Em meio a uma savana onde o mato
crescia baixo, duas trilhas se cruzavam. Ambas bastante antigas, e ninguém sabia
qual havia nascido primeiro. Numa bela tarde de sol se deu o inusitado encontro
dos seus viajores. Vinha um grande elefante, liderando sua manada. Andava
devagar, para que ninguém se perdesse, mesmo assim, vinha bem à frente do
grupo. Em meio a mais um passo que iria dar, de repente teve sua atenção
chamada para o chão:
-
Ei, Senhor Elefante! Onde pensa que vai?
Parou-o de forma muito arrogante uma
formiga, enquanto descarregava o pequeno pedaço de folha no chão. Pronta para
afrontar o maior animal da terra. As suas outras companheiras continuavam
carregando suas cargas, alheias ao que acontecia. O Elefante, por possuir
grandes orelhas a ouvia com facilidade. Era um formiguídeo bem nutrido, mas ainda
assim, era um nada se comparado a ele. Eram os caminhantes das duas trilhas que
se encontravam, os grandes paquidermes e as pequenas formigas.
- Irei levar minha manada até o rio!
– respondeu de forma igualmente arrogante.
- Ah, só por que é grande acha que
pode esmagar-nos? Quem você pensa que é? – falou despeitada.
- Não pretendo esmagá-las! – afirmou
cheio de autoridade: E eu não penso que sou! Eu sou o Rei dos Elefantes! E se
você ficar de lado para passarmos, será muito saudável para você e suas amigas!
Se observar pode até mesmo aprender algumas coisas!
Extremamente irritada com tanta
empáfia, e ao mesmo tempo curiosa com aquela arrogância, no entanto, cheia de
ares de autoridade, a formiga perguntou aborrecida e com pouco-caso:
- Ah e o que eu teria a aprender com
o Rei dos Elefantes?! Vai me ensinar como ser a rainha dos paquidermes?!
O Rei deu uma gargalhada diante da
arrogância da pequenina, mas como possuía grandes orelhas e a ouvia, acreditou
que ela também poderia ouvi-lo de verdade, e afirmou: Não! Todavia, posso ensiná-la a como ser a Rainha
das Formigas!
Ao ouvir isso, algo se acendeu
dentro dela. Deixar de ser uma operária e ser a manda-chuva do formigueiro.
Apesar de não ter ouvidos tão grandes, ela sentiu que poderia ouvi-lo se
ficasse de mente aberta para coisas novas. Foi logo perguntando, ainda cheia de
pouco-caso:
- Diga-me então, seu fanfarrão, como
posso me tornar a Rainha, se nós formigas somos condicionadas às nossas
funções?
O Elefante, que nada mais queria do
que alguém que lhe desse ouvidos, foi logo fazendo uma longa preleção:
- Na verdade ninguém é condicionado
a nada! Isso foi algo que lhe ensinaram para que continuasse a fazer seu
trabalho sem nunca questionar. A sociedade das formigas é muito tacanha,
atrasada e fechada! Vocês todas são escravas! Vivem para sustentar a elite!
- Elite? Que elite?
- Ora, a Rainha, as princesas formigas
e as guerreiras! Elas comem todos os seus esforços, ou você não percebeu ainda?!
Uma parte fica lá no formigueiro, no bem bom, só comendo e procriando, se
enchem de larvinhas formigas; outra parte fica obrigando as operárias a ficarem
nessa eterna fila, trabalhando sem descanso. Chegam até mesmo a oporem vocês aos
Elefantes. Justamente a nós, nobres criaturas, que só desejamos o bem.
E como se o limite fosse as
estrelas, explicou para a inseta boquiaberta com suas revelações:
- Primeiramente, você deve se
destacar. Trabalhar mais do que todas as operárias juntas. Mostrar o seu
empenho. Deve ser resiliente e sobretudo, inovadora. Mesmo as formigas da elite
irão reconhecer o seu valor. Depois, deve se unir às operárias e pedir melhores
condições de trabalho, e uma parte maior da comida. E, claro, você não irá
trabalhar tanto para não obter vantagens para si. Não! Não! Não! Nada de
altruísmo! Torne-se a encarregada das operárias. Uma verdadeira líder! Depois,
quando conseguir se destacar, case-se com uma das princesas, ou um dos
príncipes, aquilo que você preferir! E, logo, quando a velha rainha menos
esperar, você vai lá e a desafia para um duelo. E, como você é jovem e forte,
vencerá e terá todo o apoio do formigueiro, pois seu reinado significará o fim
da opressão.
Até os passarinhos pareciam terem
parado de voar para escutar o belo discurso do Rei Elefante, e para terminar
ele disse: Faça como eu fiz! Não estou aqui por que nasci nobre! Estou aqui por
que sou um líder e conquistei o meu lugar!
