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Dia do Livro - meu primeiro Livro



            Acho que todos temos certas estórias de infância, ou no meu caso da puberdade. Não é segredo que não venho de uma família de letrados, o saber em casa é o do homem rural, a preocupação era com a natureza, o ciclo da lua, as estações, o que plantar, como plantar, como colher...

            De forma inusitada achou o Bom Senhor Deus que este era um bom lar para eu nascer.  Então havia algumas coisas incompreensíveis para meus pais, como eu querer tocar piano aos sete, e aos dez querer escrever um livro, e aos onze estar pintando meus primeiros quadros.

Talvez o que ninguém soubesse era da minha consciência infantil do valor destas coisas. Eu as via como importantes e mesmo sem saber o que elas eram eu as desejava. Foi assim com a música, a literatura e a pintura.

            Foi com um sentimento cheio de orgulhosa pretensão que comprei meu primeiro livro. Não foi em uma livraria. Chegou-me o Ferrugem – já imaginam a personagem – e disse que a sua professora estava vendendo livros do Círculo do Livro e me perguntou se eu queria um. Imediatamente, estufando meu peitinho vaidoso fui logo declarando: “Eu quero!” Sem esperar ele me tascou a pergunta: “mas qual?”

            Pergunta difícil, eu nunca tinha lido um. “Ora, qualquer um!” respondi. E eis que uma semana depois ele me apareceu com um livro de capa rosa com letras em preto que diziam um nome misterioso: “Ivanhoé” Todo feliz já fui arrancando o livro das suas mãos.

            Alguns desavisados podem achar que o li imediatamente. Que nada! Ter o livro era algo mais especial e importante do que lê-lo. Eu pegava, namorava, a capa dura plastificada, folheava, via as figuras...e nada de ler. Fiquei um tempo levando ele pra escola. Provavelmente para mostrar para todo mundo que eu tinha um livro. Tê-lo junto a mim pareci me tornar mais importante. Ainda bem que nunca ninguém perguntou o que ele contava. Ainda assim ele parecia mais sério e interessante do que o dicionário que eu até então costumava ler.

            Naquele mesmo ano de quinta série nos mandaram ler Iracema. Este sim foi o primeiro livro que li. O livro de José de Alencar era maravilhoso. As imagens poéticas, a escrita bela, encantador. Só não tinha figuras. Pouco mais de um ano após comprar Ivanhoé me animei a lê-lo. Mesmo por que eu sempre o olhava cheio de culpa. Mas a versão facilitada para jovens era chata, fácil demais, perdia a graça para quem havia lido Iracema.  Eu o li devagar, abandonava, reiniciava, abandonava, reiniciava. E chegando próximo do fim perdi a paciência e fui logo para as páginas finais.

            Bem, sei que este parece um início prosaico para um leitor e escritor, mas foi assim. A magia estava em ter. Mesmo que não compreendesse por que um livro era algo tão especial. Eu queria tê-lo por que era importante, por que um livro era algo valioso. Apenas muitos livros depois fui descobrir de verdade por que são tão valiosos.

            Estranho que por mais que eu tenha me tornado um leitor ávido anos depois, sempre me interessei mais por escrever do que ler. E um ano depois de comprar Ivanhoé, eu escrevia “As Aventuras de Défoe em Outra Dimensão”, após ter torturado meus pais até ganhar uma máquina de escrever.

O que um livro me disse foi: A sua imaginação pode se tornar realidade. E desde então eu tenho imaginado, ricamente imaginado, e escrito livros.

Não importa como você chegou ou chegará a um livro, apenas chegue. Não importa se você ficou dizendo para ele: “Abre-te Sézamo!’ e ele não abriu sozinho. A magia de um livro está nele mesmo, em tudo o que ele significa, mas só funciona de todo quando lemos.

Neste dia do livro leia um. Pode ser até o de uma criança pretensiosa como eu.
 


 

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