Um grande e bom final de semana. Neste último final de semana recebi em minha casa dois grandes amigos, Edson e Ivan. O primeiro está radicado em Paris há vários anos e o outro já se tornou cidadão sueco. Amigos desde os tempos de Unicamp – salve! Salve!- eles são o exemplo típico de uma sociedade que se tornou globalizada. Desde os meus primeiros estudos de Lyotard, quando ainda lia alguma coisa em espanhol para o Núcleo de Estudos Econômicos e Populacionais da Unicamp, previa-se a existência de profissionais que estariam em “rede”, ou melhor, na rede. Pensava-se naquela época que haveria cidades mundiais que funcionariam como grandes pontos nodais da rede de comunicações. Que o espaço das nações se contrairia e que os territórios seriam dados por outros parâmetros.
Hoje não sei se estas previsões ainda se tornarão realidade, mas estes dois amigos já vivem parte deste processo há vários anos. Diferentemente de outros no passado que podiam estar em diversos países por que possuíam famílias ricas e contatos os mais diversos, estes dois são profissionais que se fizeram por si mesmos. É pela competência que possuem que estão na Europa, é por causa da rede mundial de informações que eles acabaram indo para lá. Vivem neste ir e vir infindo, onde em breve também estarei enfiado.
Fazemos parte de uma nova casta de profissionais, de trabalhadores. Que se desprendem de seus países, de seus familiares, numa imigração constante, sem nunca ter parada ou descanso. Jogados em “rede” indo pelos seus pontos nodais tais quais impulsos elétricos. Arautos de um novo tempo, vivendo as benesses das transformações e também todas as suas dores e dificuldades.
Escrevo este texto para me lembrar de meus estudos e leituras em meu tempo de universidade. Neste fim de semana tive concretizado na minha sala de estar um piquenique, pasmem, com um “sueco” e um “francês”, onde a grande discussão reinante era sobre a frase “focinho de porco não é tomada!” expressão brasileira que os dois espalham pela Europa e que tem tido boa acolhida em vários idiomas. Sabe Deus se os Europeus a entendem realmente! Mas, jamais pensei em minha curta existência, poder ter um pedaço real da mundialização sobre o tapete da minha sala.
Enquanto conversávamos e debatíamos, o telefone tocou, e Edson pediu licença para ir pra Internet, seu irmão que mora em Portugal, precisava falar com ele... Naquele instante senti minhas últimas raízes se desgrudarem do solo pátrio. Ainda estou aqui, mas por quanto tempo ainda estarei por aqui?! Sinto que em breve estarei em outro ponto da rede.
Não gosto de me mudar e nem de me adaptar, mas isto foi o que fiz a maior parte do tempo em minha vida inteira. E, está escrito: se for para me mudar e me adaptar novamente, será para algo maior e mais precioso do que aquilo que tenho hoje, que já é grande e bom o bastante. Mas tenho este defeito, nasci sem limites. E apesar de apavorado comigo mesmo e me dar limites o tempo todo, nem eu suporto mais pensar que posso voltar para um recanto qualquer fora da rede.
O menu de nosso inusitado piquenique: presunto alemão, chocolate alemão, cigarro de cravo (kretek) indonésio, Whisky escocês e um bom vinho português. Salame brasileiro, queijo holandês, damasco da Turquia, pão italiano da padaria da esquina, tudo em cima de um tapete persa, feito no Iraque, e protegido por um lençol feito na China. As cenas foram filmadas e fotografadas por uma câmera fotográfica japonesa...
Não, não somos milionários e nem ricos, tudo isso se tornou possível por causa da globalização do capitalismo e da informação. Muito destas coisas se tornaram mais baratas, a competição internacional nos trouxe novos produtos e ao mesmo tempo fez de cada um de nós novos profissionais e produtos destes produtos. Ainda não sabemos bem o que fazer com isso. Mas que se registre, é o início de uma nova civilização. Há trinta anos atrás, todos estes produtos teriam sido brasileiros, toda a discussão seria em torno da inflação e da falta de perspectivas, o trabalho e a profissão seriam brasileiros, a cidadania, brasileira... Hoje, continuamos do Brasil, por que isso define quem somos, mas nos desprendemos do solo, das perspectivas, da prudência... e novos horizontes, sempre instáveis, se pintam e se refazem o tempo todo diante de nossos olhos assustados, assustados mas corajosos.
Nenhum de nós sonhou com isso. Mas, estamos fadados, assim como outros profissionais, a trilhar constantemente este caminho que se desmancha sob nossos pés constantemente e sendo levados a pisar outros solos e terrenos que tão logo alcancemos também se desfarão. A aposentadoria? Isso não existe mais... esperemos que haja um asilo para os rebentos da globalização daqui a trinta anos. Obrigado queridos amigos, pela visita, que me fez lembrar que as crises agora só podem ser internacionais.
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