Espero não causar nenhuma polêmica,
pois esta questão para mim está imersa em grande racionalidade. A mídia nos
últimos anos (deve ser a Globo) tem dado ênfase na violência contra mulher,
seja em relação ao feminicídio seja em relação ao assédio e violência sexual.
Tem sido muito importante os avanços ocorridos nesta área. Talvez um dos passos
mais importantes tenha sido a criação da Lei Maria da Penha (e o esforço pela
sua aplicação) e também o estabelecimento da Delegacia das Mulheres. Os números
de telefones e aplicativos de celular destinados à denúncia da violência
doméstica se multiplicam. E isso é bom. Sou favorável a que todos vivam.
Como todos sabem tenho sido gay
desde sempre. Então eu também tenho medo de sair às ruas e sofrer violências
(principalmente as com requinte de crueldades que são as que mais atingem
gays). Muitas vezes na vida senti-me como as mulheres, assustado ao passar
junto aos “famigerados homens heterossexuais” (gostam de andar em bandos, os solitários
também me assustam rs). Entretanto, os que me conhecem também sabem que sou uma
pessoa íntegra, com um forte senso de justiça e com a mania de observar
detalhes que passam a outros passam despercebidos; talvez vejam, mas não gostam,
ou não têm coragem, de trazer à tona.
Na minha busca por informações
relativas à violência passei por alguns sites (respeitáveis), e me chamou
atenção uma discussão na sessão comentários
do site Jusbrasil; ali homens lutaram
bravamente contra uma única mulher
(bem poderosa). Apesar dos esforços dela e da minha simpatia inicial, acabei
por concordar com os rapazes dali. Os números sobre a violência vistos nas
estatísticas requerem interpretação. Quando, por instinto, resolvi abordar o assunto
- que já me incomodava há algum tempo-, fechei no tema “violência”, homicídio
(homens mortos), etc. Mas não poderia falar tão somente dos números relativos,
precisava compará-los por gênero; não por que as mulheres ameaçassem os homens,
mas por contraposição.
No
site acima a mulher interlocutora colocou muito bem a questão relativamente à violência
que as mulheres sofrem. Esta vem em sua maior parte de homens, logo - segundo
ela - o homem é o opressor. Essa conclusão
logica levou a uma fúria de publicação de estatísticas e mais estatíticas nos
diversos comentários masculinos, que se seguiram. Os comentários foram numa
direção que eu já suspeitava, pois presto atenção nos números e estatísticas
que a TV mostra e menos no que o jornalista fala. O Brasil é um país extremamente violento. Ponto. O quarto mais violento
do mundo. Ponto. 92,2% das mortes violentas são de homens (e ainda que haja
diferença entre negros, pardos e brancos - proporcionalmente ao seu numero na
população a diferença nem é tão grande). A população carcerária feminina mal
chega a 6% do total da do país, e deste só 5% são reclusas por cometerem
homicídios. Que ótimo, as mulheres são menos violentas.
Tendo
em vista os comentários postos no site Jusbrasil é importante notar que este
texto não se trata de um Homem x Mulher, quem mata mais, quem bate mais... Não
se trata de uma disputa por visibilidade na mídia. Este texto é um esforço para
colocar de público uma preocupação social e humana com os homens. Os homens são
as maiores vítimas dos homens e logo da sociedade (criada não somente por
homens). Em homens manterei também as vítimas de homofobia do sexo masculino.
O
percentual de homicídios no Brasil tem sido mais ou menos constante 92% de
homens. Geralmente os homens são os agressores, causadores tanto das agressões
físicas quanto sexuais e psicológicas. A moça que bravamente defendia a causa feminina
no JusBrasil, bem falou: o homem é o opressor. E os homens que disputavam com a mesma responderam: ainda que o homem
seja o opressor, quem está feliz em ser o opressor?! O que compensa para alguém
ser o opressor?! Ser chamado de opressor quando estatisticamente ele é a
maior vítima de toda e qualquer forma de violência no país?! É isso, sob a
palavra “homem” não podemos abrigar todos os seres de sexo masculino subtendendo
que são todos violentos.
