Quando nos tornamos desempregados, e demoramos muito para
nos recolocarmos, caímos num estranho limbo para o qual ninguém nos preparou. O
que mais incomoda é ver o apoio que inicialmente vinha de amigos e familiares
transformar-se em velada crítica: “ele não se esforça o bastante”, “é muito
exigente”, “só reclama”, “não faz nada”, “não tem assunto...” “Não se distrai!”, “Precisa viajar!”, “Pensar
em outras coisas!” Entretanto a maioria deles não participa da sua vida
diretamente e nem te ajuda de verdade, e nem te ouviu reclamando. A melhor
parte mesmo é quando não falam mais contigo, pois têm pena e não sabem o que
dizer. Depois de algum tempo, você que sempre foi um bom, se não um ótimo
profissional, começa também a se questionar. Se eu era bom, por que não achei
emprego ainda? Se eu era bom por que as pessoas não me vêm mais com bons olhos?
Por que me cobram investimentos que eu não tenho dinheiro para fazer? Por que
depois de tanto estudar sempre me dizem que preciso mais, justo eu que sempre
fiz mais? E por que, sofrendo, querem que eu sorria como se nada estivesse
acontecendo?! Não, não obteremos respostas para essas perguntas, pois morrerão conosco.
Outra coisa que não percebemos no início é que passamos
cerca de dez horas por dia em torno do trabalho. É por ele que dormimos num
horário e levantamos cedo. É por ele que buscamos nosso melhor humor depois do
café. É por ele que tomamos banho e colocamos a roupa adequada, e às vezes a
mais bonita. E ao chegarmos para a lide sempre tem alguém que fala do perfume,
ou de como está bem a camisa nova. O trabalho faz parte do nosso auto
espetáculo cotidiano. É a nossa “passarela”, ali sorrimos, fazemos sorrir, às
vezes brigamos, e mantemos relações sociais bastante fortes, que duram dez
horas de um dia de 24. E, devido ao tempo, e às emoções vividas juntos, passamos
a ser amigos dos que trabalham conosco. Sem notar, entretanto, que na
realidade, em sua maior parte são colegas de trabalho. São importantes, mas não
efetivam laços verdadeiros, pois tudo é passageiro nas relações de trabalho.
Claro, menos as nossas emoções e afetos que se realizam em meio às paredes da
empresa: “Unidos para sempre até que o RH os separe”
Logo após receber a notícia da demissão ficamos chateados,
e depois um pouco aliviados. Fazemos a crítica da empresa, a nossa autocrítica
e vamos em busca de outro lugar onde passar dez horas diárias. Caprichamos no
sorriso, no otimismo, vemos um milhão de perspectivas no horizonte e caminhamos
cheios de vontade e energia. Colocamos a nossa melhor roupa e talvez exageremos
um pouco no perfume. Em casa as pessoas sempre se despedem com otimismo e
esperança e você retribui com o pensamento positivo. Passa um dia, um mês, um
ano, dois anos, mais um pouco, 36 meses. Então sua roupa bonita ficou velha,
seus sapatos gastaram. Já não tem de dormir cedo, pois não tem por que acordar.
Não precisa tormar banho e nem passar perfume. Tudo passa a significar gastos,
enquanto você gastou sua autoestima neste tempo e percurso. Viu todas as suadas
economias, que eram para realizar seus sonhos, virarem nada. Você está na pior.
E como me disse um amigo, “você nem imagina o quanto na merda as pessoas acham
que você está!” Agora você se parece com Rommer Simpson, mas se lembra que ele
tem emprego. Até um idiota tem um emprego, mas não você.
Depois de ter vivido bem com o que sabia fazer, pois
estudou muito para isso, descobre que para continuar a carreira (se esta for
continuar existindo) deve se sujeitar ao salário de um porteiro, sem que este
tenha feito investimentos para ganhar o que ganha, exceto sorrir. Pensando bem,
sorrir é algo difícil de se fazer e talvez os porteiros devessem ganhar um
salário melhor por isso. Tem gente que sorri muito, mas exatamente por isso
dificilmente será porteiro. Sinal que está em acordo com a desejável vida das
dez horas de trabalho.
O que é difícil no desemprego é a solidão social que nos
atinge. Não há mais quem te incentive. Ninguém que elogie sua roupa ou sua
disposição, ninguém com quem fazer piadas. Se você tiver família, um lar que te
acolha, ele se transforma no pior lugar do mundo para se voltar. E descobrirá
que por muito pouco você não é um morador de rua. Só falta a rua. Pois mais e
mais as pessoas que te incentivavam e depois te cobravam, agora te ignoram, e
quando você precisar pedir, provavelmente dirão que não incentivam esmolas.
O desempregado se torna aos poucos um pária social. Ele é
mais indigno que o bandido, pois este tem autoestima e uma opção ao trabalho. O
desempregado é tão nada que nem marginal ele consegue ser. Seus dias começam a
passar desanimados, mais desanimados, até que ele desiste de lutar. E quem pode
culpá-lo?! Todo mundo. Pois, esquecem que ele perdeu seu emprego por causa de mudanças
estruturais profundas na economia; esquecem que sua profissão está sendo
achincalhada e está desaparecendo, esquecem que existe um mínimo digno de
salário por horas trabalhadas. E esquecem, pois ninguém deseja estar próximo ao
sofrimento ou a um problema insolúvel. E às vezes é insolúvel por isso mesmo.
Aí um dia o desempregado está nas ruas, ou mesmo se mata.
Mas ninguém nota mais, pois arrancaram dele (e ele não conseguiu obter de volta)
aquelas dez horas por dia que importavam todas as outras horas restantes.
Levaram a dignidade, a autoestima, os amigos, os colegas, a vaidade, até mesmo
o seu corpo seguirá desacompanhado de velório. E se ele tiver família e descendentes, a
memória que ficará será a pior possível. “Aqui tens uma flor e um punhado de
terra”.
Não julgue severamente um desempregado, às vezes ele não
tinha mais nada, nem amigos, nem família, apenas aquele emprego. E raramente o
desemprego é culpa do trabalhador, uma sociedade que caminha bem, social e
economicamente, não tem carentes de 10 horas do dia. Tem opções e
oportunidades, aquelas mesmas que o desempregado achou que teria quando foi
demitido. Se não há horizontes para os olhos, faltam caminhos para os pés.
Auguri!
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