Quando penso fazer a crítica de um novo conceito e o seu significado eis que ele já se desatualiza. Com o novo app Chat Gpt o que direi aqui pode ser elencado nas notícias tardias do dia, ainda necessárias, pois se forem bem refletidas podem mudar alguma coisa. A palavra que mais encontro em minhas buscas por trabalho é “produtor de conteúdo”, há pouco tempo atrás, há uns sete anos, se referia a professores que faziam um “bico” produzindo material para o EAD (ensino a distância), que estava se firmando no país. Pagava-se pouco, mas ainda era animador para alguns colegas.
Evidentemente,
para tudo o que se paga pouco, se tem o “pouco de qualidade” de volta. Vimos a
baixa qualidade do EAD inicial despencar para nenhuma qualidade, e depois para “experiência
sofrível” obrigada pela “ignorância existencial” na qual a população foi
mergulhada e se mergulhou. O pouco que pagavam pelo “material” naquela época,
virou muito pouco, mas muito mais pouco na atualidade. Nem sei mais quem se
atreve a fazer estes materiais, que são espúrios e os que aceitam fazê-lo
também o são. Enfim, foi aí que se popularizou o termo “produtor de conteúdo”.
Nas redes sociais aos poucos, em vez
de estarmos conversando e trocando idéias, paulatinamente, fomos sendo
desapropriados daquilo que postávamos, até que o Mark Zuckerberg anunciou que
tudo o que era postado no Facebook seria sua propriedade. Foi preocupado com
isso que em fins de 2018 iniciei o livro O Moinho que derrotou Dom Quixote, no
qual busquei preservar e dar sentidos e significados outros a uma produção
literária de dez anos que estava sendo surrupiada pelo Facebook. Ainda que eu
tenha essa preocupação por ser escritor, a minha parte que não é escritor ficou
informada e gravada nos bancos de dados daquele site, assim como tudo o que vocês
fizeram nestes anos todos.
Então,
durante alguns anos estávamos alegremente nos comunicando, compartilhando idéias,
conversando alegremente, trocando poemas, fotos alegrias e tristezas, depois
nos informaram que tudo o que havíamos feito era “conteúdo” e que agora poderia
ser usado à nossa revelia. Não bastasse o fato de que inicialmente nos
preocupávamos com nossa privacidade que vinha sendo paulatinamente ameaçada com
o excesso de exposição que éramos incentivados a realizar, agora diziam o seu
momento “vergonha alheia” nos pertence. Até aí tudo bem, aceitamos. E viramos
produtores de conteúdo para o Facebook e depois Instagram e outros. O detalhe é
que é o nosso conteúdo que mantém as pessoas na rede, então retroalimentamos
este sistema.
O passo seguinte foi tentar engajar
as pessoas por mais tempo. O Facebook descobriu - e quem não sabe? – que nossa
vida era limitada e pouco interessante. Então surgiram os outros “produtores de
conteúdo” – um conteúdo raso, formado por textos minúsculos ou apenas imagens,
recheados de vazio e chamadas curiosas criados para que as pessoas “compartilhassem
e curtissem” e continuassem “interessadas”. Tudo isso para que fossemos
bombardeados por publicidade constante e nossos gostos e interesses mapeados
para depois se reverterem em propaganda dirigida.
Aos
poucos não tínhamos mais espaço para conversas e nem para verdadeiramente
compartilharmos ideias como foi no início deste app ou como era no extinto
Orkut. Não tínhamos mais espaço nem para divulgar um livro novo, como é o meu
caso e de outros autores, fomos silenciados pelo algoritmo que detecta “propaganda
não paga” e não deixa que os usuários a vejam. Então o Facebook passou a
usar-nos e a não nos oferecer nada em troca. Produzimos conteúdo e não somos
pagos por ele. E o que não produzimos, curtimos, compartilhamos e damos de
graça as informações sobre nós que são posteriormente vendidas.
Chamou-me a atenção quando, na busca
por emprego, mais e mais encontrei as palavras “produtor de conteúdo”, e elas
eram seguidas pelos tipos de conteúdo a serem fornecidos. Vamos deixar bem
claro, então. O que são: Professor, produtor de conteúdo instrucional; Músico,
produtor de conteúdo musical; Escritor, produtor de conteúdo literário (ou
quase); Cineastas, youtubers, influencers, prostitutas, garotos de programa,
nudes perdidos... Produtores de conteúdo. Todo o universo de qualquer atividade,
que resulte em um determinado tipo de informação, está colocado sob o guarda
chuva do “conteúdo” e do seu produtor. Pensem bem, chamo atenção para o fato
óbvio que cada uma destas atividades possuem um grau de dedicação e esforço
diferentes para serem realizados, e logo, necessariamente, têm valor econômico
e social diferente.
