Na coluna Leitor, da Revista
Veja, desta semana, surgiram vários e-mails comentando ou protestando contra a
matéria de J. R. Guzzo ("Parada Gay, Cabra e Espinafre") que circulou pelo Facebook através de uma onda de
indignação. Depois dos vários e-mails dos leitores a Veja publicou a seguinte
nota:
“Nota da Redação: Veja lamenta que o artigo em questão tenha sido
interpretado por alguns leitores de uma maneira que não coincide com as
intenções do autor e da revista.”
Sou a favor da liberdade de
expressão. Então, até ler o artigo me calei. Lendo, fiquei de queixo caído como
todos os que sabem como é viver a condição homossexual. Em meio a argumentos
aceitáveis e a outros nada cabíveis, J. R. Guzzo deu sim vazão a uma enormidade
de preconceitos. A matéria em alguns
momentos possui tom francamente ofensivo.
Sempre fui daqueles que lutaram
pelos direitos gays, mas jamais fui pela “afirmação pela diferença”, que é um
dos fios argumentativos daquele autor. Não acredito na afirmação pela diferença,
se podemos ser aceitos é pelos traços que temos todos em comum (como seres
humanos). Não ser pela “afirmação pela diferença” não faz com que eu a negue, é
uma opinião diante de atitudes políticas do Movimento Gay e pronto.
No entanto, dizer que gays não sofrem mais ou
menos violência que os “não gays” é uma deslavada mentira. Lembro-me da cara de espanto de meus colegas
de trabalho quando os informei de que nos últimos vinte anos eu perdi 14 amigos
(próximos ou nem tanto), por razões ligadas à homossexualidade, a maioria delas
violência pura e simples e algumas com requintes de crueldade. Prestem atenção: catorze. Quantas pessoas podem dizer que perderam 14
amigos em condições violentas? Meus colegas me olharam incrédulos e então comecei
a relatar caso a caso. O porquê da incredulidade? Eles eram gays classe média,
média alta, alguns bem formados em universidades. Depois deste dia, acho que
passaram a me ver como uma vítima em potencial. Nada mais verdadeiro.
Quando as pessoas veem estes
números, muitas vezes pensam que se tratam de gays marginalizados, caindo das
bordas da sociedade (o que não deveria significar menos). Como estão longe da
realidade, é que ela não os toca. Não até que seus filhos digam: “Papai, mamãe,
sou gay!” Ser vítima de homofobia não é privilégio de pobres, ricos ou raças. A
condição homossexual iguala a todos (as). Até o cachorro do gay, é suspeito de homossexualidade.
Quem dirá os pais, que após o filho ser conhecido pela sua condição, passam a
serem conhecidos como “o pai do viado” e “ a mãe do viado”.
As opiniões de J.R. Guzzo não me
chocam, já as ouvi centenas de vezes pelas ruas de São Paulo. E, infelizmente,
depois de algum tempo perdemos a capacidade nos chocarmos o tempo todo. O que realmente me deixou perplexo foi a nota
que reproduzi acima. Para a dita revista
“ele não disse nada errado” vocês é que interpretaram mal. É um absurdo
dantesco que um veículo da imprensa não se responsabilize pelo o que publica e
nem pelo o que seus articulistas declarem.
É fantástico que após muitos e-mails de reclamantes – e a Revista deve
ter publicado os mais leves -, ela simplesmente questione a qualidade de “leitura”
dos seus leitores.
Agora, cabe alguma ironia, de
fato, nós leitores de Veja somos péssimos leitores, se não fosse assim,
estaríamos lendo outra coisa, não é mesmo? Nós não conseguimos ler e nem
interpretar coisas escritas – e bem escritas – somos incapazes de perceber
ironia, sarcasmo e ódio, destilados como se fossem o feijão com arroz de
pessoas normais. E, não, as opiniões ali colocadas não retratam o povo
brasileiro que eu conheço. Mesmo tendo muitos amigos vitimados, ainda digo que
o povo brasileiro é tolerante, e razoavelmente amigável quando bem informado. Quando
bem informado. E, neste quesito, a Revista Veja tem falhado dantescamente. As
pessoas – seja qual for a sua condição sexual – podem e devem ter opinião sobre
os problemas sociais, e devem conhecer as consequências políticas das suas
opiniões. Algumas opiniões matam.
Como eu disse anteriormente,
nunca fui pela “afirmação pela diferença”, sempre achei que o caminho deveria
ser outro. E, não pensem que fiquei sentado na minha casa escrevendo e criticando.
Fui um dos fundadores do primeiro Grupo Gay de Campinas, o Expressão. Cheguei a
escrever para o jornal publicado pelo grupo e que teve circulação nacional, “O
Babado”, de nada disso me envergonho, muito pelo contrário. Deixei cedo o grupo
– continuei escrevendo quando me pediam – exatamente por ser contra a afirmação
pela diferença e não conseguir em nenhum momento ser ouvido. Bem, se não temos
espaço, ou cavamos um ou vamos pra casa...
Algumas coisas da Afirmação pela
diferença deram errado e acabou. Não tem nem que se discutir.
Gays são cada vez mais aceitos
pela sociedade, mas isso, até onde sei nem foi tanto por causa do movimento gay
ou por causa de nossa humanidade, foi por que nos anos 90 descobriram o grande
mercado de consumidores que somos. Descobriram que a minoria não é tão minoria
e que ela gasta e que ela precisa de direitos iguais para consumir mais.
Lembro-me que quando me casei
pela primeira vez, o único documento que atestava meu casamento era o
Credicard, pois esta instituição achou ótimo dar um cartão extra para meu companheiro,
e ele saiu como cônjuge. Era nossa brincadeira predileta: Casados pelo
Credicard. Isso é a mais pura realidade. J. R. Guzzos e outros afins, podem
continuar falando barbaridades, nossos direitos virão – através de luta – mas principalmente
através do poder financeiro e político, na hora de votar. Quem não se lembra da
Marta Suplicy? Que ousou atacar a suposta homossexualidade de Kassab? Perdeu a
eleição.
Vamos, fazendo nosso dever de
casa. Quando falarem absurdos como estes, denunciemos. E façamos o que de
melhor fazem os consumidores quando estão descontentes com o produto, troquemos
de Revista. Não é que não gostemos de ouvir críticas, e que queiramos ignorar
opiniões divergentes, é que elas têm de ser vazadas com um mínimo de respeito
humano. Espero que os sobrinhos do autor, ou primos, ou filhos, não tenham lido
a matéria. Pois, com certeza, ele também tem gays na família, todos temos.
Agora se leram, ele com certeza não ganhará presentes neste Natal!
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