Sim,
as estatísticas, se analisadas pelo viés
do homem como vítima não mentem. O
homem é a maior vítima da violência no país e também o seu causador na imensa
maioria dos casos (menos no caso da violência doméstica onde eles sofrem
56% da violência). Os dados que usei, deixarei os links ao final, podem e devem
ser acessados. Todos devíamos acessar essas fontes para entender um pouco mais
do nosso país. Os papéis sociais do homem e da mulher têm mudado nas últimas
quatro décadas. Todavia, no quesito homens matando homens a coisa não mudou
muito. O aumento do número de homicídios o longo de várias décadas foi
escandaloso. Quanto mais o tempo passou neste país, mais homens mataram homens,
mais e mais violência foi cometida; principalmente de homens contra homens.
O
que mais temos visto é a imprensa, a mídia (talvez a Rede Globo) tratarem os
homens como opressores. Diuturnamente os homens são assim tratados, de manhã,
de tarde, a noite e até de madrugada. Os homens são violentadores, os números
não mentem, mas mentem quando se trata da violência sexual contra homens. É
difícil encontrar um homem no Brasil que não tenha sido vítima de abuso sexual
na infância ou na puberdade e até mesmo na adolescência. Mas não há registros.
Por que a violência sexual sofrida por homens é relevada e aceita, faz parte
daquele leque de coisas “típicas de meninos” - “mija ali naquela árvore, meu
filho, você é menino não tem problema!” Assim, desde cedo, o homem é tolhido no
desenvolvimento da sua intimidade. Homens tudo podem desde que seja no
coletivo, sem direito à subjetividade. Quando conseguem desenvolver alguma ela
é massacrada pelo grupo (não só de homens, as mulheres também têm um papel
importante nisso). Precisamos falar dos homens como vítimas. Inclusive,
precisamos falar dos homens que são vítimas e vitimam. Pois a deformação
emocional e psicológica a que são submetidos os meninos resulta numa
personalidade complexa, também ela deformada.
Sempre
me senti um homem medroso. Sempre temi a sociedade, temia homens, mulheres,
cachorros e gatos (gatos não, só não gosto deles); morro de medo, até hoje, de
ser vítima de violência (até mesmo a de trânsito). Quanto mais envelheci, mais
percebi que no Brasil o medo é uma coisa comum a todos, só não têm medo
assumido os extremamente violentos (sejam homens ou mulheres), pervertidos
emocionais ao extremo. Todos têm medo, entretanto, os homens são os que mais
temem. Nem a mãe deles permitiu que fossem frágeis, sensíveis ou que
manifestassem medo. Isso vem num crescendo - não é desde sempre - acredito que
no século XIX esteja a chave de todos os males. Os homens sempre foram violentos
e incentivados à violência. Entretanto, o morticínio nunca tão foi geral e
completo quanto hoje. Pois antigamente havia regras de como a violência deveria
se dar, quais eram as formas aceitas. Os códigos de honra. O machismo,
justamente criticado, não foi criado apenas pelos humanos do sexo masculino. O
homem não é opressor sozinho na empreitada da violência.
Em
muitas regiões deste país as mulheres são as chefes do lar. E isto é comumente
utilizado para sugerir que os homens “não prestam” e foram embora. Também
aprendi isso. O que muita gente não fala junto desta informação é que boa parte
dos homens, seja o marido ou os filhos, foram incentivados e obrigados a irem
procurar trabalho em outros lugares e por lá se perderam (de todas as formas). Há
poucas semanas houve duas denúncias de trabalho análogo à escravidão. Ora,
quantas mulheres haviam ali? Nenhuma. A maior parte dos trabalhos forçados no Brasil ainda ocorrem sobre o corpo masculino.
Por
que o homem se não for guerreiro não tem muita função em lugar nenhum, exceto
a de ser provedor da casa. Espera-se que para isso ele lute, corra atrás, morra
do coração mais cedo, que não tenha nenhum tempo para ficar com os filhos, que
vá para outro país, outra cidade, outro estado, ganhar a vida para sustentar a
mãe, os irmãos, a mulher, os filhos. “Credo!