Ao
lançar-lhes o epíteto de “conteúdo” ou “material” o que se faz é retirar o
valor socialmente agregado. Nega-se a remuneração adequada àquele que o produz.
Assim, lá atrás o “material” que era um “bico” que alguns professores mal pagos
faziam para complementar a renda se transformou no centro de um mercado que
demanda “material”; que paga ainda menos por este e que desconhece
completamente quem o produz e a qualidade que tem. E este mesmo conteúdo é
vendido ou dado para nós como sendo o suprassumo da melhor qualidade possível. Com
certeza é a melhor possível, uma vez que ninguém mais sabe o que é qualidade,
pois perdemos as referências.
Na internet tudo é conteúdo e todos
somos produtores de conteúdo. E como há muita oferta, mais do que a demanda – é
o que nos dizem – tudo é muito pouco pago e extraem de nós todo valor possível.
Em pouco tempo somos esgotados, e o grande vampiro que é este sistema segue
sugando tudo por aí até deixar exangue os produtores. Importante notar que não
falo de desempregados. Apenas esbarrei com o termo no mundo dos recursos
humanos.
Agora estamos entrando numa nova
fase. O que se fará com todo o conteúdo online que produzimos? Ele nos retroalimenta,
entretanto agora a inteligência artificial, inicialmente chamada de algoritmos,
utiliza todas essas camadas infinitas de conteúdo para aprender e se tornar uma
personalidade. A Inteligência Artificial se tornou produtora de conteúdos, e
nem preciso dizer que se humanos “produzem conteúdos” “conteúdos produzem
humanos”. Fomos aos poucos esvaziados da nossa existência cotidiana, da nossa
privacidade, atirados ao mundo virtual e tornando-nos dependentes dele. Aos poucos
fomos expropriados de nosso conhecimento e saber
fazer, fomos sendo reduzidos a “compartilhadores” de conteúdo. Fomos
manipulados à exaustão – haja vista que um bando manipulado destruiu a sede de
poder em Brasília. Então nas relações de trabalho não somos mais profissionais
desta ou daquela área, mas produtores de conteúdo. O quanto recebe um produtor
de conteúdo? O mesmo que qualquer outro. E se você não é minimamente pago pelo
seu trabalho, o que irá acontecer? Desestímulo e fim da produção. Entretanto, a
produção que interessa para as redes já está lá, criamos um imenso e profundo
reservatório de dados. Deste reservatório a Inteligência artificial cria o que
quer, ou o que mandamos – como se soubéssemos mandar.
Logo,
voltamos ao início deste texto, com o novo aplicativo que cria qualquer coisa a
partir de dados existentes na internet, podemos esquecer também a minha queixa
inicial de que os profissionais viraram “produtores de conteúdo” e que todos se
igualam nessa nova categoria. A régua baixou no pior nível possível. Mas como
eu disse, isso já não é mais assunto.
O genocídio dos Yanomamis é assunto.
Há dois anos eu dizia o tempo todo “é necessário retirarmos Bolsonaro do poder!”
e todos retrucavam, “melhor aguardar a eleição...” e eu repetia: “ele é um louco
perverso, não pode ficar no poder. Ninguém sabe do que ele é capaz de fazer!”
Infelizmente eu estava certo. Absolutamente todos que não quiseram tirar
Bolsonaro quando era possível, não fizeram o impeachment, ou fizeram lengalenga
nas redes sociais, são responsáveis pelo o que ocorreu com os Yanomamis. Eu sou
responsável por não ter repetido este mantra todos os dias, por não ter estado
nas ruas implorando pelo fim do governo. Daqui por diante sejamos menos
ingênuos.
Fomos expropriados do nosso “saber”
e de tudo o que ele nos custou, virou “conteúdo”. Deixamos de ser pessoas,
viramos “produtores de conteúdo”, e atualmente não somos mais nada, pois agora
a inteligência artificial fará o que nos restava. E com a porcaria de formação
intelectual que sobrou para os jovens ninguém poderá competir com a produção de
conteúdo da Inteligência artificial. E em breve, ela estará formando e
formatando pessoas ainda mais do que têm feito até agora.
Bom
dia, Apocalipse!
Comentários