Acho a idéia de um mês dedicado à
prevenção do suicídio um esforço louvável. Sobretudo chama à consciência os que
não pretendem se matar. Entretanto é difícil despertar uma empatia real. Algumas
pessoas até se esforçam para localizar alguém que pode virar vítima de si mesma.
E ainda que o façam, se encontrarem alguém, não sabem o que fazer com isso. Faltam
técnicas e palavras adequadas para ajudar a pessoa que pensa em suicídio. Neste
sentido, o mês parece querer dizer: “nós nos importamos”; porém, como tudo na
contemporaneidade, tem o complemento “desde que não dê muito trabalho”. A outra
via é que os que compartilham os mêmes deste período são os mesmos que
compartilham qualquer même. Dito de outra maneira, desejam parecer simpáticos
socialmente e é só.
Como disse antes, boa vontade pode
ajudar, mas não é tudo neste caso. Ás vezes se pensa que suicidas são pessoas que
agem em momento de desespero. Hoje se sabe que boa parte deles planeja
cuidadosamente durante muito tempo, o que irá fazer e como irá fazer. Chega
mesmo a deixar todos os negócios terrenos ajeitados: casa limpa, túmulo
comprado, materiais pra limpeza (próximos do local onde seu corpo será
encontrado).
Suicidas morrem, pois não encontram
sentido na vida. Morrem, pois não imaginam que valha a pena continuar vivendo.
Morrem porque se cansaram de tudo e de todos e não veem mais futuro ou
possibilidades no seu entorno. Suicidas morrem, pois a vida é insuportável.
Ainda que eu pudesse separá-los em “tipos” e motivações, socialmente isso seria
de gosto duvidoso. São inumeráveis as questões que levam alguém a atentar
contra si. E neste quesito pensando que “alguém atenta contra si”, podemos
estar enganados também. Ás vezes deixar a vida pode ser uma decisão muito
consciente, muito ponderada. Ainda que determinada por causas equivocadas, ou
situações e condições que podem ser passageiras, mas que assim não parecem
naquele momento. O suicida não atenta contra si, ele busca de outra forma
eliminar o sofrimento insuportável. É contra o sofrimento que ele age e não
contra si mesmo, que é o que nos parece.
Suicidas morrem, pois a morte parece
ser o único alívio para o seu sofrimento psíquico, físico e moral. O sofrimento
psíquico é algo difícil de ser descrito, pois não pode ser controlado, não é
apenas uma questão de “mudar os pensamentos” ver um “vídeo de autoajuda” (no meu
caso apressaria). O suicida lutou o tempo todo com seus pensamentos malsãos até
que não conseguiu mais. Está exausto, não tem mais forças para combatê-los. Se
os aceitar, fica mais tranquilo levar a vida até o limite que se impôs, pois a
pressão interna assim se alivia. E os sentimentos pioram quando alguém cheio de
boas intenções tenta ajudar: “deixa disso!” “você se preocupa demais” “Ah, você
está encanando” “Amanhã será melhor” e “blá blá blá”. Tudo o que você disser
para um suicida ele já se disse um milhão de vezes internamente, e soa apenas
como um reforço do fracasso dele consigo mesmo. Na sua cabeça ele ouve apenas, “não
funciona” “não funciona”. E o palavrório fica vazio.
Só
há um jeito de romper este ciclo de tormentos, alguém, de cujo afeto ele é
dependente, intervir. Aí as palavras que se disse lá atrás farão sentido. Não são as palavras, mas quem as diz.
Entretanto, este é o caso de muito poucos, geralmente adolescentes. Os adultos
já não querem ouvir mais nada e nem se importam mais com quem os tente impedir.
Pior que o suicídio é a tentativa, pois o fracasso apenas demanda nova tentativa
desgastante. Os que tentam e fracassam, pode se dizer que estavam em sofrimento
e desespero, pois deixaram a possibilidade de serem salvos e impedidos - mesmo
de forma subconsciente. Os suicidas bem sucedidos, estes não tinham a menor
dúvida e pensaram em tudo para que não houvesse erro.
Para
que serve então o Setembro Amarelo? Para você olhar para quem está próximo - e
não no facebook e perceber se algo vai mal. E ao invés de tentar dissuadir a
pessoa, você deve tentar adivinhar as motivações e se esforçar por alterá-las,
não é o suicida que fará isso, pois se ele pudesse já o teria feito. Ajudar um suicida demanda
atitude, motivação e deliberação, não é perguntar se ele vai se matar ou enchê-lo
de blá blá blá, é efetivamente agarrá-lo na beira do abismo e puxá-lo para
trás. Se precisar amarrá-lo até as causas serem explicitadas e alteradas,
amarre-o. Se quiser ajudar, lembre-se, aqui o livre arbítrio dele precisa ser
desrespeitado. Nessas horas, quem ama, não deixa livre, quem ama socorre na
marra.
O
suicídio é a porta de fuga para um desgosto profundo com a realidade, com as
pessoas e as vezes consigo mesmo. Um desequilíbrio químico no organismo pode ser
a causa dos pensamentos malsãos, além da realidade ela mesma criminosa. E às
vezes nem o psicólogo e nem o psiquiatra percebem a causa real. Ajude no que
puder, a quem puder, mas dizer que você está disponível para ouvir, não
adiantará de nada. Você não deve ser a pessoa com quem ele gostaria de falar. O
Setembro Amarelo serve para que você saiba que as causas são complexas, que a
cura é difícil, senão impossível. E também para que você mesmo comece a cortar
as causas na sua vida que possam te levar a essa situação. O suicida está
desejoso de se livrar de uma sociedade que o adoeceu, de pessoas que o
adoeceram e de si mesmo que permitiu o estado doentio.
É
muito improvável que você salve um suicida, mas comece por você. Você pode
começar a se salvar de chegar nesta circunstância. Vamos lá, a vida não é bela,
as pessoas não são boas, as coisas não são justas... E tudo isso frustra porque
desde sempre foram ideias erradas que te incutiram. Viver é algo que acontece
todos os dias, ideias equivocadas levam a becos sem saída, e aí, não tem volta.
Não é a vida e as pessoas ou você mesmo que levam ao suicídio, são as suas
crenças de como a vida deveria ser, de como as pessoas deveriam ser, de como você
deveria ser e não é, e não são, que te levam ao suicídio. É a certeza de que
tomou o caminho errado lá atrás e que não há como mudar muito a sua vida que te
leva ao suicídio. A dor moral, a solidão, o sofrimento psíquico. Tudo começa
com uma crença equivocada em como as coisas deveriam ser. Ao descobrir como
elas são realmente, o suicida diz para si a sua grande verdade: elas são
inaceitáveis como são.
Faça
o que puder, dê afeto para os que estão no seu caminho. Antes de se sentir só
faça companhia. Antes de ser um desafeto seja uma solução. Antes de falar ouça,
antes de gritar, abrace. O suicídio não é um gesto que aparece do nada, e
também do nada não pode ser impedido facilmente. Ele nasce de um longo
cotidiano onde as frustrações e “nãos” são maiores do que os doces frutos da
existência. Demorará para incutir no suicida o gosto por existir, ainda mais se
existir na atualidade.
Imagino
que este não seja o texto que muitos gostariam de ler sobre o assunto, mas
damos do que podemos dar.
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