Isso não é verdade!” Pois é, não é. Apenas olhe para as calçadas nas
grandes cidades e você verá “moradores de rua” e quase nenhuma moradora de rua
(exceto quando a família toda está na rua). Os milhares e milhares de moradores
de rua no país são homens em sua imensa maioria. A maior parte deles não nasceu
na cidade e nem no estado no qual se encontra nesta situação. A maior parte não
volta pra casa por vergonha. Pois aprenderam desde cedo qual era a sua função e
o quanto os outros dependiam do seu sucesso e como ele não poderia fracassar.
Sempre
que passei pela cracolância em São Paulo, ou pelas ruas de Campinas, ao ver um
homem destruído, jogado no chão dormindo, sempre olho com piedade. E imagino-o
bebezinho sorrindo no colo da mãe. Imagino que esse bebe tenha sido amado por
uma pessoa. E hoje olho para ele atirado ao chão. Sobrecarregado de cobranças
sociais, de cobranças de si para consigo mesmo e impossibilitado de se
levantar. A pergunta, relativamente a estes “moradores de rua”, onde está a
assistência para os homens? Não apenas para as famílias, ou para a mulher, digo
para os homens especificamente.
É
preciso cuidar dos homens. Precisamos cuidar dos homens para que a sociedade
seja menos violenta; precisamos cuidar
dos homens para que eles possam ter direito a subjetividade e a sensibilidade.
Precisamos parar de achar que o termo “homem”
abarca todos os indivíduos de forma total e compreender cada homem dentro do
seu grupo social e atende-lo dentro do mesmo. Numa coisa todos os homens
são iguais, todos sofreram violência. Todos sofreram coerção dos grupos de
meninos, ou da sociedade. Os homens
sofrem de uma inegável e indiscutível solidão, mesmo quando parecem estar muito
bem em bandos. E bandos é um bom nome para a forma como obrigam os homens a se
organizarem. Não é a toa que a sociedade vê a amizade masculina como sendo
forte e que há entre eles muita união. O que os une é um doloroso silêncio de
quem foi massacrado desde criança e chegando a puberdade e adolescência a coisa
foi ainda pior.
Sim
o homem é o “opressor”, mas não a maioria deles. A maioria se formou, de forma
mais ou menos digna e justa, diante de uma pressão grupal que é difícil
explicar para quem não participou dela. Todos os gestos de um “menino” são
vigiados, corrigidos, educados; da forma de se sentar - com as pernas abertas
-, até onde precisa “mijar” para manter sua masculinidade. E, assim vai. De
repente - no futuro - voltarei ao assunto, é algo muito extenso e intenso. Pois
desde sempre existiram Machos Alfa, e esses oprimem os outros, e essa opressão
é silenciosa e torturante. Claro, muitos
e muitos homens conseguem se sair melhor que outros nessas relações, mas todos,
absolutamente todos, saem com marcas dessa luta.
Queridas
mamães e queridos papais, ao mandarem seu filho o tempo todo para junto de
outros meninos, ao negarem a ele a introspecção e a subjetividade, achando
anormal que ele usufrua do silêncio num espaço só seu. Lembrem-se, ao enviarem-no ao encontro de um grupo de meninos e rapazes
será para estabelecer com eles relações de cumplicidade e tolerância em relação
a uma série de violências que milenarmente se repetem. É como digo, precisamos cuidar dos homens. Precisamos
acolhê-los, precisamos retirar dos seus ombros este fardo de solidão e
violência. É preciso olhar com maior generosidade para os heróis caídos. Há
indigências de todos os tipos, mas não haverá diminuição da violência quando
acuamos os violentos e os sobrecarregamos. É preciso cuidar deles para que a
violência não surja e se surgir, é preciso cuidar para que não cresça.
Comentários
Não nego a fragilidade masculina, nem a necessidade de se olhar para os homens. Mas eles são sim privilegiados socialmente. Não dá prá negar isso. Acho que na sua provocação você propositalmente ignora a experiência feminina. Essa "obrigação" dos iomen sentarem com as pernas abertas me parece um desbravado absurdo.
Mas concordo que é necessário colocar em discussão a opressão dos homens sobre os homens. E a opressão do machismo em geral, exercido por homens e mulheres.
Mas não concordo que haja muito barulho na defesa das mulheres. Acho que o silêncio sobre a opressão grassou tanto, que qualquer murmurar parece muito alto.