Lembro-me muito bem da minha
infância. Quando adentrei os muros escolares tinha seis anos e meio. Eu fazia
questão de frisar a idade, pois havia pedido para minha mãe esperar eu fazer os
sete anos necessários para a primeira série escolar. No entanto, como criança,
fui voto vencido. Em meus vários passeios solitários pela escola no recreio,
como chamávamos o intervalo nos anos setenta, volta e meia eu me via diante do
portão, vislumbrando os altos muros brancos e me perguntando: “Por que são tão
altos?” e depois meus olhos fitavam o grande portão de chapas de zinco pintadas
de cor chumbo, e em seguida paravam diante do trinco e da grossa corrente presa
com um enorme cadeado dourado. Tudo era grande para mim, uma vez que era
pequeno. Grande o muro, a corrente, o cadeado, e imenso o tempo de quatro horas
e meia que me separavam da liberdade, da minha casa e da minha família.
Aguardava agoniado as horas até o
recreio. Depois, completamente cansado e triste o momento do sinal, salvador
sinal, parecido com um apito de fábrica, informando que podia ir embora (ao
menos o apito era sincero, era de fábrica, era para proletário). Aprendi cedo
que nada poderia me arrancar daquele lugar exceto alguma doença. Não adiantava
chorar, fazer birra, ou pedir. Só poderia sair quando permitissem. Eu sentia
tudo isso aos seis anos e meio de idade. Eu sentia tudo isso aos sete, aos
oito, até chegar aos dezessete. Os muros imensos, as correntes imensas, os
cadeados enormes. A disciplina autoritária e quase desumana. Ao menos ela nos
mantinha protegidos de outras crianças menos educadas.
A merenda era boa, e as carcereiras
eram boas, os vigias eram bons. Todos ótimos desde que você se conformasse a
estar ali. Dia por dia, semana por semana, mês por mês, ano por ano. E eu me
lembro de perguntar, “O que fiz de errado para estar aqui?” “Por que eu preciso
estudar?” “Por que eu não posso estar com minha mãe?” “Por que eu não posso
estar brincando?” “Por que tenho de suportar todas essas crianças estranhas e
assustadoras?” Jamais acreditei nas respostas que me foram dadas.
Eram apenas quatro horas e meia.
Depois passaram a ser cinco horas e meia. E com o passar dos anos descobri
alguma graça naquilo afinal, fiz amizade com outros prisioneiros. No entanto,
aguardava sequiosamente os finais de semana – que passavam assustadoramente
rápido, e as férias eram o grande sonho de liberdade.
Ainda hoje eu me pergunto, o que foi
que as crianças fizeram de mal para os políticos prometerem aos pais que elas
ficarão trancafiadas um dia inteiro nas escolas? Trancafiadas por anos à fio...
Á
guisa de educarem colocam-nas numa prisão. Não importa como enfeitam, ou com
que palavras bonitas supostos educadores e políticos nos informam sobre um
assunto tão nefasto. A escola é uma prisão. E cada dia pior, os carcereiros não
conseguem mais manter a ordem, e quando conseguem a vida da criança se
transforma num filme de horror. Com os novos celulares, elas podem ficar enfim,
alheias a tudo isso, horas e horas nos aplicativos e joguinhos. Não são diferentes
do que eu fui. São crianças e tudo o que desejam é voltar para a mãe, ou pai,
ou para casa. E também não conseguem entender o que fizeram para merecer
tamanha punição.
Afinal, muito cedo eu aprendi que apenas
bandidos e pessoas ruins iam para a cadeia. E a cadeia é um lugar onde você é
obrigado a ficar contra-vontade. A cadeia tem muros altos, carcereiros,
guardas, cadeados, portões cor de chumbo, penalidades e pessoas que dizem que
estão fazendo o melhor por você...
Sou contra o período integral nas
escolas. Eu fui criança. E você que é pai, que é mãe, é a favor por que?
A educação serve sobretudo para
formar para a sociedade. Formar para conviver, formar para trabalhar. Aí,
quando entramos no mundo do trabalho já não existem muros materiais, apenas uma
educação que nos ensinou a aceitar tudo o que os empregadores oferecem: prisão
remunerada. A troco de dinheiro você negocia as suas horas de liberdade.