A formiga ficou encantada com
aquelas sábias palavras, e mal tinha tido tempo de guardá-las no seu
coraçãozinho, quando ouviu:
- Agora, querida, por favor – pediu
de forma doce, mas cheio de falsa bonomia – saia para o lado, pois eu irei
passar! E saia ainda mais para o lado, pois a manada de elefantes é grande e
não são tão bondosos quanto eu! Até mais! Foi um prazer conhecê-la! Quando for
rainha me convide para um chá!
A poeira que a manada fez ao passar
nem havia baixado, e a pequena formiga já estava se esfalfando para ser a
melhor operária.
Os dias se passaram, e ela batera
todos os recordes de produtividade. Havia carregado montanhas de pedacinhos de
folhas. A ponto de não caber mais nenhuma no formigueiro. Ela era incansável,
pois agora tinha um objetivo na vida, e iria alcançá-lo. Aos poucos ia
conversando e tentando convencer as formigas operárias da necessidade de
mudanças. No entanto, elas não possuíam orelhas de elefante e não a ouviam, e
tentavam impedi-la de trabalhar tanto de forma desnecessária. Não sendo bem
sucedida com as operárias, tentou convencer as guerreiras, enquanto continuava
trabalhando sem cessar. Também sem sucesso, pois as guerreiras riram da
pretensão de uma mera carregadeira. Levou algumas surras das formigas militares
para aprender onde era o seu lugar.
No entanto, ela já sabia qual era o
seu lugar: era o da Rainha!
O Elefante estava coberto de razão, pensava,
jamais havia existido uma sociedade tão injusta quanto a dos formigas. Uma
elite que sugava todos os seus esforços e uma rainha que de tão gorda tinham
uma traseira imensa. Escravizava a todos dizendo que tinha de botar ovos. Mas
esta formiga - tomada de indignação, e por que não dizer, ambição - acreditava
que com o formigão certo, ela também poria ovos...
As semanas passaram e passaram. E
sua plataforma política não encontrava apoio. Sua energia não diminuiu, no
entanto, a frustração tomou conta dela. Muita amargura, e a eterna sensação de
que era prisioneira, que tinha sua liberdade de expressão tolhida. Aos poucos o
ódio se apossou dela. Seria Rainha. Se não pudesse seguir todas as etapas que o
Elefante lhe ensinara, iria pular todas elas.
Num acampamento de homens próximo
dali ela sabia existir a mais perigosa das armas. Fôra desde pequena alertada
para não pegar aqueles pequenos grãos brancos. Mas agora não tinha outra
escolha. Foi até lá. Pegou um daqueles misteriosos grãozinhos e o carregou
lentamente para o formigueiro. Ia antegozando o seu futuro. Chefe! Autoridade
Suprema! Rainha! Quase podia ouvir o coro das operárias, guerreiras e princesas
tecendo hinos de glória à grande libertadora.
Sem que ninguém notasse, ela deu
formicida para a Rainha. Após o primeiro bocado, a pobre deu um grande grito de
dor. Parou imediatamente de parir e morreu espumando pela boca. Pânico por
todos os lados, as guerreiras ficaram desorientadas e sairam espetando as
operárias, estas assustadas e confusas espalhavam-se e corriam para fora do
formigueiro; as princesas formigas fugiam, pois não sabiam o que fazer sem a
grande mãe. Enquanto isso, nossa heroína gritava:
- Parem! Parem! Voltem aqui! Eu as
libertei! Sou a nova Rainha!
Chegou até mesmo a subir no topo do
formigueiro. No entanto, via apenas multidões de formigas desorientadas se
afastando dali para a morte certa a céu aberto. Sentada, entre lágrimas
sentia-se a formiga mais triste e incompreendida do mundo. Tanto fizera pelo
bem do formigueiro. Lutara tanto para chegar até ali, e o máximo que ouvira aos
seus apelos foi o comentário de duas guerreiras: “Que quer aquela ali?” “Não
ligue, é louca! Todo mundo sabe! Trabalhava mais do que o necessário e ficou
assim”
Em
pouco tempo ela estava só. Tudo deserto, todas dizimadas ao sol, jogadas ao
vento. Mesmo mergulhada em desgosto profundo, só conseguia pensar que havia
fracassado. Que aquele Elefante arrogante iria se rir dela e jamais poderia
convidá-lo para o chá para retribuir a empáfia com mais empáfia.
Nesse ínterim, onde as trilhas se
cruzavam, o grande Rei Elefante levava a sua manada novamente para o rio, e
notou satisfeito que agora havia apenas uma trilha. Olhou para o chão, como se
estivesse à cata daquela formiga, e cheio de satisfação, disse quase
sussurrando, para os outros não pensarem que enlouquecera: Sou o Rei dos
Elefantes, é isso que sou!
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