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Eu posso

            “Uma barata!!” Constatou ao ver a criatura. Ela estava empoleirada na sua toalha de banho, sempre dependurada de forma impecável. As pontas colocadas juntas, iguais. O banheiro todo rescendendo ordem, limpeza e organização. Mas ali, diante dele estava um dos seres mais asquerosos da natureza. De asas entreabertas, antenas perscrutando o ar, uma caçadora aérea. Aquele tipo que ataca com voos rasantes quem está próximo.   Antônio ficou tentado a agir como em outros tempos, dar-lhe uma chinelada e esmaga-la no chão. No entanto, se lembrou que agora estava em seu apartamento novo – que era velho –, e que havia comprado um inseticida para não mais fazer o trabalho sujo. Fechou cuidadosamente a porta do banheiro, pois não queria assustar a predadora, e foi em busca do veneno. Veneno, lata preta, com pequenos símbolos de morte desenhados, caveira para avisar os humanos e retratos de insetos mortos para alertar suas vítimas. Armado com a mais nova tecnologia de eliminaç

O que ensinam aos motoristas brasileiros

Depois de dirigir por poucos anos, andar de ônibus e taxi, a partir de dados estatísticos científicos, acabei por concluir o que se ensina nas auto-escolas ao motorista brasileiro. Se é não sei, mas é o que eles aprenderam. Faixa Sempre avance até a metade da faixa quando o sinal ficar vermelho, isso irá garantir que você saia antes que os outros poupando segundos importantes do seu tempo. Quando for fazer conversão, buzine para o pedestre sair da faixa, pois o sinal está aberto para você. Ele pode reagir te xingando, mas isto é apenas prova de que ele é um ignorante das leis. Ao ver o pedestre na faixa acelere, afinal, ele não é cego, está vendo que você tem prioridade. E a prioridade é o seu carro, pois pesa algumas toneladas e em alta velocidade pode matar. Então, “Saia da frente seu imbecil!” Se perceber que o sinal for fechar acelere ao máximo, se não der tempo, freie em cima da faixa, e se tiver pedestres melhor, é sempre bom acordar esses lesados.

Sobre a Morte

A morte e a morte. Diante dos fenômenos cotidianos de como se morre é difícil buscar uma forma adequada de emoção diante do morrer. O doente está numa UTI, resguardado pelas inúmeras máquinas e técnicas hospitalares, no entanto, a tecnologia isso não arranca nossa angustia e desesperação diante dos entes queridos que partem. Aceitamos a civilização moderna, e as suas regras esdrúxulas que limitam a visitação ao doente... Todavia, ficamos angustiados e desejando participar, e estar cotidianamente ao seu lado. Nos informam que não podemos, e isso causa ainda mais angústia. Depois nos informam que morreu. Mas a morte, que primeiro nos habita o imaginário, nada tem de imaginação, é real. O corpo do morto pesa, nós o tocamos e constatamos a ausência de vida. O Olhar não contém mais nada da pessoa que conhecemos. As várias possibilidades musculares que antes o ajudavam a demonstrar que se tratava de uma individualidade, desaparecem. E ao olharmos o corpo ele é apenas isso

Escola em Tempo Integral: Eleições, Papai, Mamãe e a Criança...

            Lembro-me muito bem da minha infância. Quando adentrei os muros escolares tinha seis anos e meio. Eu fazia questão de frisar a idade, pois havia pedido para minha mãe esperar eu fazer os sete anos necessários para a primeira série escolar. No entanto, como criança, fui voto vencido. Em meus vários passeios solitários pela escola no recreio, como chamávamos o intervalo nos anos setenta, volta e meia eu me via diante do portão, vislumbrando os altos muros brancos e me perguntando: “Por que são tão altos?” e depois meus olhos fitavam o grande portão de chapas de zinco pintadas de cor chumbo, e em seguida paravam diante do trinco e da grossa corrente presa com um enorme cadeado dourado. Tudo era grande para mim, uma vez que era pequeno. Grande o muro, a corrente, o cadeado, e imenso o tempo de quatro horas e meia que me separavam da liberdade, da minha casa e da minha família.             Aguardava agoniado as horas até o recreio. Depois, completamente cansado e tris

Dia do Livro - meu primeiro Livro

            Acho que todos temos certas estórias de infância, ou no meu caso da puberdade. Não é segredo que não venho de uma família de letrados, o saber em casa é o do homem rural, a preocupação era com a natureza, o ciclo da lua, as estações, o que plantar, como plantar, como colher...             De forma inusitada achou o Bom Senhor Deus que este era um bom lar para eu nascer.   Então havia algumas coisas incompreensíveis para meus pais, como eu querer tocar piano aos sete, e aos dez querer escrever um livro, e aos onze estar pintando meus primeiros quadros. Talvez o que ninguém soubesse era da minha consciência infantil do valor destas coisas. Eu as via como importantes e mesmo sem saber o que elas eram eu as desejava. Foi assim com a música, a literatura e a pintura.             Foi com um sentimento cheio de orgulhosa pretensão que comprei meu primeiro livro. Não foi em uma livraria. Chegou-me o Ferrugem – já imaginam a personagem – e disse que a sua profess

300, a Ascensão de um Império.

Muito divertido. Vale por algumas imagens espetaculares, de tirar o fôlego. No entanto, a estética foi um pouco prejudicada por cortes rápidos, um pouco mais de tempo para apreciarmos a beleza teria sido desejável. A música tem momentos bons e até ótimos, mas não escapa da música épica enlatada. Repetitiva, maçante e exagerando nos instrumentos de percussão (eletrônicos, claro) Agora o mais divertido é ouvir toda aquela patriotada americana transportada para a Grécia Antiga. Gente!! Os Persas (iranianos atualmente) atacaram até com homens bombas!! Claro, para não ficar evidente demais a questão política colocaram uma mulher grega liderando o exército Persa. Artemísia, pobre rainha cujo nome foi lembrado apenas para batizar uma figura caricata. A referência ao Irã é tão exagerada que teve até petroleiro no filme, jogando petróleo no mar para depois tacar fogo. E claro, ele explodiu, pois é típico de um filme de Ação que haja explosões. Em seguida vieram os homens bomba.

Coisa Obscena

“Luiz, chegou um sedex pra você” – me disse esta tarde um dos porteiros do meu prédio. “Sedex?!” repeti. E logo ele me deu um pacote fechado, cujo formato deixava adivinhar o conteúdo. Exclamei feliz: “Um livro!”, pois era esperado. Fui logo assinando o papel preso à prancheta, burocraticamente oferecida. E todo entusiasmado, confessei enquanto assinava, “Sabe, este livro eu nem sabia que existia, é o terceiro do meu escritor predileto!” Aí, aconteceu algo muito inusitado, o rapaz que não chega a ter trinta anos, e é de longe o mais “mauricinho” dos porteiros, nada de cara de “tô nem aí” e nem aquela barriguinha bem fornida, é jovem e bem posto, então dá para se entender a minha surpresa. Ele me perguntou cheio de constrangimento, como quem perguntasse algo que me deixaria envergonhado se eu respondesse que sim. Difícil traduzir o tom da voz, a expressão do rosto, mas, assim, do nada ele tascou-me a pergunta, parecendo obscena: “Você já leu um livro inteiro?”