Dia das mães chegando. Sempre achei esta uma das datas mais felizes. No que me diz respeito parecia aquela com menos pressões sociais. Afinal, damos um abraço forte e gostoso em quem amamos e isso é a própria expressão de felicidade. Entretanto, para algumas mulheres essa data também pode ser um pouco triste, pois relembra o fato de que não puderam ser mães, ou tiveram que fazer a dura escolha, abortar um ou dois, para que os que tinham nascido pudessem viver com uma mínima dignidade. Sim, hoje vou falar com você que chora em segredo.
Pedro WEINGARTNER, A fazedora de anjos (tríptico), óleo sobre tela, Brasil, 1908. (detalhe)
Nossa sociedade sempre colocou
uma excessiva carga nos ombros das mulheres. Talvez a maternidade seja ao mesmo
tempo uma bênção e também uma espécie de cruz que elas carregam. À mulher não
se permite aliviar dos ombros essa carga. Se ela o faz, precisa carregar este
ato em segredo pelo resto da vida, pois até mesmo sua melhor amiga irá recriminá-la
com os olhos, ainda que a tenha amparado. Estamos muito acostumados a pensar na
mulher que aborta como sendo a “vagabunda” que se deixou engravidar sem pensar
nas consequências, a “irresponsável”, a mulher “má e cruel”. O título de um
quadro que está na Pinacoteca de São Paulo, me marcou profundamente desde o
primeiro momento que o vi, “a fazedora de anjos”. Achei tão belo, tão
enternecedor, pois parecia que era uma grande mãe fazendo bebês. Até saber da
triste realidade, assim eram chamadas as mulheres que tinham como prática
ajudar outras a abortarem. Dolorosa condição.
Ainda que não devamos demonizar,
romantizar ou banalizar essa prática, desejo novamente lhes dar um abraço. Da
mulher de personalidade mais fria até à mais amorosa que não teve nenhuma
escolha, quero abraçar vocês, pois sei que a lembrança do que precisaram fazer
as persegue todos os dias. Não necessariamente como culpa, mas como pesar.
Jamais conheci uma religião ou instituição social que realmente as acolhesse ou
abraçasse. E pergunto-me por que. O aborto é praticado por mulheres de todos os
tipos - e de todas as personalidades -, de vários níveis sociais e culturais. E
as motivações nem sempre são as mais nobres ou minimamente justificáveis. Mas,
quem sou eu?! Deus não me fez seu juiz. Jesus nem precisou me ver com uma pedra
na mão, para depois dizer que eu não tinha autoridade para atirá-la. Não, não é
do meu espírito sair por aí distribuindo cargas. Só quero lhes dar um abraço,
pois sei que o dia das mães pode ser um dia muito amargo.
Há pouco tempo tive nos braços
uma mulher com mais de setenta anos que foi levada a abortar aquele que seria o
terceiro filho. Décadas levando dentro de si uma culpa silenciosa.
Perguntava-me, será que “Deus irá me perdoar?!” e em seu desespero, com os
olhos cheios de lágrimas, se culpava dizendo coisas que a TV fala “Eu não devia
ter feito isso, onde come dois, comem três...” Então, usando o que eu conhecia
de sua vida e de sua família, a acolhi num abraço e disse o que me parecia
verdade: “Não, a vida foi extremamente difícil, e com um terceiro filho poderia
ter se tornado impossível, e tudo o que você desejou foi dar uma vida melhor
para os outros filhos...” Meu gesto adiantou para retirar a culpa de tantas
décadas? Claro que não, obviamente que não. Talvez o sofrimento dela fosse
menor se não houvesse tanta pressão relativa à maternidade. Nesse caso, eu
tenho certeza de que ela teria tido o terceiro filho, se as condições deste país
fossem mais justas.
Entretanto, não é de justiça social de que falo, pois pode parecer que
desejo criar uma justificativa, ou muito pior, que alguém entenda que eu digo
que “de outra forma” isto é injustificável. Não, eu já disse, hoje só quero
lhes dar um abraço. Minha mãe morreu e hoje sou o filho que vocês perderam e
não puderam ter nos braços. E quisera que todos os filhos que ficaram “órfãos
de mãe e pai” pudessem lhes dar um abraço e acolhê-las. Da mulher de personalidade mais fria à mais
amorosa, posso dizer com profunda segurança, que Deus as perdoa e acolhe. E
quando digo personalidade fria, quero dizer que todas são igualmente
merecedoras de acolhimento. Não devemos, em nosso orgulho e vaidade, escolher
apenas os que se humilham para exaltá-los. Não, sejamos melhores, abracemos sem
distinção. Deus gosta dos frios e dos quentes, os mornos ele não gosta muito,
mas também está aceitando.
Não sei os números, não me importo com estatísticas corretas nesse
momento, porém imagino que o maior número de abortos seja levado a efeito por
mulheres que já são mães e que não possam sustentar mais um filho. E que por isso
levarão este triste sentimento de perda dentro de si em silêncio o resto da
vida. Sempre se sentindo desconfortáveis quando chega a época do dia das mães,
se questionando, que “porcaria de mãe eu sou?!” Eu te direi: Você é mãe, uma
mãe valorosa que teve de fazer escolhas muito difíceis; e seus filhos, se
soubessem deveriam ainda mais amá-la, pois puderam encontrar seu lugar no mundo
graças a você.
E a mulher que foi “irresponsável”? Bem, quem de nós não é irresponsável de
vez em quando?! (hoje só estou falando das mulheres, dos homens falo outro dia)
Se ela não estava preparada para ser mãe com todas as responsabilidades que
isso traz - que não o fosse. Se vier a desejar ser mãe algum dia, que o seja.
Também não quero que se culpem e que se martirizem com este fato. Por outro
lado, o corpo é seu, mas sugiro que também não banalize o que foi feito e que
nem faça isso novamente, pois é socialmente traumatizante e perigoso para a
saúde. Venha cá! Venha até esse pecador, me dê um abraço e não “peques mais”, e
torceremos para que isso ocorra assim. E que as pessoas e as circunstâncias
sociais não lhe dê mais perdas ou as aumente ainda mais.
Não, eu não quero ninguém triste no Dia das Mães. A minha Mãe já partiu
dessa vida, e nesse desconfortável dia me irmano com todos aqueles e aquelas
que estão nessa triste, mas natural, orfandade. O amor que nos foi ofertado,
não o direcionemos apenas para um túmulo ou para as lembranças, mas para todas
as mulheres que - sem que ninguém saiba - estão carentes do afeto de filhos que
não puderam ser. Sejamos agora os filhos amorosos de outras mães, outros pais,
irmãos e irmãs. Não há lágrima que não mereça ser secada, não há sorriso que
não mereça ser vivido. Deixemos as culpas e os pecados para aqueles que
realmente os têm.
“Misericórdia o que
quero, e não sacrifícios...”
Comentários
Há muitas nuances sobre maternidade que precisam ser colocadas em pauta.
Parabéns pelo texto.