voltariam a invadir o banheiro.
Baixou as calças e sentou sobre a
porcelana fria. Tomou de um livro e iniciou a leitura e com ele as suas
necessidades. Qual não foi sua surpresa ao avistar a barata tranquilamente
morta embaixo da pia. Tranquilamente, sim, tranquilamente... eitada de costas,
pernas viradas para cima. Gastou um tempo mirando-a, feliz pelo resultado. Mas
claro, ela se moveu, moveu uma antena e uma perna. Com sua anteninha desesperada
parecia dar um último adeus à existência... Mas com a perna parecia pronta a
ressuscitar apesar de toda a tecnologia utilizada. Antônio observava-a fascinado.
Que resistência era aquela? Limpou a bunda e invejou-a. Mesmo achando que ela
iria sobreviver, resolveu deixar a vida tomar seu curso. Se sobrevivesse ela poderia
voltar aos seus afinal. Deveria haver baratinhas preocupadas com a mamãe em algum
lugar. Porque afinal toda barata é mãe, pois nunca ninguém ouvir falar de
barato, claro com exceção daquele “barato”.
No dia seguinte entrou no banheiro,
e não se sabe se por solidão ou por crueldade abaixou-se para ver se a barata
ali ainda estava. Estava, estava morta, definitivamente morta 24 horas depois.
Outro cidadão pegaria uma vassoura e a varreria dali, outro cidadão pegaria um
pedaço de papel higiênico cataria a barata, jogaria no vaso e daria descarga,
outro cidadão chamaria pela mãe para ela fazer o serviço sujo. Mas Antônio não.
Gostou de vislumbrar o cadáver, aquela morte que lhe parecera um castigo
exemplar deveria agora seguir a sua carreira de exemplaridade. Decidiu contra
todas as leis do bom senso que o corpo da barata morta jazeria ali. Ficaria
exposta como exemplo a todas as baratas que passassem pelo local.
Chegou mesmo a pensar na barata de
um tal de Kafka, no entanto, achava a citação banal. Esta barata era dele. Não
sonharia que se transformava em barata. Nem sentia mais nenhum asco e nojo. Ele
era um vencedor. Com paciência, tecnologia e certa dose de crueldade havia
despachado aquela criatura de uma vez por todas.
Ao longo de cinco dias observava o
destino da barata. Achou que pequenas formigas viriam desmontar o seu
espetáculo. No entanto, desta vez ela não fora morta de forma natural, não fora
à chineladas como em outras épocas, fora veneno. As formigas sabem bem o que
comem e também deram-lhe um recado: não comeremos a sua barata e nem a
removeremos por você.
Não se importou que as formigas não
fizessem o trabalho esperado, e também não desistiu do castigo exemplar. O
corpo da barata até hoje está embaixo da pia, e se as condições de semi-árido
da cidade de São Paulo permanecerem, pode ser que ela possa ser encontrada
mumificada daqui uns cem anos.
O que Antônio não queria admitir é
que aquela exemplaridade toda se devia não ao fato de meter medo a outros
insetos. O que ele queria que todos eles vissem era a sua vitória. Diante dos
problemas todos que enfrentava no cotidiano, vencer aquela simples barata
pareceu uma grande exibição de poder. Ele agora se sentia soberbo e a cada vez
que a mirava lembrava que este poder ele tinha, o de executar uma barata com
absoluta frieza. Olhava para os lados e não tinha ninguém para gabar-se, mas
seria capaz de gritar aos quatro cantos do mundo: Quem pode matar uma barata
com frieza? Quem pode ficar diante deste bicho abjeto sem se assustar? Quem
pode matar uma barata sem uma crise nervosa? Quem pode odiá-la tanto a ponto de
vê-la apodrecer? E, enfim ele se respondia feliz: Eu posso.
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