Hoje
de manhã saí para passear com meus pinschers, e para minha surpresa, eu que
nunca saio de chinelos, saí e um deles se rompeu. Vi-me na constrangedora
situação de um pé calçado e outro não. Estava exatamente em frente a uma
lixeira. Não tive a menor dúvida, tirei meu chinelos com carinho. Afinal era uma
edição única da Havaianas, branca com tiras douradas, dez anos de parceria.
Deixei-as com dó imaginando a galhofa dos lixeiros diante do objeto inusitado.
E
agora? Andaria descalço pelo chão sujo do centro da cidade? Bem, decidi que não
existe chão limpo. Diante de 50 metros para voltar atrás e 500 metros para
seguir adiante optei por seguir.
Hão
de concordar que trata-se de uma verdadeira aventura, pois exige coragem diante
do novo fui andando devagar para não
machucar os pés diante das irregularidades do chão. Foi bom, pois parecia uma massagem necessária
e da qual eu não havia me dado conta.
Logo
um estranho sentimento de liberdade me invadiu. De pés colocados no chão e
caminhando, desajeitado como que pisando em cascas de ovos. Sentia o vento batendo
no rosto e podia até mesmo ouvir de fundo uma música épica. Diante do rosto
pasmo de várias pessoas que me fitavam ao passarem me dei conta de que não era
apenas livre, mas também uma espécie de infrator dos bons costumes. Era como se
dissessem: "não bastasse dar o cu, agora anda descalço".
Ia
seguindo o caminho de sempre, no momento, recheado por preocupações bem
racionais como tomar cuidado por onde pisava. E assim, fiquei pensando sobre
como desde sempre buscamos andar calçados. Ora, nossos pés deveriam ser mais
resistentes, como os de outros animais. Não são. E não apenas os pés, também os corpos. Desde
que pisamos no chão iniciamos uma luta contra a natureza. Precisamos de solas
para proteger nossos pés do chão e de tudo o que há nele.
As
vezes os teóricos dos "deuses astronautas" parecem estarem certos,
talvez tenhamos vindo de outro lugar pois tudo nesse planeta nos agride, claro
só sua extrema beleza que não. Tivemos
de nos adaptarmos sempre, como se não tivéssemos sido feitos para ele e ele para
nós. E tudo nele nos parece perigoso e pouco acolhedor, exceto a beleza de uma
paisagem. Lutamos e dominamos o planeta e até criamos idéias engraçadas do tipo
"não somos daqui". Dir-se-ia que se criou desde sempre uma inimizade
entre nós e a natureza, entre o homem e o planeta.
Buscando
defender-nos devido a nossa fragilidade terminamos de potenciais
"vitimas" da natureza a seus algozes. Até mesmo agora, quando o
resultado de séculos da vitória humana faz com que o planeta se debata e
revolucione concluímos que suas forças dantescas se levantam contra nós. Continuamos agindo como os homens da caverna
antes de dominarem o fogo. Tudo é medo, tudo é assustador e isso nos paralisa
para fazer o que é necessário, cuidar do meio ambiente. Diminuir nossa intervenção
na natureza e aceitarmos mais a nossa condição de criaturas frágeis.
As
pessoas que me olhavam como infrator, com certeza diziam-se: "Esse chão é
sujo, muito sujo... Como ele tem coragem de por os pés desprotegidos na sujeira
que criamos? Até no mato ele estaria mais seguro".
É
verdade, desejando proteger nossa fragilidade criamos um mundo muito mais
perigoso onde não temos coragem de andar descalços. Nesse dia Internacional do
Meio Ambiente não precisa estragar os chinelos, mas vá para fora e fique de pés
no chão. Goze essa liberdade e esse
desconforto moral. Precisamos nos tornar contraventores de um sistema que vê a
natureza como ameaça. Não somos de outro
planeta e nem de outro lugar, somos daqui mesmo. Se a Terra é a nossa mãe é
legítimo que corramos para tira-la da zona, pois a prostituem até a exaustão.
De
pés no chão ao menos nesse dia.
(P.s.
Lavei os pés loucamente quando cheguei em casa rs.)
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