Eu não tenho filhos, e até entendo a
falsa necessidade ensinada a todos relativamente ao ensino e ao trabalho. Mas é
uma falsa necessidade. Quem ama os seus filhos não os entrega para uma prisão e
nem para carcereiros, por mais carinhosos que eles sejam. Nas escolas ensinam
primeiro a perder a liberdade, o que ensinam depois é o ódio aos que lhes
obrigam a ficar ali, e depois a subserviência rancorosa. Até quando vamos ficar
cegos a isso?
Pense muito bem nisso: O que você
aprendeu de realmente importante até o final do Ensino Médio: Ler e interpretar
– realmente – textos, e as operações matemáticas básicas. Talvez um pouco de
História, que serve cada vez menos, um pouco de Geografia. E mais o que mesmo?!
Afinal, quem ensina a profissão e outras necessidades é a universidade. Então,
me conta, por que seu filho é obrigado a fazer todo este percurso e a ficar
longe de você e dos seus próprios interesses, se eu e você sabemos que tudo o
que sobrou de tanta prisão e subserviência em dois anos pode ser aprendido?
Com o que os governos gastam em
escolas primárias, creches e a sua manutenção, eles economizariam mais pagando
um dos pais para ficar em casa cuidando dos seus filhos até eles passarem dos
sete anos de idade. Com o dinheiro que é gasto se poderia fazer algo melhor do que
as escolas prisão. Será que com tanta tecnologia hoje não poderíamos pensar em
algo mais interessante para nós e nossos filhos que não seja a prisão, a
subserviência e a repetição destes erros?
Claro, há pais e pais. Arrepia-me a
idéia de que um filho meu devesse ficar trancafiado e entregue a estranhos. Eu
não os tive e eu não os terei por uma boa razão: discordância. Se você acha que
o seu sucesso profissional – essa coisa estranha que lhe foi vendida sem que você
pedisse para comprar-, é mais importante do que o afeto, a liberdade e o
carinho por seus filhos; se você os teve ao acaso e os acha um estorvo, por
favor vote por mais prisões, vote por escolas de período integral. Saia por aí
pedindo mais creches, saia por aí implorando para ser usado, e arraste-se aos
pés dos seus patrões e ensine seus filhos a fazerem o mesmo.
Eu
prefiro não tê-los. Não saberia pedir ao meu filho para se afastar de mim, para
ficar preso num lugar tétrico; não diria para ele que alguém sabe mais que o “papai”.
E sejamos honestos, ninguém sabe mais que o pai ou a mãe. Por que neste mundo
há pouco a se saber de verdade, e este pouco, quem ensina são os pais e não as
escolas. Jamais poderia dizer que meu filho é um estranho para mim. Que não sei
com quem ele anda. Que desconheço essa pessoa que faz “artes”. Não, se ele
estivesse comigo, meu filho seria um pouco de mim e muito dele mesmo, e eu
saberia quem ele é, e saberia com quem ele anda e saberia o que ele desejaria
ser. E de uma coisa tenho certeza absoluta, ele desejaria ser livre, desejaria
ser criativo, não desejaria acorrentar e nem ser acorrentado.
Enquanto lhe obrigaram a ir para a
escola e a aceitar todas as regras que lhe fizeram um perfeito cidadão – ou um
criminoso em potencial – pense no que você vive. Pense de verdade! Olhe para o
seu filho e se pergunte: Eu quero o mesmo para ele? Eu quero que ele repita
essa vida que eu trilhei? Que trilhei por que me ensinaram que a prisão é boa?
Existem duas prisões: a dos criminosos e a das nossas crianças. Todos sabemos o
que prisões fazem com o caráter de uma pessoa.
Ainda bem que tive de suportar pouco
as altas paredes, os altos muros, as grossas correntes e os grandes cadeados.
No entanto, ainda assim, eles são marcas tristes que carrego em mim. A ponto de
lembrar perfeitamente bem como eu me sentia e o que eles efetivamente fizeram.
Ensinaram-me que não posso ser livre, ensinaram-me que não posso criar para
além da necessidade dos dominadores, ensinaram-me a ser escravo de péssimos
senhores. Ainda bem que havia muito tempo livre no qual eu podia pensar em
todas essas tolices... Vai tirar este tempo do seu filho? Espero que isso não
dependa da sua simpatia por mim, mas do amor por ele.
P.S. Também aprendi que um texto com
tantos “ques” é um defeito gramatical conhecido por queísmo. Mas o mantenho,
pois posso escolher.
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